a-CICLODEXTRINA E METIL MERCÚRIO: NOVA ESTRATÉGIA PARA retirar ORGANOMERCURIAIS?


Silvânia Vaz de Melo Mattos (PG)*; Célia de Fátima Barbosa (PQ)**; Raquel Joane Rodrigues (PQ)**; Luiz Fernando Cappa de Oliveira (PQ)***, Andréia A M Nascimento (PQ) f; Juliana A. dos Santos Oliveira (TQ)#; Cynthia Peres Demicheli (PQ) #; Rubén Dario Sinisterra (PQ) #


* Lab. Contaminantes Metálicos, Divisão de Bromatologia e Toxicologia – FUNED; **Controle Biológico de Qualidade - Fundação Ezequiel Dias – FUNED; ***Departamento de Química, Universidade Federal de Juiz de Fora;

fDepartamento de Biologia Geral – UFMG; #Departamento de Química da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG


O mercúrio é classificado como metal pesado tóxico, por suas características de alta volatilidade, fácil transformação nos compartimentos naturais e biomagnificação. Com relação à toxicidade, três principais formas químicas do metal merecem destaque, o mercúrio elementar, o inorgânico e o orgânico. Nos ambientes aquáticos os microorganismos convertem o Hg em cloreto de metil mercúrio (MeHg), a forma mais tóxica do mercúrio. O MeHg é concentrado nos peixes, via cadeia alimentar, alcançando concentrações muito mais altas do que a originalmente encontrada no meio ambiente. Em conseqüência, o consumo de peixes é a principal rota de exposição humana ao MeHg, sendo particularmente um risco para os fetos, que podem sofrer de distúrbios no sistema nervoso central, retardo mental, e deficiências no desenvolvimento motor. Adultos podem sofrer de deficiências sensoriais e motoras. Essa diferença pode ser devido à incompleta formação da barreira hemato-encefálica e à ausência de excreção do MeHg no feto. O MeHg absorvido se distribui pelo organismo, penetrando facilmente as barreiras hemato-encefálica e placentária, devido à alta lipoafinidade e lipossolubilidade. A molécula de MeHg é bastante estável, sendo demetilada no organismo apenas lentamente. Tendo em vista a seriedade do problema toxicológico e as características de lipoafinidade do metil mercúrio, aliado às propriedades da ciclodextrina (CD) em abrigar compostos de baixa solubilidade em água, preparou-se o composto de inclusão do MeHg com a a-CD. Esse estudo visa obter uma tecnologia alternativa na redução da toxicidade do MeHg ou sua pré-concentração na remediação do mercúrio. O composto (MeHg:CD) foi preparado pelo método de co-precipitação, com uma estequiometria molar de 1:1, que foi confirmada pela análise por absorção atômica. o produto formado é bem mais solúvel em água que o cloreto de metil mercúrio puro. Procederam-se as análises de IV, Raman, DRX, TG, DSC e RMN de 1H e 13C, para caracterização do produto obtido. Para efeito de comparação nas análises realizadas, preparou-se a mistura mecânica na mesma proporção molar de hospedeiro:convidado. O composto foi analisado também pelos testes biológicos de concentração inibitória mínima (CIM) em E. coli, pelo método de diluição em tubos, e determinada a DL50 em camundongos albinos machos, em comparação com o MeHg puro e a mistura mecânica (MeHg//CD). As análises de IV se revelaram decisivas na caracterização e comprovação do processo de inclusão ocorrido. A ausência da banda de CH3 “rock” em 760 cm-1, mostra que o MeHg perdeu a liberdade desse movimento ao ser incluído na cavidade da a-CD. Também não foram observados os modos de estiramento simétrico e assimétrico de CH3, em 2980 e 2770 cm-1, respectivamente, comparado com o do MeHg. O espectro Raman mostra que a banda do modo vibracional Hg-Cl, em 293 cm-1, no MeHg, está deslocada para 329 cm-1 no espectro do MeHg:CD. As duas outras bandas apresentadas pelo MeHg, em 555 e 1189 cm-1, de dsim. do Hg-C e do CH3 respectivamente, também estão deslocadas para 563 e 1201 cm-1. Essa observação experimental não é muito comum nos compostos de inclusão com ciclodextrinas, já que as interações não são fortes o suficiente para promover um deslocamento acentuado nos modos vibracionais do convidado, porém, os resultados podem ser derivados de uma interação particular do CH3HgCl dentro da cavidade. Os resultados obtidos comprovaram que o MeHg está realmente incluído na cavidade da a-CD e que a interação deve estar ocorrendo através do lado metilado da molécula. As curvas TG, DTG e DSC do composto de inclusão mostraram um comportamento térmico muito diferente dos compostos parente. A análise de RMN de 13C revelou que todos os carbonos, exceto C6, externo à cavidade, sofreram alterações com a formação do produto de inclusão. Os carbonos C5, C2 e C3, apresentaram proteção com a inclusão do convidado, com diferenças de deslocamento químico de 1,13, 0,58 e 0,22 ppm respectivamente, refletindo as mudanças de campo elétrico ocorridas no interior da cavidade. Por outro lado, C1 e C4 mostraram desproteção de 0,03 e 0,11 ppm respectivamente, atribuída às mudanças conformacionais ocorridas com a complexação. Essa alteração demonstra a tensão nas bordas da cavidade. Os padrões de DRX do MeHg e da a-CD se mostraram como um sistema policristalino, e a mistura mecânica apresentou os mesmos picos 2q típicos verificados nos componentes individuais. Já para o MeHg:CD, o perfil de DRX é bastante distinto, mais amorfo, e os picos característicos do MeHg e da a-CD não foram observados, e sim, o aparecimento de novos picos. Os resultados nos conduziram à conclusão da obtenção de um produto com uma nova fase cristalina. As análises térmicas e espectroscópicas de caracterização realizadas revelaram que o MeHg:CD é bastante diferente dos compostos originais e da mistura mecânica. Os testes de determinação da CIM foram indicativos da eficácia do composto de inclusão na retenção do MeHg no interior da cavidade, impedindo a sua liberação para o meio aquoso e propagação do seu mecanismo de toxicidade sobre a bactéria. Observou-se uma redução de cerca de três vezes na toxicidade do MeHg. A DL50 encontrada para o MeHg:CD foi de 0,165 mmol/kg, cerca de três vezes superior ao composto puro. Esse resultado está em perfeita concordância com o encontrado para a CIM em bactérias. O trabalho aponta para novos estudos, em sistemas biológicos mais complexos, para possíveis aplicações futuras em toxicologia.

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