ESTIMATIVA DO POTENCIAL ZETA DE MICELAS IÔNICAS ATRAVÉS DE MEDIDAS DE VISCOSIDADE


Carolina Vautier-Giongo (PG) e Heloise O. Pastore (PQ)

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Palavras chaves: micelas, potencial zeta, efeito eletroviscoso primário


Micelas formadas por surfactantes iônicos são eletricamente carregadas, sendo, portanto, rodeadas por uma dupla camada elétrica. O efeito eletroviscoso primário resulta da distorção, sob um gradiente de cisalhamento, desta dupla camada. Como consequência de tal efeito, a viscosidade da suspensão de micelas carregadas excede àquela que teria uma suspensão das mesmas, caso fossem neutras. O efeito eletroviscoso primário pode ser detectado como um incremento na viscosidade intrínseca das micelas. Em 1950, Booth1 propôs a seguinte expressão para a quantificação do efeito eletroviscoso primário, EBooth:

EBooth = [(ez)2 (ka)2 (1 + ka)2 Z(ka)]/4plohoa2 (1)

onde z é o potencial zeta, ou potencial eletrocinético, das partículas; a, o raio das partículas; k-1, a espessura da dupla camada elétrica, dada pelo parâmetro k = [8pIe2/(ekBT)] 1/2, onde I é a força iônica do meio; lo e ho são, respectivamente, a condutividade específica e a viscosidade do meio; Z(ka),o parâmetro de Booth, uma função complexa de ka.

Neste trabalho, o potencial zeta de micelas do surfactante catiônico brometo de cetiltrimetilamônio (CTAB), foi estimado através de medidas de viscosidade de soluções aquosas (69 mmol.L-1 de CTAB), constituídas de micelas aproximadamente esféricas, em ausência e presença de NaBr, mediante a quantificação do efeito eletroviscoso primário experimental e o emprego da equação de Booth.

A Figura 1(a) ilustra o comportamento de queda da viscosidade relativa, hrel, do sistema, com o aumento da concentração de NaBr. Uma vez que o efeito viscoelétrico, decorrente da orientação de moléculas de água ao redor das micelas carregadas, é desprezível a partir de 0,1 nm da superfície das mesmas,2 este comportamento pode ser atribuído à minimização do efeito eletroviscoso primário, já que o aumento da força iônica do meio conduz a uma diminuição da espessura da dupla camada elétrica das micelas.

Empregando a expressão de Booth, foi possível estimar valores de potencial zeta para as micelas de CTAB, a partir determinação da contribuição do efeito eletroviscoso primário, Eexp, à viscosidade relativa das soluções, hrel = 1+[h](1+Eexp)f (f = 0,026 é a fração de volume ocupada pelas micelas). Eexp, foi calculado através da expressão Eexp = ([h]cee /[h]see)–1 onde [h]cee e [h]see são, respectivamente, as viscosidades intrínsecas em presença e ausência de efeito eletroviscoso primário. As viscosidades intrínsecas foram determinadas através do método de Solomon-Ciuta.3 Os parâmetros lo e ho da equação (1) foram obtidos experimentalmente, e o raio a assumido para as micelas de CTAB, de 2,6 nm, foi calculado a partir da soma do comprimento máximo da cadeia apolar do surfactante (lc = 1,5 + 1,265 n, onde n é o número de átomos de carbonos da cadeia) com o diâmetro de Stokes do tetrametilamônio (0,41 nm).

Figura 1. (a) Viscosidades relativas de soluções 69 mmol.L-1 de CTAB em função da concentração de NaBr. A curva descrita pela linha cheia foi obtida através da equação de Booth, empregando os potenciais zeta estimados. (b) Efeito da força iônica do meio no potencial zeta estimado para as micelas de CTAB.

Em ausência de NaBr, o potencial zeta estimado para as micelas de CTAB, com 2,6 nm de raio, foi de 139,6 mV, valor bastante próximo ao do potencial superficial de 141 mV, determinado por solvatocromismo de um indicador ácido-base, para micelas presentes numa solução 50 mmol.L-1 deste surfactante.4 A Figura 1(b) mostra que o potencial zeta das micelas diminui com a diminuição da espessura da dupla camada elétrica das mesmas, devido ao aumento da força iônica do meio, em concordância com dados experimentais já publicados.2, 5 É importante destacar que os potenciais estimados a partir desta metodologia são sensíveis ao raio atribuído para as micelas, aumentando a medida em que este último aumenta.

Através de simples medidas de viscosidade e da análise do efeito eletroviscoso primário, é possível estimar o potencial zeta de micelas iônicas. A determinação deste parâmetro é importante para a aplicação e compreensão da participação de micelas iônicas em processos de relevância tecnológica, como catálise, adsorção de poluentes iônicos e ultrafiltração.


[1] Booth, F..Proc. Roy. Soc. A, 1950, 203, 533.

[2]Stigter, D.. J. Colloid Interface Sci., 1967, 23, 379.

[3] Rabeck, J. F.. Experimental methods in polymer chemistry. John Wiley & Sons, New York, 1980.

[4] Drummond, C. J.; Grieser, F.; Healy, T. W.. Faraday Discuss. Chem. Soc., 1986, 81, 95.

[5] Johnson, S. B.; Drummond, C. J.; Scales, P. J.; Nishimura, S.. Langmuir, 1995, 11, 2367.

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