UTILIZAÇÃO DE ORBITAIS MOLECULARES EM QSAR: ENERGIAS DO HOMO E LUMO SÃO PARÂMETROS ÚTEIS ?
Renato Prata de Moraes Frasson (IC) e Anderson Coser Gaudio (PQ)
Departamento de Física - Centro de Ciências Exatas Universidade Federal do Espírito Santo
palavras-chave: energia de orbital molecular, parâmetro eletrônico, qsar
Introdução. O método de Hansch1, 2 para a construção de modelos quantitativos entre estrutura química e atividade biológica (QSAR) consiste em descrever a atividade biológica de uma série de compostos análogos através da combinação linear de parâmetros que descrevam as propriedades lipofílicas, eletrônicas, estéricas e polares desses compostos. A eq 1 mostra a fórmula geral do modelo de Hansch.
log (1/C) = -a Xlipofílico2 + b Xlipofílico + c Xeletrônico + d Xestérico + e Xpolar + f (1)
Nessa equação, C é a concentração molar de cada composto da série capaz de produzir uma resposta biológica definida (IC50, LD100, ED50, etc.), os símbolos Xs são variáveis que representam as propriedades físico-químicas e estruturais de cada composto analisado e os símbolos a-f são coeficientes de ajuste.
A formulação original do método de Hansch estabelecia que as variáveis Xs deveriam ser constantes de substituintes linearmente relacionadas com a energia livre.3 No entanto, uma miríade de outras propriedades não linearmente relacionadas com a energia livre também costumam ser utilizados. Dentre os parâmetros gerados em cálculos de química quântica, as propriedades relacionadas às energias dos orbitais moleculares parecem ser as mais utilizadas em modelos de QSAR.
A utilização das energias do orbital molecular ocupado de energia mais alta (eHOMO) e do orbital molecular desocupado de energia mais baixa (eLUMO) está bem estabelecida em QSAR. Em termos teóricos, a justificativa para a utilização de eHOMO e eLUMO em QSAR baseia-se na Teoria dos Orbitais de Fronteira, proposta por Fukui na década de 1950.4-6 Segundo Fukui, é possível prever o local preferencial de ataque de um reagente nucleofílico, eletrofílico ou radicalar numa dada molécula através da análise da densidade eletrônica dos orbitais de fronteira (HOMO e LUMO) sobre cada átomo das moléculas envolvidas na reação química.
Em QSAR, admite-se que, numa série de compostos análogos que agem no mesmo receptor farmacológico através do mesmo mecanismo de ação, o processo de interação fármaco-receptor seria de alguma forma influenciado por possíveis interações entre os orbitais de fronteira do fármaco e do receptor. Essa interação teria a mesma natureza das interações propostas por Fukui para o caso de moléculas orgânicas ordinárias.
Objetivo. O objetivo do presente trabalho consiste em executar um levantamento bibliográfico com a finalidade de verificar a utilização das propriedades eHOMO e eLUMO em QSAR. Deseja-se tentar responder a algumas perguntas, como por exemplo: (a) eHOMO e eLUMO são propriedades úteis em modelos de QSAR ? (b) O que se deseja realmente medir ao incluir eHOMO e eLUMO em modelos de QSAR ? (c) Há justificativa mecanística para a utilização de eHOMO e eLUMO em modelos de QSAR ?
Metodologia. Fez-se levantamento bibliográfico para identificar os artigos que utilizaram explicitamente eHOMO e eLUMO em modelos de QSAR. De um total de 95 artigos selecionados na pesquisa bibliográfica, conseguiu-se efetivamente coletar 43 artigos, dos quais apenas 24 apresentavam modelos matemáticos de QSAR em que eHOMO e/ou eLUMO estavam presentes. As principais informações extraídas de cada artigo foram: método de cálculo de eHOMO e eLUMO, classe de compostos, tipo de atividade, sistema biológico estudado, mecanismo de ação dos compostos, modelos matemáticos que incluem eHOMO e eLUMO, funções atribuídas aos termos eHOMO e eLUMO, considerações a respeito de eHOMO e eLUMO do fármaco e do receptor e conclusões gerais envolvendo eHOMO e eLUMO na interação fármaco-receptor.
Resultados. A primeira observação interessante acerca desta pesquisa é que em 100% dos artigos analisados eHOMO e eLUMO foram calculados através de métodos semiempíricos, sendo que em cerca de 85% dos casos o método utilizado foi o AM1. Os outros métodos utilizados foram MNDO (em cerca de10% dos artigos) e CNDO2 (em cerca de 5% dos artigos).
Apenas cerca de 5% dos artigos analisados apresentam o mecanismo de ação dos fármacos em nível molecular. Dentre os demais trabalhos, cerca da metade apenas cita o mecanismo de ação geral, como por exemplo inibição da anidrase carbônica, e a outra metade não conhece ou não cita o mecanismo de ação.
Há grande variedade de funções atribuídas a eHOMO e eLUMO nos modelos de QSAR. A função mais atribuída, como esperado, está relacionada ao processo geral de transferência de carga entre fármaco e receptor (cerca de 41% dos artigos analisados). Outras funções estão relacionadas à disponibilidade de elétrons p (4%), reatividade do fármaco (4%) e número de insaturações da molécula do fármaco (4%). Em cerca de 47% dos artigos analisados nenhuma função foi atribuída a eHOMO e eLUMO.
Talvez o aspecto mais relevante detectado neste trabalho seja a total ausência de considerações sobre eHOMO e eLUMO do fármaco e do receptor. Em nenhum dos artigos analisados houve sequer menção sobre o orbital de fronteira do receptor. Talvez a suposição de que o receptor seja sempre o mesmo para todos os compostos da série analisada (mesmo mecanismo de ação), com o conseqüente valor constante para o orbital de fronteira do receptor, não estimule a discussão sobre esse assunto.
Conclusões. Os resultados obtidos até o momento permitem estabelecer as seguintes respostas para as perguntas formuladas em Objetivos, respectivamente: (a) Possivelmente sim. Em muitos modelos analisados eHOMO e eLUMO são parâmetros independentes dos demais e essenciais para o nível de significância do modelo; (b) Na maioria dos casos deseja-se medir a possibilidade de ocorrer transferência de cargas entre fármaco e receptor. No entanto, não se observam discussões aprofundadas sobre o mecanismo de transferência de cargas; (c) Embora os autores acreditem haver justificativa mecanística para a utilização de eHOMO e eLUMO em modelos de QSAR, na prática raramente faz-se referência às funções específicas de eHOMO e eLUMO no mecanismo de ação dos fármacos em nível molecular.
Bibliografia. 1. Hansch, C.; T. Fujita; J. Am. Chem. Soc. 1964, 86, 1616.; 2. Gaudio, A. C.; Química Nova 1996, 19, 278.; 3. Kubinyi, H.; QSAR: Hansch Analysis and Related Approaches, In: Methods and Principles in Medicinal Chemistry; R. Mannhold, P. Krogsgaard-Larsen and H. Timmerman Ed.; VCH; Weinheim, 1993.; 4. Fukui, K., et al.; J. Chem. Phys. 1952, 20, 722.; 5. Fukui, K., et al.; J. Chem. Phys. 1954, 22, 1433.; 6. Fukui, K., et al.; J. Chem. Phys. 1957, 27, 1247.
(PRPPG-UFES e CNPq)