DINÂMICA MOLECULAR DE LÍQUIDOS IÔNICOS POLIATÔMICOS COM MODELO POLARIZÁVEL DE CARGAS FLUTUANTES


Mauro Carlos Costa Ribeiro (PQ)

Laboratório de Espectroscopia Molecular

Instituto de Química, Universidade de São Paulo


palavras-chave: dinâmica molecular, líquidos iônicos, modelos polarizáveis


I. Introdução.


Um dos modelos polarizáveis mais utilizado em dinâmica molecular (MD) de sistemas iônicos é o chamado shell-model, onde os efeitos de polarização são implementados pela inclusão de uma esfera carregada em torno dos íons, a qual é ligada aos mesmos por uma constante de força.1 Madden e colaboradores desenvolveram modelos onde os efeitos de muitos-corpos são incluídos por meio de multipolos considerados como graus de liberdade adicionais, os quais são atualizados junto com as coordenadas dos íons em cada instante da simulação.1 Neste trabalho, desenvolvemos o modelo polarizável de cargas flutuantes (FC), proposto por Rick et al.2 para simulação de água, para simulação de sistemas iônicos poliatômicos. No modelo FC, as próprias cargas parciais utilizadas usualmente para representar as interações eletrostáticas são os graus de liberdade adicionais.

O modelo foi aplicado ao sistema 3KNO3.2Ca(NO3)2 (CKN). O líquido CKN é um precursor de vidro (Tg » 350 K) bem conhecido, sendo um sistema modelo para teorias da transição vítrea.3 CKN é o arquétipo do líquido “frágil”, isto é, um líquido cuja dependência entre viscosidade e temperatura desvia de um comportamento do tipo Arrhenius em torno da Tg. (SiO2 é o arquétipo dos líquidos “fortes”). Neste trabalho, o modelo não-polarizável (RIM, rigid ion model) para CKN desenvolvido previamente por Signorini et al.4 foi complementado com efeitos de polarização de acordo com o modelo de cargas flutuantes. Mostramos que o modelo FC resulta em modificações significativas na estrutura e dinâmica do líquido.


II. Métodos.

CKN líquido foi simulado a 2000, 800, 550 e 450 K. O sistema contém 501 íons (292 NO3-, 83 Ca2+ e 126 K+) em um ensemble NVE. A equação de movimento que determina a evolução das cargas parciais no ânion NO3- é obtida do chamado método de equalização da eletronegatividade (EEM).2 Os cátions são considerados não-polarizáveis. Algoritmos do tipo leapfrog foram utilizados para a integração das equações de movimento das cargas e dos graus de liberdade translacionais.5 O íon nitrato foi considerado como um corpo rígido. O método de soma de Ewalds foi utilizado para o cálculo das interações eletrostáticas.5 As simulações foram efetuadas com Dt = 5,0 e 1,0 fs para os modelos RIM e FC, respectivamente, por tipicamente 250,0 ps.

III. Resultados e Discussão.


A função de distribuição radial parcial gCaCa(r) mostra uma população de pares de íons cálcio separados por » 4,0 Å desde que polarização seja incluída na simulação. As estruturas dos clusters estabilizados pela polarização do ânion são identificadas, onde a aproximação dos íons cálcios é favorecida pelo fato de átomos de oxigênio direcionados entre os cátions adquirirem cargas parciais (negativas) maiores. O fator de estrutura parcial SCaCa(k) apresenta o chamado pré-pico (ou first sharp diffraction peak, FSDP) observado experimentalmente em k » 0,8 Å-1, desde que polarização seja incluída na simulação. Portanto, além da ordem de curto alcance dada pelo pico principal, existe uma ordem de extensão espacial intermediária (IRO, intermediate range order) dada pelo pré-pico, a qual é típica de sistemas precursores de vidro.3

A inclusão de polarização aumenta os coeficientes de difusão em relação ao modelo RIM, o que deve ser considerado como uma melhoria em relação ao modelo original uma vez que Signorini et al.4 argumentam que o seu modelo RIM apresenta uma mobilidade iônica baixa. Coerente com uma atenuação (softening) das interações devido à inclusão da polarização, observa-se que as funções de correlação de velocidade calculadas com o modelo FC apresentam menos caráter oscilatório do que o modelo RIM. A difusão rotacional é também influenciada pela polarização, pois as funções de correlação reorientacional decaem em tempo menor com o modelo FC. Os efeitos de polarização sobre a dinâmica translacional e reorientacional são observados nas funções de van Hove correspondentes. Várias propriedades dinâmicas coletivas foram calculadas. A função de espalhamento intermediária (intermediate scattering function, F(k,t))6 foi obtida para vários vetores-de-onda. Estas funções mostram que a flutuação de densidade em valores de k na região do pré-pico decaem lentamente, indicando a presença de uma dinâmica IRO.3 Os espectros de modos acústicos longitudinais (LA) e transversos (TA), e modos ópticos longitudinais (LO) e transversos (TO), foram obtidos pela transformada de Fourier das funções de correlação de corrente correspondentes.6 Os espectros LA e TA mostram uma relação de dispersão linear até k » 1,0 Å-1. Como consequência do softnening das interações iônicas devido à polarização, os espectros LO e TO deslocam-se para menor frequência com o modelo FC em relação ao modelo RIM.


IV. Referências.


  1. P. A. Madden, M. Wilson, Chem. Soc. Rev. 25, 339 (1996).

  2. S. W. Rick, S. J. Stuart, B. J. Berne, J. Chem. Phys. 101, 6141 (1994).

  3. Ver o volume especial: J. Phys.: Condens. Matter 11(10A), (1999).

  4. G. F. Signorini, J.-L. Barrat, M. L. Klein, J. Chem. Phys. 92, 1294 (1990).

  5. M. P. Allen, D. J. Tildesley, Computer Simulation of Liquids (Oxford, 1987).

  6. J. P. Hansen, I. R. McDonald, Theory of Simple Liquids (Academic, 1990).


FAPESP