ESPECIAÇÃO DE MERCÚRIO EM ÁGUAS NATURAIS:

TOXICIDADE AGUDA USANDO Escherichia Coli


Andrea Mendonça Pompei (IC) e Wilson de Figueiredo Jardim (PQ)


Departamento de Química Analítica - Instituto de Química

Universidade Estadual de Campinas


palavras-chave: mercúrio, especiação, toxicidade


Introdução: Embora a toxicidade de determinados metais para a vida aquática seja conhecida desde o século XVIII, apenas na década de 70 é que foi comprovada a existência de uma relação entre a toxicidade e a fração livre de metal em meio aquoso (Manahan e Smith,1973). No caso do mercúrio, as diferentes formas em que este metal pode se apresentar é que determinam sua toxicidade, sendo assim a sua especiação é de grande importância em estudos ecotoxicológicos. Em águas naturais, pode-se fazer a especiação do mercúrio de formas distintas, como no caso da especiação que diz respeito ao estado de oxidação em que o metal se encontra na água (Hg(0),Hg(I) e Hg(II)). Neste trabalho foi estudada a fração facilmente redutível do mercúrio, também conhecida como mercúrio reativo. Um metal fortemente complexado pode não ser biodisponível e, consequentemente, não apresentar toxicidade. Dessa forma, conclui-se que a concentração total de mercúrio não reflete sua real toxicidade, uma vez que os complexos lábeis, assim como o íon Hg2+ são muito tóxicos, é de grande importância quantificar estas espécies.


Objetivo: Desenvolver um procedimento experimental que permita avaliar a toxicidade do mercúrio em águas naturais, partindo-se da hipótese de que há uma relação entre a fração facilmente redutível do mercúrio e seu potencial tóxico em relação a bactéria Escherichia coli.


Método: Foram feitos três conjuntos de experimentos. Primeiramente, avaliou-se as interações do mercúrio em um meio de cultura contaminado com Hg2+ na concentração de 50 mg L-1 e contendo K2HPO4, KH2PO4, (NH4)2SO4, MgSO4.7H2O bem como diferentes combinações de glicose e citrato de sódio, com o pH ajustado em 7,2 com KOH. Buscou-se nesta etapa um testemunho das possíveis perdas de mercúrio, em relação ao início do experimento, devido a processos abióticos de redução com consequente transferência do metal para a atmosfera. Em uma segunda etapa avaliou-se a influência da concentração e da natureza do complexante na redução do Hg2+, tendo sido usados os complexantes EDTA, NTA, cisteína e ácido húmico. A determinação do mercúrio reativo nas amostras destes dois conjuntos de experimentos, mantidas à 37oC, foi feita durante 3 horas, utilizando-se o analisador de mercúrio por absorção atômica do vapor frio adaptado ao sistema FIA (Pasquini et alii 1988). Avaliou-se ainda a toxicidade aguda do mercúrio, usando-se EDTA, NTA, cisteína e ácido húmico como agentes complexantes. Os ensaios foram realizados medindo-se a inibição na respiração bacteriana de suspensões contendo E. coli mantidas a 37oC, durante 3 horas onde o CO2 foi quantificado em um sistema FIA/condutométrico (Jardim et alii 1990).


Resultados: No experimento em que foram avaliadas as interações do mercúrio no meio de cultura, observou-se perda de mercúrio por volatilização, após este ter interagido com a glicose. Quando o citrato foi usado, a redução dos íons Hg2+ foi inibida, o que pode ser explicado pelo fato do citrato agir como um complexante e o complexo formado ser menos passível de redução. No conjunto de experimentos em que foram testados diferentes agentes complexantes, verificou-se que estes formam complexos lábeis com o Hg2+, já que, tais complexos foram reduzidos pelo SnCl2. Nos ensaios de toxicidade foi mostrado que a toxicidade do mercúrio foi inibida quando foram usados cisteína, na proporção molar de 2:1 e 5:1 complexante/Hg2+ e ácido húmico na concentração de 1, 10 e 100 mg L-1. No entanto, esta inibição não ocorreu para os casos em que foram usados EDTA e NTA, o que pode ser explicado pelo fato de que os complexos formados com EDTA e NTA podem estar sendo metabolizados pela bactéria, isto é, podem ser considerados bio-assimiláveis, dessa forma, o mercúrio passa a ficar biodisponível e a bactéria tem seu crescimento inibido.


Conclusões: Analisando os resultados obtidos para esta etapa do trabalho, verificou-se que o procedimento utilizado para a determinação do mercúrio redutível pelo SnCl2 não pode ser usado para avaliar a toxicidade do metal. Quando foi feita a determinação do mercúrio usando-se os diferentes agentes complexantes, todos os complexos formados foram reduzidos pelo SnCl2, gerando valores de concentração total de mercúrio presente nas amostras. Em relação aos ensaios de toxicidade aguda que foram realizados, para os casos em que foram usados EDTA e NTA, a toxicidade do mercúrio não foi inibida. Já na presença de ácido húmico e cisteína, esta inibição ocorreu. Dessa forma, ficou claro que o potencial tóxico do mercúrio depende da natureza do ligante no meio aquoso. Portanto, o procedimento usado atualmente para a determinação de mercúrio reativo fornece uma informação analítica operacional sobre a composição da amostra, não mostrando nenhuma relação com a questão ecotoxicológica, já que tal prática não infere o potencial tóxico do metal.


Referências:

JARDIM, W.S., Gimenez, S.M.N., Canela, M.C. e Moraes, S.G. (1993) Acute toxicity of Hgo and Hg2+ ions to Escherichia coli. Chem. Spec. and Bioav., 5, 97-100.

PASQUINI, C., Jardim, W.F. e Faria L.C. (1988) Adaptation of a cold vapor mercury analyser to flow injection analysis. J. Automat. Chem., 10, 188-191.




FAPESP (99/02212-6)