DETERMINAÇÃO DO pKa DO ÁCIDO CLÓRICO POR ESPECTROSCOPIA RAMAN
Wagner de Assis Alves1 (PG), Oswaldo Sala2 (PQ), Paulo Sérgio Santos2 (PQ) eRoberto de Barros Faria1 (PQ)
1Departamento de Química Inorgânica, Instituto de Química
Universidade Federal do Rio de Janeiro
2Laboratório de Espectroscopia Molecular, Instituto de Química
Universidade de São Paulo
Palavras-Chave: ácido clórico, pKa, espectroscopia Raman
Introdução. Dando continuidade aos nossos estudos sobre a determinação das constantes de dissociação de ácidos halogenados em meio aquoso1-3, apresentamos aqui os resultados de espectroscopia Raman que nos permitiram determinar a constante de velocidade da reação entre o H+ e o íon clorato e a constante de dissociação do ácido clórico.
Kreevoy and Mead4,5 foram os primeiros a propor que o alargamento da linha Raman fosse atribuído à rápida transferência do próton entre a molécula de um ácido e o seu ânion conjugado e desenvolveram a teoria que permite obter a constante de velocidade de segunda ordem para a reação entre o H+ e o ânion conjugado de um ácido forte. Correlacionando a intensidade da banda de estiramento simétrico do íon carboxilato, em 1435 cm1, com a sua concentração, estes autores determinaram, também, a constante de dissociação do ácido trifluoracético. Seguindo este mesmo procedimento, outros autores determinaram as constantes de dissociação dos ácidos nítrico,6 sulfúrico7 (segunda dissociação) e perclórico.8
A constante de dissociação dos ácidos do tipo HXO3 é bem conhecida para o caso de X = I (pKa = 0,74, 32 C)9 . Para o caso de X = Br existem algumas estimativas com valores dispersos na literatura sendo que o emprego da espectroscopia Raman nos forneceu o valor de pKa = -1,0 à 25 C.3 Para o caso de X = Cl não temos conhecimento de qualquer determinação experimental.
Metodologia. As soluções de ácido clórico foram obtidas a partir da reação do clorato de bário mono-hidratado com o ácido sulfúrico.10 Os espectros Raman foram obtidos com um monocromador duplo (Jobin Yvon, U1000) equipado com uma fotomultiplicadora (C31034A-2) operando a -20 C, utilizando como radiação excitante a 488 nm, com 300 mW de potência, de um laser de íon argônio (Coherent Radiation, Innova 90). O ajuste das fendas e o passo do monocromador foram ajustados de forma a dar, resolução de aproximadamente 5 cm-1.Os espectros foram obtidos à temperatura ambiente (25 C). A concentração das soluções de ácido clórico foi determinada por titulação com NaOH e também por KMnO4. A região próxima de 950 cm-1 do ClO3, por conter as bandas de estiramento simétrico (930 cm-1) e assimétrico (977 cm-1) superpostas, foi submetida a um processo de deconvolução, ajustando-se um perfil lorentziano às mesmas pelo uso do programa Microcal Origin 5.0. Desta forma, foi possível determinar a intensidade máxima e a largura à meia altura, , da banda de estiramento simétrico, que é a mais intensa do espectro, tanto nas soluções de clorato de sódio quanto nas soluções de ácido clórico. As intensidades Raman foram normalizadas com relação ao pico em 459 cm-1 do CCl4(l).
Resultados. Para as soluções de NaClO3, na faixa de concentração de 1,0 a 2,5 mol L-1, a largura a meia altura da banda de estiramento simétrico mostrou um valor constante, 0, de 25,3 ± 0,1 cm-1. Para as soluções de ácido clórico foi observado um aumento linear de com a concentração, permitindo escrever - 0 = A[H+], onde A = 2,35 cm-1 M-1. Considerando-se o equilíbrio HClO3 H+ + ClO3, a velocidade de formação do HClO3 pode ser expressa como vr = kr[H+][ClO3] = 2cA[H+][ClO3], ou seja, kr = 2cA.4,5 Dessa forma, obtivemos o valor de kr = 4,44 × 1011 M-1s-1.
O gráfico da concentração de NaClO3, C, contra intensidade, R, da banda de estiramento simétrico forneceu uma inclinação de 0,0188 ± 4 × 104 (r2 = 0,997), que é a intensidade específica, Is, para esta banda. Através deste valor de Is pode-se calcular a concentração de ClO3 livre nas soluções de HClO3 e, por subtração da concentração total de HClO3, obtém-se a concentração de HClO3 associado. Utilizando Ka = [H+][ClO3]/[HClO3]= [ClO3]2/[HClO3] obtivemos o pKa (HClO3) = -1,38 ± 0,01.
Discussão. Considerando a diferença entre o número de átomos de oxigênio e o número de hidrogênios ionizáveis, o valor de pKa esperado para este ácido deveria ser próximo ao dos ácidos nítrico (pKa = -1,23) e sulfúrico (pKa = -2), o que de fato se confirma. Além disso, o valor obtido mostra que este ácido é um pouco mais forte que o seu análogo, HBrO3. A maior acidez do ácido clórico é esperada uma vez que o aumento da eletronegatividade do átomo central estabiliza o ânion conjugado tornando o composto mais ácido.
Conclusões. Através do emprego da espectroscopia Raman foi possível determinar, pela primeira vez, a constante de dissociação aparente do ácido clórico, confirmando
a tendência de aumento da acidez para os ácidos HXO3 em função do aumento da eletronegatividade do átomo central. Desta forma fica faltando a determinação do pKa de apenas dois ácidos halogenados de fórmula geral HXOn, conforme a Tabela abaixo.
Ácido | X = Cl | X = Br | X = I |
HOX | 7,38 | 8,80 | 10,64 |
HOXO | 1,96 | 3,43 | |
HOXO2 | -1,38 | -1,0 | 0,74 |
HOXO3 | -3,3 | 1,64 |
Referências.
1-R.B.Faria, I.R.Epstein, K.Kustin "Determination of the pKa of Bromous Acid" J. Phys. Chem. 1992, 96, 6861.
2-W.A.Alves "Espectroscopia Raman de soluções de bromato e o pKa do ácido brômico", Tese de Mestrado, Departamento de Química Inorgânica, Instituto de Química, Universidade Federal do Rio de Janeiro, abril de 1998.
3- C.E.S.Côrtes, W.A.Alves, C.A.Téllez S. R.B.Faria Kinetics of Bromate-Bromide Reaction and the Determination of the pKa of Bromic Acid by Raman Spectroscopy J. Phys. Chem. A, submetido.
4- Kreevoy, M.M. and Mead, C.A. Disc. Faraday Soc. 1965, 39, 166.
5- Kreevoy, M.M. and Mead, C.A. J. Am. Chem. Soc. 1962, 84, 4596.
6- Vollmar, P.M. J. Chem. Physics. 1963, 39, 2236.
7- Chen, H and Irish, D.E. J. Phys. Chem. 1970, 74, 3796.
8- Covington, A.K., Tait, M.J. and Wynne-Jones, W.F.K. Disc. Faraday Soc. 1965, 39, 172.
9- J.R.Durig, O.D.Bonner, W.H.Breazeale J. Phys. Chem. 1965, 69, 3886.
10- Schmeisser, M. In: Brauer, G.(Ed). "Handbook of Preparative Inorganic Chemistry", 2nd ed., Vol.1, New York, Academic Press, 1963. p. 312.
[CNPq, FAPESP, FAPERJ, FUJB]