O espalhamento inelástico da luz, ou efeito Ramam (em homenagem ao seu descobridor -- o físico indiano C. V. Raman) foi descoberto em 1928. Apenas dois anos depois já se contavam 2 centenas de trabalhos publicados envolvendo o seu uso no estudo de propriedades moleculares. No mesmo período de 2 anos (1999-2000) esse número subiu para quase 10.000! Para se compreender os diversos fatores que contribuíram para a verdadeira explosão das aplicações da espectroscopia Raman faremos uma viagem no tempo. O período que compreende os primeiros 30 anos pode ser chamado de "período pioneiro", quando os instrumentos eram "home-made" e a comunidade de praticantes em todo o mundo não passava de algumas dezenas de pesquisadores. No entanto, é desse período um significativo número de trabalhos que se tornaram clássicos e que representam verdadeiros paradigmas no uso da espectroscopia Raman na nossa compreensão de aspectos centrais da Química e da Física. A título de exemplos podemos citar a obtenção e interpretação do espectro Raman do CO2 por Rassetti e Fermi na Itália, introduzindo o conceito de "ressonância de Fermi" de ampla relevância na espectroscopia vibracional; a obtenção dos espectros Raman de sais de Hg22+ por Woodward na Inglaterra, confirmando pela primeira vez a existência de ligação metal-metal de uma espécie em solução e a obtenção e interpretação dos espectros Raman de metais-carbonilo por Stammreich e colaboradores em São Paulo, que possibilitou a extensão do conceito de ligação coordenativa.
Em meados dos anos 60 percebe-se uma saturação e mesmo diminuição de trabalhos envolvendo a espectroscopia Raman. Embora equipamentos comerciais já existissem, os mesmos não podiam competir com a facilidade de operação dos espectrômetros no infravermelho.
No começo da década de 70 tem início um outro período que podemos chamar de "Renascimento da Espectroscopia Raman" causada por inovações tecnológicas decisivas. Nessa época os primeiros lasers comerciais estavam aparecendo e um físico brasileiro radicado nos Estados Unidos, Sergio Porto, publica o primeiro espectro Raman excitado por laser. Logo a seguir surgem os primeiros espectrômetros Raman-laser comerciais, dotados de um laser para excitação, duplos monocromadores para filtragem do espectros e fotomultiplicadoras/ contadores de fótons para detecção. As vantagens são enormes em relação a instrumentação tradicional, em especial quando à facilidade de uso e a sensível diminuição no tempo para obtenção dos espectros. Logo aparecem diversos trabalhos que se tornaram clássicos, como por exemplo e obtenção dos espectos Raman de compostos de gases nobres, como XeF2, XeCl2, KrF2, etc., envolvendo um outro paradigma central dentro dos modelos até então aceitos dentro das teorias de ligação química. Ainda na década de 70, durante a famosa "polêmica sobre a existência da poliágua" o uso da espectroscopia Raman foi instrumental ao mostrar que as propaladas anomalias nas propriedades físicas da água, na verdade eram induzidas por impurezas provenientes do capilar de vidro. Diga-se de passagem que nesse meio tempo diversos trabalhos já haviam sido publicados propondo a possível estrutura da poliágua!
Finalmente, um terceiro período, que se inicia por volta de meados dos anos 80 até nossos dias, poderia ser chamado de "período de universalização da espectroscopia Raman". Esse período se caracteriza pela aplicação quase universal da técnica - sistemas biológicos, aplicações biomédicas, aplicações arqueológicas, validação de obras de arte, aplicações forenses e criminalísticas, etc., etc. Isso se tornou possível principalmente pelo uso da excitação com lasers no infravermelho próximo e técnicas de transformada de Fourier (espectroscopia Raman FT), que virtualmente eliminou a limitação encontrada com amostras fluorescentes, e ainda pelo uso dos detectores multicanal de alto desempenho, que conduziu a um espetacular aumento da sensibilidade da técnica. Em ambos os casos o acoplamento de um microscópio ao espectrômetro Raman nos levou a microscopia Raman, que adicionou o elemento de resolução espacial, permitindo a obtenção de espectros de alta qualidade de regiões microscópicas da amostra sem perder sensibilidade e flexibilidade.
Talvez coubesse aqui a pergunta; com todos os impressionantes recursos tecnológicos hoje incorporados num espectrômetro Raman comercial, estamos sendo tão criativos quanto nossos predecessores, que usando equipamentos "home made" cujo custo hoje não passaria de U$5.000, foram capazes de contribuir tão decisivamente para a mudança de tantos paradigmas centrais da Química e da Física?
É uma pergunta ainda a espera de resposta.