Antocianinas: A (Foto)Química das Cores de Frutas e Flores
Frank H. Quina, Instituto de Química, Universidade de São Paulo, CP 26077, São Paulo 05513-970, Brasil, e Centro de Capacitação e Pesquisa em Meio Ambiente (CEPEMA-USP), Cubatão, SP; e-mail: quina@usp.br
Antocianinas são responsáveis pelas cores roxa, vermelha e azul de muitas flores, frutas e folhas. O interesse nas antocianinas decorre de: sua onipresença na nossa dieta; suas propriedades anti-oxidantes; seu potencial de aplicação como corantes em alimentos e em células fotovoltaicas; e a riqueza e complexidade da sua química e fotoquímica. Em solução aquosa, as antocianinas podem existir em pelo menos cinco formas distintas em equilíbrio entre si. Em pH<3, a forma dominante é o cátion flavílio (AH+, um cátion 7-hidroxiflavílio), um excelente aceptor de elétrons, que ioniza acima de pH 4 (pKa ca. 4,5) para formar a base quinonoidal neutro A. Em pH > 3-4, entretanto, a cor das antocianinas gradualmente desaparece devido à formação do hemiacetal B (pela hidratação de AH+), o tautomerismo de B à cis-chalcona e a subseqüente isomerização desta ao isômero trans. A excitação da forma ácida (AH+) da antocianina ao primeiro estado singlete excitado transforma a molécula num super-fotoácido (com pKa < 0).
Nos últimos cinco anos, desenvolvemos em colaboração com grupos portugueses (Dr. António L. Maçanita, Instituto Superior Técnico, Lisboa, e Dr. João Carlos Lima, Universidade Nova de Lisboa) estudos sistemáticos da química e fotofísica de antocianinas em solução aquosa e em sistemas micelares (Quina, Maçanita et al., J. Phys. Chem. A., 2002, 106, 1248; 2002, 106, 5851; 2003, 107; 3263; 2003, 107, 4203; 2004, 108, 10133; 2005, 109, 7329; 2006, 110, 2089; Langmuir, 2002, 18, 10109; 2006, 22, 933). Juntos, desvendamos os processos dinâmicos de antocianinas sobre uma ampla faixa de tempo (picossegundos via fluorescência resolvida no tempo, nanossegunodos a milissegundos via fotólise por pulso de laser, milissegundos a segundos por fluxo detido e segundos em diante por espectroscopia convencional). Além de antocianinas naturais, investigamos cátions 7-hidroxiflavílio sintéticos que não sofrem hidratação em água (como o íon 7-hidroxi-4-metilflavílio, HMF), que não hidratam nem ionizam (como o íon 7-metoxi-4-metilflavílio, MMF) ou que se ancoram na superfície de micelas (substituídas com cadeias alquílicas compridas).
Como resultado destes estudos, compreendemos muitos dos fatores que afetam os equilíbrios entre as várias formas de antocianinas em solução e, através da escolha apropriada do detergente, podemos manipular estes equilíbrios. Desenvolvemos metodologia para estudar a dinâmica da protonação/desprotonação de antocianinas nos estados excitado e fundamental em água e na superfície de micelas. Estudos teóricos e experimentais da complexação de antocianinas por “co-pigmentos” (moléculas incolores que estabilizam a cor da antocianina) demonstram a importância de interações de transferência de carga na estabilização da cor. Estes resultados têm relevância direta para a compreensão do comportamento in vivo de antocianinas (propriedades anti-oxidantes; proteção da planta contra um excesso de luz solar; foto-estabilidade; mecanismo de co-pigmentação) e fornecem importantes subsídios para eventuais aplicações práticas de antocianinas (estratégias de estabilização da cor em alimentos; propriedades redox dos estados excitados).
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