ESTUDO ESPECTROSCÓPICO DA ESQUARAÍNA OBTIDA DA REAÇÃO ENTRE RESORCINOL E ÁCIDO ESQUÁRICO
Régis de Almeida Farani (IC) e Luiz Fernando Cappa de Oliveira* (PQ)
Departamento de Química - Instituto de Ciências Exatas
Universidade Federal de Juiz de Fora
* endereço eletrônico: pimenta@quimica.ufjf.br
Palavras-chave: esquaraínas; espectroscopia eletrônica; espectroscopia molecular
Ácido esquárico, a forma diprotonada do ânion esquarato, pertencente à família dos oxocarbonos, tem sido investigado nos últimos anos do ponto de vista reacional em virtude da possibilidade de o mesmo formar compostos de adição com bases fortes, dando origem às chamadas esquaraínas, cujas principais características referem-se ao potencial uso como compostos geradores de segunda harmônica [1]. Neste trabalho apresentamos a descrição das propriedades espectroscópicas (espectroscopias eletrônica e molecular) da esquaraína derivada da reação entre ácido esquárico e resorcinol, cujo composto formado, apesar de ter sido o primeiro caso descrito na literatura [2], não foi estudado pelos autores. A reação de condensação leva à perda de duas moléculas de água por parte dos reagentes, e deve necessariamente ser efetuada em meio isento de água.
A reação de condensação entre ácido esquárico e resorcinol, na proporção estequiométrica de 1:2 (em moles), foi aquecida à ebulição em butanol isento de água por 6 horas, em sistema de refluxo [2]. O sólido formado, de coloração vermelho intensa, foi filtrado e recristalizado em metanol a quente. Os espectros eletrônicos foram obtidos em um espectrofotômetro Shimadzu UVPC1601, de soluções em metanol, butanol, acetato de etila e acetona. Os espectros no infravermelho foram obtidos em um espectrômetro Bomen FTIR MB102, na região de 4000 a 400 cm-1, em pastilhas de KBr. Os espectros Raman das substâncias puras foram obtidos em um espectrômetro Renishaw Raman Imaging 3000, excitados com a radiação 632,8 nm de um laser de He-Ne da Spectra Physics. O espectro Raman de solução em metanol (10-5 M) foi obtido em um espectrômetro Jobin-Yvon U-1000 duplo monocromador equipado com fotomultiplicadora, excitado com a linha 457,9 nm de um laser de íons Ar+ da Coherent modelo 200.
Os espectros eletrônicos da esquaraína formada mostram uma dependência acentuada da transição eletrônica com o tipo de solvente utilizado. Em solventes mais polares, como metanol, a banda apresenta-se mais larga, com máximo em 534 nm, e um ombro na região de maior energia, em ca. 514 nm, sendo este o padrão observado na literatura para outras esquaraínas similares [1]. Em solventes menos polares, como acetato de etila, a banda apresenta-se mais fina, e deslocada para região de menor energia, em 570 nm. Pode-se atribuir esta transição a um processo de transferência de carga interna do tipo doador-aceptor, com valor de absortividade molar da ordem de 1,3x105. Cabe lembrar que tanto resorcinol quanto o ácido esquárico dão origem a íons com acentuada deslocalização eletrônica, e por consequência o produto de reação entre as duas espécies deve também apresentar tal propriedade.
Os espectros vibracionais no infravermelho mostram que, na região de estiramento O-H, há um um alargamento e um deslocamento da banda para maior número de onda no produto de condensação quando comparado com as espécies isoladas, denotando um enfraquecimento da ligação de hidrogênio, possivelmente existente nas espécies puras. Nota-se também que a banda de estiramento da carbonila, típica do ácido esquárico, sofre um deslocamento de ca. 5 cm-1 para região de menor número de onda, muito pequeno quando comparado com os deslocamentos sofridos por efeito de coordenação [3]. A banda observada em 1611 cm-1 no espectro do resorcinol, e atribuído ao modo de anel, pode ser atribuído à banda em 1570 cm-1, em virtude da substituição tripla no anel aromático, que diminue a força da interação no anel aromático. De um modo geral, entretanto, o espectro infravermelho não fornece fortes subsídios para a investigação estrutural do produto de condensação. Foram obtidos os espectros Raman com excitação no vermelho, mas devido à forte emissão de fluorescência por parte do produto de reação poucas bandas vibracionais puderam ser observadas. Entretanto, os modos vibracionais típicos da família dos oxocarbonos, referentes à respiração de anel e deformação simétrica no plano das carbonilas, observadas em 632 e 735 cm-1 respectivamente no ácido esquárico, sofreram deslocamento para 595 e 723 cm-1 no produto de condensação. Estes deslocamentos podem ser discutidos com base na interação entre as espécies no produto de condensação, uma vez que os dois modos vibracionais do ácido esquárico, na estrutura do produto de condensação, estão mais impedidos em virtude da substituição de átomos de oxigênio por espécies fenólicas. O espectro Raman da solução metanólica do produto, obtido em condição de pré-ressonância, excitado em 457,9 nm, mostra a intensificação de alguns modos vibracionais, principalmente os referentes ao resorcinol. Também mostra intensificação a banda em 1733 cm-1, atribuída ao estiramento de carbonila do ácido esquárico. Estes dados denotam um efeito de deslocalização eletrônica mais acentuada na estrutura do composto referente aos anéis de resorcinol, em detrimento do ácido esquárico.
Os dados espectroscópicos obtidos mostram que o produto da reação de condensação entre ácido esquárico e resorcinol apresenta um efeito pronunciado de transferência de carga, provavelmente intramolecular, com uma transição do tipo doador-aceptor cujo valor de absortividde molar é altíssimo. Os dados de espectroscopia vibracional indicam a existência de uma forte interação do tipo ligação de hidrogênio na estrutura do produto de reação, e uma deslocalização eletrônica acentuada na estrutura do produto.
[1] A.H. Schmidt, Synthesis, 6 (1980) 961.
[2] A. Treibs e K. Jacob, Angew. Chem. Internat. Ed. 4 (1965) 694.
[3] L.F.C. de Oliveira e P.S. Santos, J. Mol. Struct., 269 (1992) 85.
FAPEMIG, CNPq, LEM-USP