SOBRE A PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA

Ney Henrique Moreira (IC)

Adalberto Bono Maurizio Sacchi Bassi (PQ)

Departamento de físico-química / Instituto de Química / UNICAMP

Palavras-chave: Termodinâmica Racional, Primeira Lei, Termodinâmica Temporal


Introdução: Por razões históricas1, tende-se a usar lógica matemática rigorosa somente no tratamento estatístico da Termodinâmica. Modelos microscópicos que , ao serem tratados estatisticamente, confirmem as leis clássicas, são extremamente úteis para a compreensão da estrutura da matéria e da ligação entre os mundos micro e macroscópico2,3. Absolutamente não deveriam ser, porém, necessários para o exato entendimento da teoria macroscópica em si, por que já foi demonstrado que é perfeitamente possível construir tal teoria de forma absolutamente inequívoca4, 5, 6.


Objetivo: Pretende-se criticar a apresentação tradicional da primeira lei e sugerir a alternativa oferecida pela atual Termodinâmica Temporal. O mesmo pode ser feito em relação à segunda lei e também a todo o embasamento da Termodinâmica Química, sem alterar em nada as já bem estabelecidas e úteis aplicações práticas desta última, pelo contrário, potencialmente ampliando-as.


Crítica: Em livros de físico-química, é usual encontrar a equação,


DU = Q + W , ( 1 )


que não fornecesse nenhuma informação ou restrição sobre os estados intermediários do processo, sendo por isso verdadeira tanto para reversíveis quanto para irreversíveis. Embora limitada, esta definição não apresenta inconsistências matemáticas. Porém, é muito comum encontrar a equação ( 1 ) indevidamente extrapolada para a suposta equação diferencial,


dU = dQ + dW , ( 2 )


onde a letra d antes de Q e de W, mas nunca antes de U, é algumas vezes substituída por outros símbolos, ou simplesmente é retirada. Em todos os casos o contexto indica que dois intervalos são obrigatoriamente finitos ( é matematicamente irrelevante informar se são ou não pequenos, qualquer que seja o referencial de comparação, aliás, este último jamais é revelado ), sendo isto claramente explicitado em um conceituado texto7. Isto, evidentemente, indica que não se trata de uma equação diferencial, mas sim de uma repetição, inadequadamente grafada, da equação ( 1 ). Equívoco semelhante acontece com a chamada desigualdade de Clausius,

dQ £ TdS, ( 3 )

que substituída na equação ( 2 ), para processo reversível com trabalho puramente expansivo, fornece

dU = TdS – PdV. ( 4 )


Como a função U = us,v ( S, V ) realmente existe, a equação ( 4 ), embora deduzida erroneamente, é correta e é uma equação diferencial exata, o que casualmente salva a apresentação tradicional do naufrágio.


Método : Seja X = xq ( Q ) uma função temporal cuja derivada é X´ = x´q ( Q ). Sugere-se que a maneira correta de obter a equação ( 2 ) seja através da igualdade

q ( Q ) = q´q ( Q ) + w´q ( Q ). ( 5 )


Resultado : Considerando-se nulo o calor e o trabalho iniciais, por integração temporal a equação ( 5 ) produz ( 1 ). Através da multiplicação por dQ, a equação ( 5 ) produz a ( 2 ).

Conclusão : A correção na apresentação matemática da primeira lei, que pode ser analogamente aplicada à desigualdade de Clausius, justifica a equação ( 4 ), mesmo se não existisse a função U = us,v ( S, V ), ao mesmo tempo que corrige um gritante ilogismo que, incrivelmente, persiste nos livros de texto tradicionais ( não é a por acaso que alguns autores defendem que excesso de matemática atrapalha a termodinâmica ). Entretanto, é insuficiente para compreensão do conceito de energia interna, porque prescinde da existência de us,v.


Referências :

1 - C. A. Truesdell. The Tragicomical History of Thermodynamics: 1822-1854, volume 4 de Studies in the History of Mathematics and Physical Sciences. Springer-Verlag, Nova Iorque, primeira edição, 1980.

2- C. A. Truesdell e R. G. Muncaster. Fundamentals of Maxwell’s Kinetic Theory of Simple Monoatomic Gas ¾ Treated as Branch os Rational Mechanics. Academic Press, Boston, primeira edição, 1980.

3 - I. Muller e T. Ruggeri. Rational Extended Thermodynamics, volume 37 de Springer Tracts in Natural Philosophy. Springer-Verlag, Nova Iorque, segunda edição, 1998.

4 - W. A. Day. The Thermodynamics of Simple Materials with Fading Memory. Springer-Verlag, Nova Iorque, primeira edição, 1972.

5 - D. R. Owen. A First Course in the Mathematical Foundations of Thermodynamics. Springer-Verlag, Nova Iorque, primeira edição, 1984.

6 - M. Silhavý. The Mechanics and Thermodynamics of Continuous Media. Springer-Verlag, Berlim, primeira edição, 1997.

7 - M. L. McGlashan. Chemical Thermodynamics. Academic Press, Londres, primeira edição, 1979.