PADRÕES DISCURSIVOS NAS INTERAÇÕES PROFESSOR-ALUNOS NAS AULAS DE QUÍMICA: INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS VERSUS INTERVENÇÕES DE CONTEÚDO
Eduardo Fleury Mortimer (PQ)
Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais
palavras-chave: padrões discursivos, linguagem, interações na sala de aula
Este trabalho faz parte de um programa de pesquisa sobre interações professor-aluno e aluno-aluno em salas de aula de Química do Ensino Médio. O programa tem por objetivo detectar padrões de interação estabelecidos em diferentes contextos e atividades nas aulas de química, de modo a fornecer material para reflexão dos professores participantes do Programa de Aperfeiçoamento e Formação Continuada de Professores de Química e Ciências de Minas Gerais FoCo.
A investigação apresentada neste trabalho baseia-se em instrumento analítico que denominamos fluxo do discurso (Mortimer & Scott, in press), desenvolvido para analisar as interações verbais produzidas em episódios de ensino-aprendizagem nas salas de aula, de modo a destacar o uso da linguagem como mediadora no desenvolvimento de significados entre professor e alunos. A análise procura evidenciar como temas conceituais e conteúdos são disponibilizados e desenvolvidos no plano intermental da sala de aula, usando uma linha de tempo contínua, onde os enunciados do(a) professor(a) e dos(as) alunos(as) são numerados na ordem em que foram produzidos e então categorizados.
A categorização permite dispor os enunciados, identificados por uma letra que indica quem os produziu (P, A1, A2, etc.), numa grade analítica, que é definida de acordo com 3 critérios básicos:
1) A relação entre os enunciados dos estudantes e os objetivos estabelecidos pelo professor. Nesse caso, cada enunciado do estudante pode estar ou não estar de acordo com os objetivos conceituais e de aprendizagem estabelecidos pelo professor. Para realizar esse tipo de análise o pesquisador precisa conhecer os objetivos de cada unidade ou atividade, que poderão ou não ter sido explicitados para toda a turma pelo professor.
2) A forma do enunciado, que neste caso é descrita em termos de 3 categorias: descrição, explicação e generalização. Uma descrição envolve enunciados sobre o que é diretamente observável. Normalmente ela faz uso de referentes presentes nos sistemas em discussão. Uma explicação envolve enunciados que fazem uso de algum mecanismo ou modelo que é aplicado a um fenômeno específico. Finalmente, uma generalização envolve o uso de descrições ou explicações que são independentes de um contexto específico.
3) Finalmente, para caracterizar o fluxo do discurso e da produção de significados na sala de aula, nós procuramos expandir os padrões I-R-F (iniciação por parte do professor, resposta por parte do aluno e feedback por parte do professor), normalmente usados para descrever a interação professor-aluno nas salas de aula, de modo a incluir elementos adicionais que melhor caracterizem esse fluxo. O principal foco desse terceiro critério é na forma das intervenções pedagógicas do professor, que têm por objetivo regular e guiar o discurso. Tentamos destacar, também, os enunciados dos estudantes que não podem ser classificados como respostas ao professor e que podem ter uma influência no fluxo de discurso. Para caracterizar a natureza das intervenções pedagógicas do professor, usamos um esquema pré-existente (Scott, 1998) que identifica 5 categorias: desenvolvimento da linha conceitual, por meio de procedimentos como seleção de idéias, repetição de idéias chaves, etc.; desenvolvimento da linha epistemológica; promoção de conhecimento compartilhado; verificação do entendimento por parte dos estudantes; e manutenção da narrativa.
Neste trabalho procuramos analisar dois episódios de ensino e aprendizagem ocorridos na mesma turma de uma professora, em dois momentos diferentes, de modo a caracterizar qual a frequência relativa, em cada contexto, de intervenções por parte da professora que são de natureza puramente pedagógica em relação aquelas que são intervenções de conteúdo, . As intervenções pedagógicas, como foi explicitado, apenas selecionam, repetem ou desenvolvem idéias ou temas que foram sugeridos pelos alunos. Essas intervenções são categorizadas de acordo com o critério 3 discutido acima. Já as intervenções de conteúdo, ao introduzirem novos temas ou conceitos, podem ser categorizadas como descrições, explicações ou generalizações, de acordo com o critério 2 discutido anteriormente.
Para caracterizar como a freqüência relativa de cada tipo de intervenção pode variar com o tipo de atividade ou de aula, procuramos analisar dois contextos diferentes: o primeiro consistiu na interação entre a professora e um grupo de alunos numa atividade em que os alunos deveriam aplicar um conceito já estudado a uma nova situação; o segundo consistiu na interação entre a professora e toda a classe durante uma atividade de fechamento de uma unidade. A freqüência relativa entre intervenções pedagógicas e intervenções de conteúdo é bem diferente nos dois contextos, com uma predominância de intervenções pedagógicas no primeiro caso e de intervenções de conteúdo no segundo.
Acreditamos que a habilidade, por parte do professor, de regular e guiar a produção de enunciados pelos alunos por meio de intervenções pedagógicas é importante para garantir uma participação mais ativa dos alunos nos processos de significação em sala de aula. A maioria dos professores que temos analisado tem dificuldades em manter a produção discursiva de seus alunos por meio desse tipo de intervenção. Esse professores normalmente limitam-se aos padrões de interação I-R-F que caracterizamos anteriormente.
A identificação de professores que apresentam diferentes freqüências relativas de intervenções pedagógicas em relação à intervenções de conteúdo, em diferentes contextos (por exemplo, introdução de novos conceitos, recapitulações, aplicação de conceitos já aprendidos a novas situações, etc.), e a análise desses diferentes padrões junto aos professores participantes de programas de formação continuada pode fornecer elementos para a reflexão e mudança nas práticas discursivas encontradas nas salas de aula de química.