DEGRADAÇÃO DE RESINAS AUTOMOTIVAS ACRILO/MELAMÍNICAS POR OVOS DE LIBÉLULA

 

Etelvino José Henriques Bechara (PQ) & Cassius Vinicius Stevani (PQ)

Departamento de Bioquímica - Instituto de Química - Universidade de São Paulo C.P. 26077 - 05599-970. São Paulo, SP

ebechara@iq.usp.br ou cvstevani@ig.com.br

 

palavras-chave: resina automotiva, degradação de polímero, libélula.

 

Introdução

            Indústrias automotivas estão cada vez mais interessadas em aprender como prolongar a vida útil de resinas automotivas de acabamento (“clearcoat”). Resinas acrilo/melamínicas são muito utilizadas, dada a resistência a danos físicos e a diversos agentes químicos, entretanto, apresentam baixa resistência a ácidos em geral. Enquanto a degradação química por chuva ácida é bem conhecida e tem sido sujeita a diversos estudos desde o começo dos anos 90, a degradação química por organismos vivos (exceto por escrementos de passáros) é um problema reconhecidamente novo. Dentro deste tipo de dano biológico, enquadra-se a degradação de resinas automotivas de acabamento por ovos de libélula. Estes insetos aquáticos, muito comuns em todo Brasil, são atraídos pelo reflexo da luz solar na superfície de automóveis e, confundindo-as com o espelho de água de reservatórios, depositam ovos sobre elas. Os ovos, sob a carroceria aquecida pela luz solar, causam perda de brilho e pequenos furos na superfície da resina atingida, cujo dano é facilmente constatado quando a área é observada contra a luz.

 

Objetivos

            Neste trabalho estudamos a degradação de resinas acrilo/melamínicas por ovos de libélula, utilizando diversas técnicas, para verificar o que ocorre na estrutura proteica dos ovos e na superfície do polímero. Como o dano causado pelos ovos de libélula é irreversível, há interesse em elucidar sua natureza química para, posteriormente, serem investigados os meios de evitá-lo. Poder-se-á, assim, compreender mais detalhadamente o mecanismo pelo qual ocorre a degradação da resina de acabamento, evitando prejuízos econômicos tanto para os proprietários dos veículos danificados, quanto para as companhias que fabricam o verniz protetor.

 

Métodos

            Ovos de libélula provenientes de Miathyria sp., Tauriphila sp. e Erythemis sp. (Odonata) foram coletados com redes largas, no período vespertino, perto das vegetações aquáticas do rio Tietê, no município de Novo Horizonte – SP. Os painéis de alumínio recobertos com 10 ou 50 mm de resina acrilo/melamínica foram preparados pela indústria Renner DuPont (Guarulhos) e gentilmente cedidos para as análises. Estudos com variação de temperatura foram feitos utilizando um forno termostatizado WTB Binder FD 115. Dentre as técnicas utilizadas para estudar o polímero1,2 incluem-se a 1) perfilometria (aparelho Dektak 3030), 2) microscopia de varredura de elétron (SEM, usando um instrumento Phillips SEM 515) e 3) análise espectroscópica no infravermelho (Midac M FT-IR). Por sua vez, as transformações ocorridas nos ovos2,3 foram estudadas por 1) análises dos amino ácidos presentes nos lisados de ovos de libélulas (HPLC Beckman 7300), 2) espectroscopia Raman confocal e SERS (“Surface Enhanced Raman Spectroscopy”),2 utilizando um microscópio Renishaw acoplado com um detector CCD resfriado com Peltier.

 

Resultados

            Primeiramente foi constatado que os ovos causam danos irreversíveis à resina somente a temperaturas superiores a 70oC, sendo a degradação muito parecida, visualmente, por perfilometria e por microscopia de varredura de elétron, com a causada por ácidos em geral (orgânicos e inorgânicos) ou chuva ácida.1 Foram também excluídos processos radicalares, enzimáticos e fotoquímicos, como possíveis causadores de degradação.1 Devido a semelhança do dano causado pelos ovos, com o causado por Cys-SH e Cys-S-S-Cys e, uma vez que os ovos contêm uma quantidade relativamente alta destes amino ácidos, foi proposto o necessário envolvimento destes resíduos para que ocorra o dano. Os espectros de Raman confocal da área danificada e das porções intactas da resina mostraram ser similares, o que concorda com os dados obtidos por espectroscopia no infravermelho.2 Estes resultados demonstram que o ataque pelos ovos de libélula, bem como por H2SO4 e Cys-SH/H2O2, somente promovem solubilização da resina através da hidrólise ácida de grupos ésteres e amidas presentes na estrutura polimérica. Além disso, os espectros dos ovos e dos produtos da reação de Cys‑SH com H2O2, obtidos pela técnica SERS, são também muito similares, o que reforça a proposta da presença de derivados de Cys-SO3H nos ovos após o processo de endurecimento (esclerotização).2 Por fim, foi caracterizada, através da análise dos amino ácidos por HPLC,3 a formação de Cys‑SO3H nos ovos de libélula em presença de H2O2 sob aquecimento, consolidando a hipótese inicial do envolvimento de resíduos de cisteina e cistina no processo de degradação de resinas acrilo/melamínicas por ovos de libélula.

 

Conclusão

            Os resíduos de cisteina e cistina presentes nos ovos de libélula, depositados sobre a superfície quente do automóvel, são oxidados por H2O2, durante o processo de esclerotização, a derivados do ácido cisteico - um ácido forte e fixo capaz de catalisar a hidrólise do polímero acrilo/melamínico constituinte da resina.

 

Referências

1.      Stevani, C. V.; Porto, J. S.; Trindade, D. J.; Bechara, E. J. H., J. Appl. Polym. Sci. (2000), no prelo.

2.      Stevani, C. V.; de Faria, D. L. A.; Porto, J. S.; Trindade, D. J.; Bechara, E. J. H., Polym. Degrad. Stab. (2000), no prelo.

3.      Stevani, C. V.; Liria, C. W.; de Miranda, M. T. M.; Bechara, E. J. H., J. Appl. Polym. Sci. (2000), submetido.

FAPESP