DINÂMICA DE SOLUÇÕES DE GLIADINA EM DMSO POR RESSONÂNCIA MAGNÉTICA NUCLEAR DE BAIXO CAMPO E REOLOGIA
Wagner T. Lamas (IC) e Elizabeth P. G. Arêas (PQ)
Departamento de Química Fundamental, Instituto de Química, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP
A gliadina constitue um complexo supramolecular proteico, isolado do gluten do trigo1, de papel relevante no comportamento viscoelástico característico apresentado por esse importante sistema de reserva vegetal, em diversas de suas aplicações tecnológicas. As propriedades viscoelásticas do gluten são conhecidas e utilizadas empiricamente desde tempos imemoriais e representam a base de vasta aplicação tecnológica em processos envolvendo alimentos, através da história. Em tempos mais recentes, a aplicação do gluten e de seus constituintes, como a gliadina, encontra usos mais sofisticados, como na preparação de nanopartículas para liberação controlada de drogas, em películas comestíveis na confecção de embalagens, entre outros, para os quais a necessidade de uma melhor compreensão de suas peculiares propriedades físico-químicas, tais como viscoelasticidade, porosidade, resistência mecânica é bastante clara 2,3.
A gliadina consiste de um conjunto de unidades monoméricas polipeptídicas arranjadas numa supraestrutura auto-associada por ligações não covalentes, de peso molecular na faixa de 40 a 60 kDa. Um importante aspecto estrutural da gliadina é sua composição de aminoácidos, representada majoritariamente por apenas três resíduos de aminoácidos (glutamina, prolina e fenilalanina), que se organizam num motivo octapeptídico característico, repetitivo ao longo da molécula. Assim como as diversas frações proteicas do gluten, as gliadinas constituem sistemas proteicos complexos, insolúveis em meio aquoso, não globulares e altamente associados, com comportamento portanto marcadamente distinto daquele usualmente observado para sistemas de proteínas globulares. Sob um ponto de vista puramente acadêmico, tais sistemas constituem modelos muito interessantes para o estudo de enovelamento macromolecular4, assim como de eventos de auto-associação e de sua relação com solvatação, comportamento não-newtoniano de fluxo e propriedades coloidais.
Neste trabalho, estudos sobre a dinâmica de gliadina em meio orgânico (dimetilsulfóxido-d6) foram desenvolvidos através do uso da técnica de ressonância magnética nuclear de proton de baixo campo. A amostra mostrou-se perfeitamente solúvel nesse solvente, gerando um fluido viscoso transparente de comportamento pseudoplástico, conforme revelado em experimentos reológicos rotacionais. Dependência temporal dos valores de viscosidade aparente a uma mesma taxa de cisalhamento foi observada. O equipamento de ressonância magnética nuclear utilizado foi um espectrômetro Maran com gradiente de campo pulsado, operando em 23 MHz (0,54 Tesla), portanto em baixa resolução. Esta técnica investiga o sinal de ressonância de amostras complexas no domínio do tempo e permite em princípio que se identifiquem contribuições de populações com mobilidades distintas na amostra. Foram analisados os tempos de relaxação longitudinal ou spin-rede (T1) e de relaxação transversal ou spin-spin (T2)5. No primeiro caso, a sequência de pulsos empregada foi a de inversão-recuperação, que se constitue na repetição, a t crescentes, da seguinte sequência: p t p/2 aquisição. No segundo caso, a sequência de pulsos utilizada foi a CPMG, que elimina imperfeições no campo magnético gerado pelo imã, permitindo a observação do decaimento dos ecos (spins em fase). A sequência CPMG pode ser esquematicamente representada como a repetição, numa escala de t crescente, da sequência: p/2 t - p t aquisição. Foram também realizados experimentos de difusão, através da aplicação da sequência DIFF, utilizando gradiente de campo unidimensional com durações de pulso apropriadas, intercalados com pulsos de 900. A dependência dos parâmetros mencionados com a concentração em proteína das amostras e a temperatura foi investigada.
O tratamento dos dados de relaxação obtidos exigiu a aplicação de funções exponenciais múltiplas, revelando a ocorrência de pelo menos duas populações com relaxações distintas na amostra. Considerando-se a ocorrência de interassociações não covalentes na gliadina, é possível especular-se sobre o papel do dimetilsulfoxido como indutor de eventos de desagregação do sistema nativo e de sua subsequente reorganização em sub-populações com dinâmicas não idênticas. A resposta da gliadina ao meio na forma de dois conjuntos dinâmicos distintos sugere a ocorrência de estruturas em solução com diferentes graus de associação e com maior ou menor contato com o solvente, o que pode responder pela mobilidade característica observada em cada caso. Os resultados indicam que tais populações se reorganizam como função da temperatura. [FAPESP, CNPq]
Referências bibliográficas
1.Tatham, A. S. e Shewry, P. R. J. Cereal Sci. 22, 1, 1995.
2. Gonthard, N., Guilbert, S. D. E Cuq, J.-L. J. Food Sci. 58, 206, 1993.
3. Duclairoir, C., Nakache, E., Marchais, H., Orecchioni, A.-M. Colloid Polym. Sci. 276, 321, 1998.
4. Arêas, E. P.G. e Cassiano, M. M. Resumos da X Simpósio Brasileiro de Química Teórica, P-209, 1999.
5. Evans, J. N. S. Biomolecular NMR Spectroscopy, Oxford University Press Oxford, 1995.