Efeitos da albumina humana sobre algumas propriedades

biológicas de complexos de ródio (II)


Breno Pannia Espósito (PG)*, Elisabeth de Oliveira (PQ), Szulim Ber Zyngier** (PQ) e Renato Najjar (PQ)


Depto. de Química Fundamental, Instituto de Química. **Depto. de Farmacologia, Instituto de Ciências Biomédicas. Universidade de São Paulo <bpesposi@iq.usp.br>


palavras-chave: ródio (II), albumina, partição, antitumor


Complexos de ródio(II) têm sido estudados como alternativas aos quimioterápicos platínicos (cisplatina e carboplatina). As biodisponibilidades de quaisquer drogas dependerão, em grande escala, do tipo de interações que apresentem com a albumina de soro humana (HSA), a proteína plasmática mais abundante. A hipótese da HSA agir como um “depósito” para a lenta liberação de cisplatina já foi testada clinicamente [1]. Neste trabalho, as afinidades relativas dos complexos Rh2(ac)4, Rh2(pr)4, Rh2(but)4, Rh2(tfa)4 e Rh2(tfc)4 (ac = acetato, pr = propionato, but = butirato, tfa = trifluoroacetato e tfc = trifluoroacetamidato) pela HSA e células tumorais foram estudadas, bem como a atividade biológica in vivo dos compostos HSA:Rh2(tfc)4 e Rh2(tfc)4,


Experimental

Ligação de Rh2(ac)4 ao plasma: O complexo foi incubado por 0, 2 e 24 h com plasma total humano. As frações de albumina foram separadas com (NH­4)2SO (pureza eletroforética >95%). A concentração da HSA foi determinada pelo método de Lowry e o teor de Rh por ICP-AES.

Constantes de ligação: Dados espectrofotométricos anteriores [2] foram tratados pelo método de Stephanos [3] para a determinação das constantes de ligação (K).

Estudos de partição: As partições dos complexos de Rh para células de ascite de Ehrlich foram determinadas na presença e ausência de HSA. Soluções aquosas em triplicata dos complexos foram vortexadas contra uma suspensão de células e centrifugadas. A concentração de Rh no sobrenadante foi determinada por ICP-AES.

Atividade antitumor in vivo: Camundongos Balb-c portadores de ascite de Ehrlich foram tratados i.p. com duas doses Rh(tfc)4 e HSA:Rh2(tfc)4 (2:1) a fim de atingir a concentração final de 5,6 mmol/kg em Rh2(tfc)4. A significância das sobrevidas foi testada pelo método de Mantel-Haenszel [4]. HSA empregada: Grifols® (20%).


Resultados e Discussão

A HSA é um alvo sorológico dos complexos de ródio, ligando-os rapidamente em grande quantidade (Tab.1).

A afinidade dos alquilcarboxilatos de Rh à HSA, assumindo coordenação axial pelos resíduos de His [5], mostrou-se negativamente influenciada pela lipofilicidade dos complexos (Tab.2), um resultado contrário às determinações prévias para a interação desses compostos com His livre [6]. Isso evidencia a possibilidade da HSA estabelecer tanto ligações coordenadas como interações hidrofóbicas com os ligantes, e que, no caso do butirato de ródio (o complexo mais lipofílico da série), estas seriam mais importantes do que as primeiras. O efeito “endurecedor” promovido pelos ligantes trifluoroacetato no Rh2(tfa)4 explicaria o fato de que esse complexo altamente lipossolúvel também apresente K maior que o do butirato. Esse efeito aparentemente é perdido quando os ligantes trifluoroaceto são substituídos pelos análogos amidatos. Os valores de K são similares ao obtido para a interação cisplatina:HSA (852 M-1) [7], indicando que os complexos de Rh podem se ligar estavel mas reversivelmente com essa proteína.

Os testes de partição (Tab.3) indicam que a transferência dos complexos para a fase celular parecem depender diretamente das lipofilicidades. O complexo Rh2(tfa)4 apresentou comportamento análogo ao do acetato, embora sendo mais lipofílico. O amidato de ródio ligado à HSA parece difundir-se mais facilmente do que o complexo livre. Ambos os complexos fluorados poderiam estar sofrendo outros efeitos na membrana, que talvez explicassem essas anomalias.

O aumento das porcentagens de sobrevida dos camundongos tratados com Rh(tfc)4 e HSA:Rh2(tfc)4 (~ 60 e 30%, respectivamente) foram estatisticamente significativos (p < 0,01). Estes resultados, juntamente com as considerações relacionadas à afinidade dos complexos de ródio com HSA e/ou células, indicam que a albumina pode se constituir em um reservatório para as drogas estudadas, ligando-as na corrente sangüínea e transferindo-as lentamente para as células tumorais, por difusão passiva. Estes resultados não descartam a possibilidade de mecanismos de transporte ativo.

Tabela 1, Resultados do teste de ligação plasmática do Rh2(ac)4,

t incub

(h)

[HSA]

(mg.mL-1)

[Rh]

(mg.mL-1)

[Rh]/[HSA]

0

5,293

1,71 x 10-3

3,23 x 10-4

2

3,742

1,82 x 10-3

4,87 x 10-4

24

4,644

3,16 x 10-3

6,80 x 10-4


Tabela 2, Resultados de afinidade para a ligação de complexos de ródio(II) com a HSA.

Aduto

% extraída

n-octanol[2]

K /M-1

Rh2(ac)4-HSA

15,2

1683

Rh2(pr)4-HSA

31,9

1057

Rh2(but)4-HSA

95,6

500,5

Rh2(tfa)4-HSA

88,2

712,3

Rh2(tfc)4-HSA

80,2

214,1


Tabela 3, %Rh extraído por células de ascite de Ehrlich.

Complexo

livre

(2,68 x106 cél/mL)

ligado

(1,36 x106 cél/mL)

Rh2(ac)4

44,2

27,2

Rh2(pr)4

80,8

40,5

Rh2(but)4

~ 100,0

82,5

Rh2(tfa)4

44,9

24,4

Rh2(tfc)4

32,1

48,6


Agradecimentos: Prof. A.R. Souza (IQ-UFG); Dr. A. C. Magnanelli e Sra. Teresa Victorio (Fundação Pró-Sangue, Hemocentro de São Paulo).


[1] Holding, J.D. et al., Br. J. Clin. Pharmac. 1992, 32, 173-179.

[2] Espósito, B.P. et al., J. Inorg. Biochem. 1999, 75(1), 55-61.

[3] Stephanos, J.J.; J. Inorg. Biochem. 1996, 62, 155-169.

[4] Matthews, D.E.; Farewell, V.T.; Using and understanding medical statistics, Karger, 2a. ed, 1988.

[5] Dennis, A.M.; Howard, R.A.; Bear, J.L.; Inorg. Chim. Acta 1982, 66, L31-L34.

[6] Das, K.; Simmons, E.L.; Bear, J.L.; Inorg. Chem. 1977, 16(6), 1268-1271.

[7] Neault, J.F.; Tajmir-Riahi, H.A.; Biochim. Biophys. Acta 1998, 1384, 153-159.

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