A PRODUÇÃO ARTESANAL DE TIJOLOS: UM SABER PATRIMONIAL ESTUDADO NAS AULAS DE CIÊNCIAS DE UMA SALA MULTISSERIADA
Alexsandro de Souza Gomes (IC) e Paulo César Pinheiro (PQ)
Palavras-chave: fabrico artesanal de tijolos, ensino de química, séries iniciais
Introdução: O presente estudo trata do resgate de um traço cultural e da incorporação do mesmo no ensino de ciências e de química. O processo artesanal de fabrico de tijolos foi investigado na região de São João del-Rei e arredores (MG), e estudado nas aulas de ciências de uma sala multisseriada no ensino fundamental (primeira a quarta séries). O trabalho teve como referência um estudo anterior envolvendo a tecnologia popular de fabrico do sabão de cinzas1,2 .
Objetivos: a) Resgatar os saberes envolvidos na produção artesanal de tijolos; b) elucidar os conteúdos científicos presentes; c) sistematizar esses conteúdos para a sala de aula; e d) elaborar materiais didáticos.
Métodos: Investigou-se uma olaria de tijolos, tendo-se observado outras três na região. Elaborou-se a etnografia do processo a partir dos resultados da aplicação de guias de entrevistas, de dados coletados sobre os materiais da olaria e de documentação por filmagem. Os conteúdos pertinentes foram pesquisados merecendo destacar CHAGAS3 e CHITI4 em relação às argilas e cerâmicas. Alguns estudos foram realizados em laboratório: caracterização organoléptica, calcinação, determinação do pH e da densidade de argilas e de suas misturas, conforme observadas na olaria. O fabrico artesanal de tijolos foi reproduzido e os seguintes materiais didáticos foram elaborados e testados: a pipa - uma máquina rústica movida a tração animal usada para homogeneização das argilas - foi confeccionada em madeira com dimensão sete vezes inferior à da olaria, e também com sucata; uma fôrma de madeira para produção de 60 tijolos em tamanho reduzido (5 x 4 x 3 cm); um forno para queima de pequenos objetos, utilizando uma lata de 20 litros com aberturas laterais e serragem; uma balança de madeira com um kit de saquinhos de areia de massas variadas (50 g a 1 kg); e textos voltados para atividades em sala de aula com os alunos.
O trabalho foi realizado na Escola Municipal Eduardo Ávila, devido a sua localização próxima à olaria investigada. Um projeto de ensino contendo objetivos, propostas de atividades, conteúdos e materiais, foi acordado com a professora da turma e a supervisora pedagógica. As atividades em sala de aula foram desenvolvidas durante dois meses letivos com dois encontros semanais. Dos 15 alunos envolvidos seis estavam na primeira série, quatro na segunda, três na terceira e dois na quarta série. As atividades foram desenvolvidas com algumas diferenciações por série pelo fato da escola funcionar no sistema de sala multisseriada. Uma seqüência de blocos de atividades foi desenvolvida tendo como material de partida o tijolo: CARACTERÍSTICAS FÍSICAS (forma, tamanho, resistência e massa); MODO ARTESANAL DE FABRICAÇÃO (a olaria, o oleiro, materiais e equipamentos), COMPOSIÇÃO (as argilas), FABRICO NA ESCOLA (misturas, frações e combustão) e USOS (construção civil e cerâmicas). As atividades envolveram estudo e elaboração de textos e desenhos, realização de experimentos, estudos no ambiente natural e na olaria, debates, jogos e brincadeiras. Os alunos registraram as aulas em um caderno especial. Uma avaliação implementada reforçou o uso dos orgãos dos sentidos pelos alunos através de observações orientadas e comparativas entre diferentes materiais, incluindo tijolos. Uma outra avaliação verificou a aquisição dos conteúdos estudados (diferenciada por série). A professora e a supervisora avaliaram o trabalho realizado através de um questionário.
Resultados: O conhecimento do oleiro investigado revelou-se como um saber transmitido ao longo de gerações. As explicações dadas para muitos fenômenos apoiam-se na experiência de vida pessoal e no senso comum. Há uma linguagem própria com termos específicos e comuns aos oleiros da região.
As atividades na escola se desenvolveram a contento e os materiais didáticos elaborados foram utilizados satisfatoriamente pelos alunos. Esses materiais podem ser confeccionados e simplificados a partir de iniciativa dos próprios professores nas escolas. Um texto para divulgação do trabalho na região está sendo elaborado.
Conclusões: O fabrico artesanal de tijolos foi resgatado e valorizado pela escola, constituindo-se uma referência cultural para o ensino de ciências e de química na região. O desenvolvimento de conteúdos de matemática, física, geologia, língua portuguesa, artes e geografia é pertinente. O fato da turma ser multisseriada possibilitou a constatação de que o desenvolvimento do tema é mais adequado a partir da 3a série (dificuldades com escrita e leitura já superadas). O conhecimento acadêmico desempenhou um papel importante como intermediário na compreensão do conhecimento popular e na conversão do mesmo em conhecimento escolar.
Bibliografia:
1 FELÍCIO, E. de C. A. e PINHEIRO, P. C. Sobre uma atividade com o sabão
de cinzas na escola de 1° grau. Livro de Resumos da 40a Reunião Anual
da SBPC. São Paulo, 1988, p. 594.
2 PINHEIRO, P. C. A Educação química no resgate de saberes populares: uma
metodologia em estudo. Caderno de Resumos do VIII Encontro Nacional
de Ensino de química. Campo Grande, 1996, p. 147-148.
3 CHAGAS, A. P. Argilas: as essências da terra. São Paulo: Moderna, 1996. 54 p.
4 CHITI, J. F. Curso prático de cerâmica. 6. ed. Buenos Aires: Condorhuasi, 1990.
285p. p. 10-48.
¾¾¾. Diccionário de Cerâmica. Buenos Aires: Condorhuasi, 1985. p. 53-60, 151, 152
¾¾¾. Cerâmica para niños. 3.ed. Buenos Aires: Condorhuasi, 1986, 56p.