AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS E A NOVA PROPOSTA CURRICULAR DE QUÍMICA PARA O ENSINO MÉDIO

EM MINAS GERAIS: ALGUMAS PROBLEMATIZAÇÕES


Murilo Cruz Leal (PQ, PG)

Departamento de Ciências Naturais

Fundação de Ensino Superior de São João del-Rei - FUNREI

Doutorando em Educação - FAE/UFMG

Palavras-chave: políticas educacionais; ensino médio; reforma curricular


A situação atual da educação em Minas Gerais começou a constituir-se no início da década de 90. De acordo com Martins (1999), a orientação neoliberal iniciada pelo presidente Collor face ao reordenamento do sistema capitalista mundial "encontrou em MG, especialmente no campo educacional, um importante espaço de experimentação e implementação". Em 1994, foi aprovado no Banco Mundial um empréstimo de 150 milhões de dólares para o projeto "Melhoria da Qualidade da Educação Básica em Minas Gerais" (Pró-Qualidade). Segundo Tommasi (1998), o Pró-Qualidade firmou-se como padrão de referência do BM, tal o nível de adesão do governo mineiro às suas orientações. Durante o governo de Eduardo Azeredo, foram implantados dezenas de sub-programas do Pró-Qualidade. Em 1998, é publicada a "Proposta Curricular - Química. Fundamentos Teóricos", no âmbito do "Programa-Piloto de Inovação Curricular e de Capacitação Docente para o Ensino Médio" (Pró-Médio, realizado em três etapas de 40 horas, em 1997 e 1998). A partir de 1998, o Programa Pró-Ciências tem significado a generalização do Pró-Médio para Química, Física, Biologia e Matemática. As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM, Resolução 03/98 CEB/CNE/MEC) indicam “Identidade, Diversidade e Autonomia", "Interdisciplinaridade" e "Contextualização" como os princípios pedagógicos estruturadores dos currículos no país. Por sua vez, a nova proposta curricular de Química da SEE-MG está organizada a partir da caracterização da situação atual do ensino médio de Química, apontando os aspectos que se pretende ultrapassar. Poderíamos sintetizar estes aspectos em: 1) abordagem exclusivamente conceitual, abstraindo o conhecimento químico de seus contextos de aplicação e de suas relações com as esferas social, ambiental e tecnológica; 2) abordagem em uma seqüência linear de pré-requisitos, com desarticulação dos focos de interesse da Química (propriedades, constituição e transformações dos materiais) e dos seus aspectos estruturais (fenomenológico, teórico e representacional). A contextualização aparece, portanto, como um conceito em destaque tanto nas DCNEM quanto nesta nova proposta curricular. No entanto, há diferentes alternativas para tratar este conceito. A contextualização pode ser vista exclusivamente como a correlação entre os conhecimentos químicos e os fenômenos que ocorrem no cotidiano e nos processos industriais. Dessa forma, a química continua operando como sistema racional separado, independente, que vai ao encontro da resolução de problemas técnicos e da produção de novos materiais, sem a explicitação de mediações políticas e éticas, por exemplo. Por outro lado, a contextualização da química poderá se dar de modo mais radical, tal que a racionalidade técnica e a suposta neutralidade científica sejam postas em discussão e a química seja problematizada como parte da estrutura cultural e política em que vivemos. Em relação à definição dos conteúdos a serem tratados, a Proposta Curricular lança mão do princípio da flexibilidade: “O professor não deve ter a obrigação de trabalhar com todos os temas relacionados. A idéia é que ele possa compor seu currículo a partir desses temas, adaptando suas escolhas às preferências e condições de trabalho. Mesmo dentro de um tema, o professor não precisa esgotar todos os assuntos propostos”. A flexibilidade é um princípio que se coloca de forma harmônica junto com identidade, diversidade e autonomia (que estão nas DCNEM). No entanto, na passagem do nível das proposições para o das realizações sociais, estes princípios sofrem grandes oposições, especialmente da formação inicial de professores e dos exames realizados após o ensino médio (vestibular e ENEM). Desse modo, a orientação para uma prática flexível vai contar com a oposição da rigidez e da uniformidade próprias dos cursos de formação e dos exames (e mais a da tradição editorial que subsidia o trabalho dos professores de química, marcada por pouca diversidade temática e contextualização insipiente). A organização espaço-temporal das escolas é outro importante item desfavorável à flexibilidade. A interdisciplinaridade aparece contemplada de modo bastante significativo na nova proposta curricular de Química de Minas Gerais. A abordagem de temas (dos contextos tecnológico, produtivo e social) que ultrapassam os limites disciplinares faz com que os conteúdos químicos se articulem com outros vindos de diferentes ciências. Outro aspecto a ser problematizado (politizado) no trajeto entre as políticas educacionais e a prática pedagógica em sala de aula é a dicotomia entre a proposição e a execução, que esteve presente nos programas de capacitação de professores realizados em Minas ao longo dos anos 90. Em lugar de discussões mais profundas e demoradas, lança-se mão de estruturas exemplares que devem ser reproduzidas (de acordo com o esquema de seguir o modelo); os saberes dos professores em capacitação (assim como os dos alunos nas salas de aula) não são tomados como referentes fundamentais para o encaminhamento de idéias e a tomada de decisões. Professores universitários e professores do ensino médio interagem sem tomar a natureza do processo em andamento como objeto de reflexão - mais uma vez, a racionalidade técnica se instala e não se trabalha com radicalidade a proposição de mudar, a relação entre o um e o outro, entre o velho e o novo, entre as práticas e as idéias.

Referências bibliográficas: MARTINS,AS A reconfiguração da educação mineira nos anos 90: determinantes da política de formação em serviço de prof. do ens. fund. IV Cong. de C. Humanas, Letras e Artes. Atas em CD-ROM. Viçosa: UFV, 02-06/ago./1999. TOMMASI,LD Financ. do BM no setor educ. bras. In: Tommasi,LD, Warde,MJ, Haddad,S (org) O BM e as políticas educacionais.2ed. SP: Cortez, 1998.


Agência financiadora: CAPES