HISTÓRIA DA TERMODINÂMICA QUÍMICA (II): O TRABALHO DE FAVRE SOBRE A TERMODINÂMICA DAS PILHAS ELÉTRICAS.
Aécio Pereira Chagas (PQ)
Instituto de Química, Universidade Estadual de Campinas
palavras-chave: História da Termodinâmica Química, pilhas elétricas, calorimetria.
Introdução e Objetivo:
Pode-se considerar o início da estruturação teórica da Termodinâmica em 1850, com os trabalhos de William Thomson (Lord Kelvin, 1824-1907) e de Rudolf Clausius (1822-1888), principalmente. Os sistemas tratados envolviam principalmente máquinas térmicas, onde havia mudanças de fase envolvendo líquidos, vapores e gases. Da mesmo modo, o início da Termodinâmica Química, entendida como a aplicação da Termodinâmica à resolução de problemas químicos, pode ser atribuído, principalmente, aos trabalhos de J. Willard Gibbs (1839-1903) e Jacobus Henricus vant Hoff (1852-1911), a partir de 1876.
Nos 25 anos que se seguiram a 1850, vários pesquisadores perguntaram se a Segunda Lei da Termodinâmica seria válida para sistemas em que houvesse reações químicas. Dos diversos trabalhos realizados, que vieram mostrar a validade desta Lei nesses sistemas, destacamos o trabalho realizado por Pierre-Antoine Favre, Professor de Química na Faculdade de Ciências de Marselha (França), no período de 1855 a 1874, [1,2].
O Trabalho de Favre
O interesse de Favre era estudar as pilhas elétricas visando sua melhoria.[3] Seu método experimental consistia em colocar os diversos elementos de um circuito elétrico (pilha, voltâmetro e resistor), juntos ou separados, em um calorímetro e determinar o calor desprendido e absorvido pelos mesmos, realizando um balanço energético As entalpias de reação (DrH) envolvidas (calor de reação) eram determinadas em experimentos separados. Favre utiliza muito o par de Smee, ou seja, a célula eletroquímica que pode ser representada como: Cu/Pt/H2SO4(aq)// H2SO4(aq)/Zn(Hg)/Pt (// = placa porosa), onde ocorre a reação: Zn(Hg, s) + H2SO4(aq) = ZnSO4(aq) + H2(g), pela facilidade de medir a ação química (extensão da reação) através da medida do volume de hidrogênio desprendido.Alguns dos resultados obtidos por Favre podem ser assim resumidos: (1) O calor desprendido por uma pilha ligada a um resistor (fio de Pt) é constante, independentemente o valor da resistência elétrica e é igual à variação da entalpia da reação. Colocando-se no calorímetro apenas a pilha, o calor desprendido diminui com o aumento da resistência elétrica. (2) Pilhas montadas em série (baterias) equivalem, calorimetricamente, a um pilha única. (3) Em um experimento [2(b)], Favre coloca cinco pares de Smee em série com um voltâmetro de água (os voltâmetros são hoje denominados coulômetros). Mede o calor desprendido por todos os componentes e depois o calor desprendido somente pelos pares de Smee. Encontra respectivamente 93.305 e 58.845 cal (temperatura e pressão constantes), O calor de decomposição da água é 34.460 cal. Dividindo estes valores por cinco, obtém-se para um par de Smee: calor desprendido (pilha e voltâmetro )(q1) = 18.661 cal, somente pilha (q2),11.769 cal, calor absorvido para a decomposição da água (q3), 6.892 cal. O calor da reação do par de Smee (q4) é igual a 18.769 cal. (4) Favre observa que não é possível obter uma quantidade de calor transmissível ao circuito ou energia voltaica além de um certo valor. Há sempre um calor desprendido na pilha em cerca de um quinto do total.
A Análise de Gibbs
A análise e as importantes conclusões sobre os experimentos de Favre foram feitas por Gibbs e publicadas em 1876 [4]. Utilizando-se a notação atual [5], Gibbs considera, para uma célula eletroquímica perfeita (i), a temperatura (T) e pressão constantes: DrG + TDrS = DrH, sendo DrG = (E E)Q (E=potencial elétrico, Q=carga elétrica, G=energia de Gibbs, S=entropia). Como DrS(i) = 0 para a célula perfeita e DrS(r) > 0 para uma célula real (r), tem-se então: DrG(r) + TDrS(r) = DrH(r) £ DrH(i). Substituindo-se nesta última expressão os termos de Favre: (q3) + (q2) = (q1) £ (q4), e a seguir os valores obtidos: 6.892 cal + 11.769 cal = 18.661 cal £ 18.796 cal.
Discussão e Conclusão:
Os dados de Favre são essencialmente calorimétricos, baseados na Primeira Lei apenas, e Gibbs reconhece neles a base experimental da teoria que desenvolve, onde a Primeira e a Segunda Leis da Termodinâmica são combinadas e estendidas . Como já apresentado anteriormente, a Segunda Lei apóia-se na Primeira [6]. Favre, como Hortsmann [1], não estava também preocupado com a teoria da Termodinâmica. O desenvolvimento da lógica da Termodinâmica foi feita por outros, dentre os quais, e principalmente por, Gibbs.
Referências Bibliográficas:
[1] A parte I foi apresentada na comunicação: A. P. Chagas, Ralf Giesse, História da Termodinâmica Química: o artigo Pressão de Vapor e Calor de Vaporização do Sal Amoníaco, de A. Horstmann, 22a. Reunião Anual da SBQ, Poços de Caldas, MG, 1999, HQ-05.
[2] Favre, P. A.; C. R. Acad. Sci. (a) 1853, 36, 342; (b) 1854, 39, 1212; (c) 1858, 46, 661;(d) 1869, 68, 1300; (e) 1869, 69, 37; (f) 1871, 736, 971.
[3] Medard, L.; Tachore, H; Histoire de la Termochemie; Publications de lUniversité de Provence (1994).
[4] Gibbs, J. W.; The Collected Works, Vol. ! (Thermodynamics), Longmans, Green and Co., New York, 1931, p. 338.
[5] Ver por exemplo: Chagas, A. P.; Termodinâmica Química, Editora da Unicamp, Campinas, 1999.
[6] Simoni, J. de A.; Chagas, A. P.; Um Teste de Consistência Interna Entre a Primeira e a Segunda Lei da Termodinâmica, 21a Reunião Anual da SBQ, Poços de Caldas, MG, 1998, ED-055.