PARA QUÊ SERVEM AS AULAS DE LABORATÓRIO? PROFESSORES E ESTUDANTES DE QUÍMICA GERAL DISCUTEM AS FUNÇÕES DO ENSINO EXPERIMENTAL
Luiz Otávio Fagundes Amaral (PQ), Ana Cristina da Silva (PG), Erúzia Aparecida Evangelista (IC)
Departamento de Química Universidade Federal de Minas Gerais
palavras-chave: Química Geral; Ensino experimental; Funções do ensino
Introdução: Professores e planejadores curriculares atribuem, comumente, diversas funções ao laboratório (Hodson, 1994; Perales Palacios, 1994). Entretanto, há críticas quanto à possibilidade de o ensino experimental cumprir algumas, pelo menos, dessas funções, bem como em relação a esse ensino ter ou não uma vantagem de eficiência para atingi-las (Hofstein & Lunetta, 1982, Hodson, 1994). O fato de que a maior parte dos estudos disponíveis sobre o ensino de química se restrigem ao ensino básico e a importância de que se investigue a situação no âmbito da formação superior de futuros professores de química nos estimularam a investigar, desde 1998, as funções desejáveis e reais - do ensino experimental de Química Geral, oferecido pelo nosso Departamento.
Metodologia: Um de nós (ACS) realizou no 2º semestre de 1998 sua monografia de conclusão da licenciatura em Química, acompanhando as aulas de Química Geral Experimental, oferecidas para uma turma do curso de licenciatura (noturno). A monografia descreve, discute e interpreta as entrevistas feitas com 7 professores experientes, com atuação no ensino experimental, sendo 5 deles professores de Química Geral Experimental. Os outros 2 professores atuavam na disciplina Química Orgânica Experimental. Sua inclusão como sujeitos da pesquisa se justificava pela desejável natureza integrada do ensino experimental, além de que a disciplina em que eles atuavam é a seqüência imediata da disciplina de Química Geral Experimental. Igualmente importante para a escolha foi o fato de ambos terem se envolvido intensamente numa revisão de conteúdos e metodologia da disciplina Química Orgânica Experimental, Essa reforma, entusiasticamente recebida pelos alunos, aumentou a autonomia exigida dos estudantes e as oportunidades para reflexão individual e coletiva do trabalho feito no laboratório. As 7 entrevistas, individuais e de formato semiestruturado, abordaram, entre outros aspectos, a opinião dos professores sobre as funções do ensino de laboratório. Especificamente, os entrevistados foram questionados sobre as funções discutidas no estudo de Hodson (1994): i motivação; ii - desenvolvimento de habilidades de manipulação; iii aprendizagem de conceitos; iii aquisição de atitudes; iv vivência dos processos de construção do conhecimento científico. Além das entrevistas, usou-se para a análise as observações feitas no decorrer das aulas.
No 2º semestre de 1999, outro de nós (EAE) também realizou sua monografia de conclusão da licenciatura, orientada como a anterior pelo autor principal deste trabalho (LOFA). O tema escolhido foi a percepção dos estudantes de uma nova turma da disciplina a respeito das funções potenciais e reais do laboratório. Nesta monografia, foram usados diversos instrumentos: um questionário aplicado a toda a turma (14 alunos e 13 questionários devolvidos e analisados), a observação das aulas (ministradas por LOFA e EAE), trabalhos de pré-laboratório e relatórios feitos pelos grupos e as gravações das discussões entre os membros de 2 dos 5 grupos de alunos, durante 3 aulas. O questionário incluía 8 perguntas, 4 abertas e 4 fechadas. Estas últimas utilizaram uma escala de tipo Likert, com 5 pontos, indo de uma resposta extremamente favorável a uma extremamente negativa; acrescentamos também uma sexta opção, Não sei responder. O questionário abordava o interesse despertado pelas aulas, a importância das funções de motivação, desenvolvimento de habilidades manipulatórias, aprendizagem conceitual, compreensão de como trabalham os químicos. A quinta função discutida no trabalho de ACS, aquisição de atitudes, foi desdobrada em perguntas sobre três aprendizagens específicas: interpretação e crítica de resultados experimentais; trabalho cooperativo em grupo; conhecimento e prática de normas de segurança adequadas.
Resultados: O trabalho de ACS evidenciou que os professores entrevistados compreendiam o laboratório como um espaço em que múltiplas funções podem e devem ser cumpridas. Devido à natureza semiestruturada das entrevistas, os professores não enfatizaram todas as funções discutidas no trabalho de Hodson (1994). Emergiram como as duas funções mais destacadas a aprendizagem de habilidades manipulatórias (mencionada por 5 dos entrevistados; 71%) e a relação teoria-experimento que todos mencionaram. Neste caso, porém, há uma visível distinção entre 4 entrevistados (57%), que discutiram o laboratório como espaço para a comprovação das teorias (evidenciando uma concepção empirista-indutivista do processo de construção da ciência) e 2 outros (29%), que argumentaram sobre a construção de conceitos teóricos no laboratório. Por sua vez, o trabalho de EAE evidenciou que: i - os estudantes também percebiam o laboratório como um espaço para se atingir, potencialmente, diferentes; ii consideraram que as duas maiores ênfases do curso haviam sido a aprendizagem de conceitos (11 respostas; 85%) e de normas de segurança (10 respostas; 77%), seguindo-se a elas a aprendizagem do trabalho em grupo (8 menções; 62%) e de habilidades técnicas (6 menções; 46%); iii destacaram diversas funções como sendo aquelas em que, pessoalmente, tiveram maior desenvolvimento, a partir do curso (sobretudo a aprendizagem de conceitos (54% de citações) e o desenvolvimento de habilidades técnicas (citado por 38% deles). Todos foram unânimes no elogio às atividades do curso, consideradas sempre como muito interessantes ou interessantes.
Conclusão: Os trabalhos aqui resumidos suscitam diversas reflexões. Por exemplo, o fato de o laboratório ter diversas funções põe em questão a preferência comum pela realização de trabalhos individuais. Essa escolha, sem dúvida necessária para o desenvolvimento de habilidades manipulatórias, conspira contra o sucesso de outros objetivos, como a aprendizagem conceitual ou a aprendizagem do trabalho cooperativo. Comprovamos uma hipótese de que, embora simples, o curso era proveitoso tanto para alunos com formação técnica (cerca de 50% das turmas) quanto para os demais alunos.
E-mail: amaral@apolo.qui.ufmg.br