MULTI/INTERDISCIPLINARIEDADE E O ENSINO DO CONCEITO DE MISTURAS HOMOGÊNEAS (SOLUÇÕES)
João Augusto de Mello Gouveia-Matos1 (PQ)
Antonio Carlos de Oliveira Guerra2 (IC)
Cristine Maria de Lima Andrade2 (IC)
Departamento de Química Orgânica, Instituto de Química, UFRJ
Curso de Licenciatura em Química, Instituto de Química, UFRJ
palavras-chave: multi/interdisciplinariedade, cromatografia em papel, cores
Introdução Nos últimos anos em nosso país têm sido apresentadas propostas de ações pedagógicas em congressos1, artigos2, e alguns livros-texto3 tendo por matriz a multi/interdisciplinariedade.
De um modo geral porém, o enfoque multi/interdisciplinar dessas propostas têm sido centradas nas relações química « tecnologia « sociedade « química existentes em um dado campo (excessão: química ambiental). Apesar da necessidade deste enfoque na formação do cidadão, cumpre também estabelecer ações baseadas nas relações entre a química e áreas científicas diferentes, primeiro para que o aprendiz, enquando cidadão, perceba sua real inserção num mundo científico-tecnológico, e segundo, que o enfoque multi/interdisciplinar não seja verticalizado, o que iria contrariar a própria concepção deste conceito.
Por outro lado, determinados conceitos químicos são ainda apresentados no Ensino Médio presos a uma concepção empirista e operacional da Química. É o caso de misturas e soluções. O fato de que no laboratório diversas reações ocorram em solução, ou um processo de fabricação numa industria química eventualmente exija compostos puros, não significa necessariamente que esta deva ser também a ordem de apresentação destes conceitos. Talvez resida neste tipo de abordagem a causa das dificuldades encontradas pelos alunos ao tentar correlacionar conceituação macroscópica com conceitos microscópicos da estrutura da matéria, em especial no caso das soluções4,5. Com isto se perde de vista o fato de que separações de misturas nada mais são do que a aplicação das propriedades resultantes da estrutura atômico-molecular da matéria, e esta abordagem estrutural é que explica a formação de soluções. Cumpre então desenvolver ações e atividades que necessariamente impliquem na apresentação de tais conceitos via estrutura microscópica da matéria.
Objetivos - A partir das considerações acima, procurou-se desenvolver na disciplina Instrumentação de Química com Elementos do Cotidiano, do Curso de Licenciatura em Química da UFRJ, uma atividade teórica-experimental para o ensino médio com as seguintes características: 1. apresentasse um enfoque multi/interdisciplinar entre áreas científicas (no caso, selecionadas Química, Física e Biologia); 2. utilizasse elementos do cotidiano como conceito âncora a partir do qual a atividade pudesse ser desenvolvida; 3. permitisse estabelecer correlações entre estrutura-atômico molecular, e o conceito de misturas homogêneas e soluções; e 4. a atividade experimental fosse de execução simples, envolvesse material de baixo custo e de fácil acesso, e apresentasse condições de ser efetuada pelos alunos em sala de aula.
Métodos e Técnicas - Utilizou-se cores como tema motivador e âncora . A atividade é iniciada com um debate sobre a presença das cores na nossa sociedade, seus aspectos simbólicos culturais, e sua utilização na comunicação visual. Em seguida são apresentados aspectos físicos associados a luz e cor (decomposição da luz, caracterização das cores por seus comprimentos de onda, etc), como se dá nossa percepção desses (morfologia e elementos do olho humano responsáveis pela captação luminosa), discutido a obtenção de cores tanto em pigmentos (cor por subtração), quanto em fontes luminosas (cor por adição), e introduzido os conceitos de cores complementares, primárias, secundárias, e terciárias. Nesse ponto é efetuado cromatografia em papel de um conjunto de canetas hidrocor, segundo técnica adaptada da literatura5 , sendo cada cor distribuída por cada um dos grupos de alunos. Após comparação entre os vários cromatogramas (veja resultados), é discutido, a partir das interações moleculares fase estacionária x pigmento, por que algumas cores não abrem - cores primárias - enquanto outras são desdobradas em duas, ou três secundárias e terciárias. Finalizando, a linguagem e conceito do senso comum para categorizar as cores secundárias e terciárias mistura de cores é trabalhado para construção do conceito científico de misturas homogêneas (interações moleculares). A retirada de algumas gotas do corante nessa etapa, via injeção de um pouco de água na parte posterior da caneta, é fundamental para interligar os conceitos cores (realidade física) pigmento (realidade química).
Considerações finais - Na atividade proposta o aprendiz irá construir, ou reconstruir, os conceitos de mistura homogênea e solução como uma consequência das explicações para separação de cores. Mas isto significa que ele já deve ter sido apresentado a conceitos estruturais da matéria (molécula, ligação, polaridade, etc.). Para os que julgam que este não seja o caminho mais adequado para o desenvolvimento cognitivo, a atividade pode ser vista como uma reconstrução conceitual a nível mais abrangente. De qualquer forma em que seja apresentada, ela implica necessariamente no estabelecimento das correlações entre os conceitos de mistura homogênea (solução) e o de microestrutura da matéria.
Bibliografia
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