André Mauricio de Oliveira (PG), Carlos Alberto Montanari (PQ)
Núcleo de Estudos em Química Medicinal (NEQUIM),
Departamento de Química, Instituto de Ciências Exatas,
Universidade Federal de Minas Gerais
O estudo de compostos que interagem reversivelmente com a fenda menor do B-DNA (em geral, bisamidinas aromáticas) tem despertado o interesse pelo fato de estes compostos apresentarem grande atividade contra bactérias como a Pneumocystis carinni, associada à AIDS, sendo também eficientes no combate a infecções causadas por protozoários, como Leishmania sp.1a. É sabido que o reconhecimento da fenda menor é governado por interações fracas (reversíveis) nas regiões ricas em bases AT, das quais as ligações de hidrogênio com as bases e, em menor escala, as interações hidrofóbicas (conforme tem sido verificado por estudos anteriores feitos pelo nosso grupo) desempenham um papel importante 1b-d.
O programa GRID, desenvolvido por Goodford e Boobbyer2, representa o que se chama derivação de um modelo farmacofórico e se baseia no princípio de que o mapeamento das interações de um determinado alvo com fragmentos moleculares isolados (chamados de sondas) permite uma inferência das interações possíveis com moléculas que contém aqueles fragmentos. A molécula alvo é inserida numa rede de pontos (grid) e a sonda é levada a interagir com cada uma das células desta rede. A energia de interação é calculada para cada posição (como uma soma das energias de Lennard-Jones, eletrostática e de ligação de hidrogênio), e um mapa tridimensional (hot spots) com os pontos do espaço onde esta interação é mais favorecida é então obtido. O passo seguinte seria a tradução da natureza química destas regiões espaciais em fragmentos estruturais (ou estruturas de Markush) cuja geometria obedeceria a certas restrições de ângulo e distância de ligação com fim de se obter novas estruturas complementares ao sítio farmacofórico.
Este trabalho descreve o emprego do referido método no estudo da interação de um oligonucleotídeo do tipo d(CGCAAATTTGCG)2 (cód. pdb bld038), com sondas apropriadas. Nosso objetivo, por conseguinte, é estudar a interação de compostos bisamidínicos com a fenda menor do B-DNA, bem como com moléculas de água e contra-íons, por meio do mapeamento das interações favoráveis no programa GRID. Empregou-se na análise uma energia mínima aceitável de 5.00 kcal/mol, um raio de claridade ao redor da molécula alvo de 5.00 Å, uma distância para a ligação de hidrogênio de 5.00 Å e 54 planos com um total de 69768 pontos na grade. A visualização dos mapas foi feita através do programa Sybyl v. 6.5. A Tabela 1 traz uma relação decrescente de energia para as sondas empregadas para o B-DNA com as regiões da molécula alvo envolvidas.
Sonda |
Energia mais negativa (kcal/mol) |
Regiões de interação mais forte na molécula alvo |
Íon magnésio |
-42.986 |
Grupos fosfato > fenda menor, |
Íon sódio |
-31.838 |
Fenda menor >> grupos fosfato |
Íon potássio |
-31.294 |
Fenda menor >> grupos fosfato |
Amidina alifática |
-23.574 |
Fenda menor, região AT |
Amidina aromática |
-23.066 |
Fenda menor > fenda maior |
Trimetilamino |
-12.487 |
Fenda menor e grande parte da região GCG |
Amida aromática |
-11.591 |
Baixa especificidade (interage com ambas as fendas e com os grupos fosfato) |
Água |
-9.800 |
Ligações de hidrogênio com o nitrogênio 3 e com o oxigênio da ribose (ambos da adenosina 16) e com os grupos fosfato |
Oxigênio de anel furânico |
-4.733 |
Baixa especificidade. Interage com ambas as fendas em todo o dodecâmero |
Carbono sp2 (aromático e alílico) |
-4.046 |
Interação apenas com a fenda menor |
Sonda hidrofóbica (dry) |
-2.412 |
Extremidades da dupla hélice (onde não há grupos fosfato) e fenda menor |
Os resultados da Tabela 1 coadunam com as informações de que já dispúnhamos acerca da especificidade das interações desta seqüência com certos grupos (como as amidinas), além de lançar nova luz sobre a participação de contra-íons, moléculas de água e de carbonos insaturados de anéis aromáticos no reconhecimento. A análise permitiu também constatar que bisamidinas aromáticas e alifáticas (quando isoélicas) diferem pouco na interação, com uma especificidade para a fenda menor levemente mais acentuada para as últimas. Como era previsível, a interação com cátions metálicos cresce proporcionalmente à carga formal dos mesmos. O presente estudo abre precedentes para futuras análises visando a proposição de estruturas mais complementares, além de possibilitar um melhor entendimento das forças motoras no reconhecimento molecular envolvendo estes compostos.
(a) Walzer, P.D.(ed.) "Pneumocystis carinii Pneumonia", 2nd. Edition, Revised and Expanded, In "Lung Biology in Health and Disease", v.69; Marcel Dekker, New York, 1994.(b) Shapiro, T.A., England, P.T. Proc. Natl. Acad. Sci. USA 1990, 87, 950. (c) Edwards, K.J.,Jenkins, T.C.,, Neidle, S., Biochemistry 1992, 31, 7104. (d) Montanari, C.A., Tute, M.S., Beezer, A.E., Mitchell, J.C. J. Comp.-Aid. Mol. Des. 1996, 10, 67.
(a) Goodford, P.J. J. Med. Chem., 1985, 28, 849 (b) Goodford, P.J. J. Chemometrics, 1996,10, 107 (c) Boobbyer, D. N. A.. Goodford, P. J., McWhinnie, P. M., Wade, R. C. J. Med. Chem. 1989, 32, 1083