SBQ - BIÊNIO (2000/2002) BOLETIM ELETRÔNICO No 183




Assine e divulgue Química Nova na Escola e o Journal of the Chemical Society (www.sbq.org.br/publicacoes/indexpub.htm) a revista de Química mais importante e com o maior índice de impacto da América Latina. Visite a nova página eletrônica do Journal na home-page da SBQ (www.sbq.org.br/jbcs/index.html).


Veja nesta edição:
  1. Desmantelamento das universidades públicas não é real, artigo de Abílio Afonso Baeta Neves
  2. Questão da Universidade pública: Paradoxo custa muito ao brasileiro, artigo de Roberto Romano
  3. Guia dos remédios lista 900 substâncias ativas
  4. Anisio Teixeira e a ciência no Brasil, artigo de João Augusto de Lima Rocha
  5. Picolépolis, artigo de Rubem Alves, sobre a criação de universidades como um dos negócios mais seguros hoje
  6. Derrame de cérebros, editorial da "Folha de SP" sobre a perda de pesquisadores

  1. Desmantelamento das universidades públicas não é real, artigo de Abílio Afonso Baeta Neves

Nos debates sobre o ensino superior brasileiro, estão se cristalizando juízos cada vez mais catastróficos.

Reitera-se que as instituições públicas são melhores do que as privadas, não obstante o prolongado e definitivo processo de degradação e sucateamento a que o poder público -- União e Estado -- as condena.

A reiteração desse juízo embota o debate, obscurecendo o conhecimento do que se está passando com nosso ensino superior.

Não se trata, simplesmente, de desconhecer os problemas e enormes desafios que se enfrentam no processo de expansão, qualificação e consolidação das instituições de ensino superior, para que cumpram seu papel no desenvolvimento social, científico e tecnológico do país.

Qualquer analista sério e objetivo do desenvolvimento de nosso ensino superior terá de reconhecer e afirmar as enormes e fortes transformações por que esse nível de ensino tem passado.

Em primeiro lugar, estamos assistindo, depois de um longo período de estagnação do número de matrículas, a um acelerado processo de expansão de vagas.

Em segundo lugar, o processo de qualificação do corpo docente vem aumentando expressivamente.

Em terceiro, ao lado da multiplicação das oportunidades de formação profissional, vem se construindo um notável sistema de pós-graduação e pesquisa nas Universidades, especialmente nas instituições públicas, que assumem cada vez mais importância no cenário internacional.

Não se pode perder de vista que o fenômeno da pós-graduação e da institucionalização da pesquisa no novo sistema universitário é ainda bastante recente.

Em pouco mais de 20 anos, logrou-se implantar mais de 2 mil programas de pós-graduação, mestrado e doutorado, que cobrem todas as áreas de conhecimento e hoje formam cerca de 14.500 mestres e quase 5 mil doutores por ano.

A produção científica indexada do país apresentou crescimento no período de 92 a 98, que a fez alcançar a marca de 1% da produção mundial.

A taxa de crescimento da produção científica tem sido muito maior do que a média mundial. De 81 a 95, a produção brasileira cresceu 112% enquanto a mundial cresceu 35% no mesmo período.

Mais importante ainda é reconhecer que tem havido desconcentração da pós-graduação com a emergência de importantes centros universitários fora da região Sudeste.

A avaliação da Capes, que cada vez mais reflete a qualidade que acompanha essa descentralização de atividades de pesquisa e de pós-graduação, tem mostrado a evolução qualitativa da pós-graduação e ajudado a construir estratégias cada vez mais consistentes para o avanço desse sistema.

Com grande impacto, os diferentes procedimentos de avaliação da graduação tem provocado reações institucionais muito positivas, tanto no segmento público quanto no privado.

É fundamental reconhecer que todos esses avanços e transformações resultaram na construção de instituições de ensino superior, sobretudo as públicas, com grande complexidade organizacional, multiplicidade de interesses, demandas e problemas.

Provocadas pela dinâmica de seus grupos internos e ainda mais pelas transformações da sociedade, elas se vêem confrontadas com dilemas de financiamento num patamar inédito e com problemas que vão da dificuldade de desenvolver projetos institucionais consensuados até dificuldades de gerenciamento interno racional dos recursos.

A consagração do inimigo externo como raiz de todos os males simplifica muito toda a problemática e induz ao imobilismo da comunidade universitária no tocante ao enfrentamento das questões internas que estão ao seu alcance e que sempre serão sua responsabilidade.

As instituições públicas federais que não se acomodam e que, em sua quase totalidade, tem apresentado resultados cada vez mais positivos em todos os campos, contrariam as profecias do seu desmantelamento.

Somente a garantia de recursos públicos que, com todas as dificuldades, não tem faltado, associada à amplição das fontes de financiamento e à gestão interna de recursos, convergente com estratégias de desenvolvimento institucionais claras, poderá garantir a continuidade desse processo de expansão, qualificação e diferenciação do ensino e fortalecimento da pesquisa científica e tecnológica nas nossas instituições de ensino superior públicas.

A criação dos fundos setoriais de investimento em C&T do fundo geral de financiamento de infra-estrutura acadêmica das instituições de ensino superior públicas, anunciada recentemente, abre perspectivas inéditas nesse sentido.

Fonte Folha de SP, 20junho2000.

Nota do Editor: O autor é presidente da Fundação Capes. Este artigo foi publicado no suplemento especial da "Folha de SP", "O impasse da Academia", de 20junho2000.


  1. Questão da Universidade pública: Paradoxo custa muito ao brasileiro, artigo de Roberto Romano

A crise da Universidade une-se às fraquezas dos Estados nacionais, sobretudo nos paises pobres. Façamos uma retrospectiva do problema. Após a 2a Guerra Mundial, ocorreram duas fortes mudanças científicas e tecnológicas.

A primeira foi a aplicação de capitais em técnicas inovadoras (energia nuclear, automação, produtos sintéticos, computadores, eletrônica). A segunda, nos anos 60, com a segunda geração de computadores, eletrônicos, sintéticos e novas técnicas de comunicação.

Na primeira, deu-se a passagem do trabalho intensivo na indústria para o capital intensivo como centro da acumulação, em escala mundial. Na segunda, passou-se do capital intensivo para a tecnologia e saber intensivos.

Surgiram novas indústrias baseadas na tecnologia de ponta e com conteúdos científicos. Esses fatos aconteceram nos paises do Norte. Os seus efeitos se fazem sentir na quebra das barreiras nacionais.

Esses paises aumentam em escala inusitada o controle da tecnologia, das informações, dos serviços (sobretudo as finanças), enquanto o trabalho intensivo domina o Sul, sem que ele passe para a outra fase.

Desse modo, ocorre uma uniformização econômica mundial, orientada segundo as opções dos Estados que possuem bases para acumular lucros, a partir de seu privilegiado status técnico e científico.

Esses paises concentram o controle financeiro, técnico e científico em benefício e sob gerência de elites nacionais, mas com impacto multinacional.

No último domingo, a "Folha de SP" trouxe uma reportagem muito instrutiva nesse prisma.

Dadas as péssimas condições salariais nos paises atrasados, pesquisadores e docentes universitários tendem a migrar rumo aos "centros de excelência". Os enormes investimentos para definir instituições superiores de ensino e pesquisa nos paises pobres acabam "fugindo pelo ralo".

Milhões são gastos na produção de uma infra-estrutura de pesquisa e docência, mas isso não garante a existência digna da mão-de-obra intelectual. Forma-se um verdadeiro exército de reserva de mão-de-obra relativamente barata para os paises ricos, mas difícil de ser recuperada pelas nações que deram o adestramento aos intelectuais.

O Brasil tem absorvido enorme quantidade de produtos de alta tecnologia dos EUA (computadores, softwares, instrumentos hospitalares, semicondutores, aparelhos de comunicação).

Onde, no país, encontra-se produçào científica e tecnológica capaz de atenuar esse fato em proveito da capacitação para a concorrência em termos internacionais?

Nas Universidades públicas, em especial no Estado de SP. Existe uma política séria para formar e reter a mão-de-obra intelectual especializada no país? A resposta é negativa.

Milhões foram postos na infra-estrutura formidável das três Universidades oficiais paulistas e nos institutos de pesquisa. Mas, por falta de visão estratégica, os cientistas e docentes nao recebem salários capazes de retê-los.

Todos os recursos aplicados pelo governo nas Universidades, que geram muitas divisas para o Estado e para o Brasil, coexistem com os salários insuficientes dos pesquisadores e docentes.

Entramos na lógica que inviabiliza os esforços dos paises africanos e de outras terras empobrecidas, ou seja, a via de integrar o número dos povos que hoje produzem exércitos acadêmicos de reserva para os paises desenvolvidos.

Outros traços dificultam a correta remuneração dos professores. Não se definiu, quando da autonomia outorgada pelo poder executivo estadual, um instituto de previdência. Resulta um passivo nas contas das Universidades.

Esse problema só pode ser vencido com muita percepção, por parte dos governantes e administradores universitários, de quanto vale investir um pouco mais nos docentes que se aposentam, se forem levados em conta os riscos do êxodo.

Diferentemente das infamias assacadas contra os pesquisadores que se aposentam, o respeito pelo seu trabalho seria, além de tudo, prudente forma de ret6e-los, e os seus sucessores, no país.

As intervenções das autoridades acadêmicas e dos movimentos docentes tem se pautado pelo empirismo, melhor diríamos, são desorientadas pela improvisação, o que traz percalços inevitáveis na luta em defesa da pesquisa nos campi.

Uma instituição que exibe os mais elevados índices de competência científica opera com sua própria essência de modo diletante. Esse paradoxo custa muito ao povo brasileiro.

É tempo de partir para atos unificados e bem nutridos de conhecimentos e técnicas políticas e legislativas, dentre as quais não é de menor importância a questão tributária.

Fonte : Folha de SP, 20junho2000.

Nota do Editor: O autor é professor de Ética e Filosofia na Unicamp. Este artigo foi publicado no suplemento especial da "Folha de SP", "O impasse da Academia", de 20/6.


  1. Guia dos remédios lista 900 substâncias ativas

Elaborado pela BPR Consultoria, Projetos e Comércio Ltda, já está à disposição no endereço www.uol.com.br/remedios o Guia dos Remédios. Ele traz informações claras e padronizadas sobre cerca de 900 substâncias ativas (nomes genéricos) que compõem os principais medicamentos comercializados no país.

O guia também apresenta orientações básicas sobre a utilização de medicamentos, servindo como fonte rápida de consulta a todos que se utilizam de remédios. Mas o serviço esclarece que pretende cumprir apenas a função de facilitar o entendimento dos remédios, não pretendendo substituir nenhuma outra fonte de referência, nem servir como material suficiente para a prática da medicina.

Fonte: Agência Brasil - Abr - Brasília 23junho2000.


  1. Anisio Teixeira e a ciência no Brasil, artigo de João Augusto de Lima Rocha

Por uma feliz coincidência, o momento em que se realiza, na Universidade de Brasília (UnB), a 52ª Reunião Anual da SBPC é o mesmo em que se comemora o centenário do nascimento de Anisio Teixeira.

Faz-se oportuna, por isso, a refer6encia ao insigne educador, tanto por sua reconhecida contribuição para a renovação da educação brasileira, em todos os níveis, quanto por sua ligação com a UnB e com a SBPC.

Anisio Teixeira que, com Darcy Ribeiro, lideraria, logo a seguir, o processo de criação da UnB, presidiu a SBPC entre 1955 e 1959, o que foi fundamental para que se pudesse dar ao processo de criação da Universidade o sentido de um projeto - de todos, o mais caro - da intelectualidade brasileira.

A UnB, na verdade, seria a segunda tentativa de renovação universitária brasileira empreendida por Anisio, pois a primeira fora a da Universidade do Distrito Federal, em 1935, no RJ, sepultada logo no nascedouro pela reação católica, que, ao conseguir afastá-lo da direção da educação carioca, se encarregou de dar outro rumo à jovem Universidade.

Anisio - que, em 1951, participa do trabalho de organização da Capes, a cargo de Romulo Almeida - torna-se, a partir de 1952, o primeiro secretário-geral do órgão, cuja concepção influiu decisivamente na melhoria da qualidade das Universidades brasileiras.

Permanece no cargo até 64, quando o regime militar o aposenta compulsoriamente.

Acumula, ainda, no mesmo período, a direção do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), órgão que serviu de base à generalização, por todo o país, da sua idéia de que a qualidade da educação pública teria de ter como suporte um contínuo trabalho de pesquisa, a cargo dos centros regionais do Inep, criados em vários estados brasileiros.

Além dos dois cargos, acumula o de vice-reitor da primeira gestão da UnB. O golpe militar iria encontrá-lo ocupando a reitoria, em substituição a Darcy Ribeiro, que fora para o Ministério da Educação e, depois, para a chefia do Gabinete Civil do governo Goulart.

Sob a direção de Anisio, a SBPC comemorou, em 1958, os seus dez primeiros anos de existência. A X Reunião Anual, realizada em SP, teve como diretor, a convite de Anisio, o almirante Alvaro Alberto, fundador do CNPq, que havia sido demitido do órgão em 1955.

Provavelmente, essa foi a primeira vez em que a comunidade científica brasileira trouxe a público o seu reconhecimento ao importante papel do almirante para o desenvolvimento da ciência no Brasil.

Segundo Ana Maria Fernandes ''o papel de Anisio Teixeira talvez explique a apresentação àquela reunião de mais documentos sobre psicologia, antropologia e educaçào, com a participação do Inep''.

E mais adiante: ''Pela primeira vez os cientistas encaminharam documento ao presidente da República e a outras autoridades. Isso se tornaria prática usual nas reuniões anuais sempre que se julgasse necessário'.

A compreensão de Anisio a respeito da importância da sociologia, da psicologia e da antropologia, que ele chamava de ciências auxiliares da educação, incentivou a edição de textos nessas áreas, por meio de parceria entre editoras e o Inep, que garantia a compra de metade de cada edição para distribuição às bibliotecas públicas de todo o país, colaborando, assim, para a grande difusão de autores dessas áreas.

Essa foi uma iniciativa - entre outras - que contribuiu para que Antonio Houaiss o considerasse ''o maior homem de cultura que o Brasil já produziu''.

A Constituição de 88 inclui um dispositivo que permite às unidades da Federação utilizarem um percentual de sua arrecadação tributária para o fomento à C&T, na forma de auxílio direto aos pesquisadores.

Diz-se que esse modelo - para cuja generalização muito contribuiu o esforço da SBPC - baseia-se no que foi utilizado com sucesso pela Fapesp.

Poucos sabem, no entanto, que a primeira instituiçào desse tipo, em nosso país, foi instalada na Bahia, em 13 de dezembro de 1950, doze anos antes da Fapesp: a Fundação para o Desenvolvimento da Ciência na Bahia, inspirada em mais uma das tantas idéias originais de Anisio Teixeira, que, então, ocupava o cargo de secretário de Educaçào e Saúde, na gestão Otávio Mangabeira.

Mas que contribuição Anisio Teixeira teria para inspirar, hoje, o debate em prol da C&T - em que a educação está implícita -, tendo em vista a 52ª Reunião Anual da SBPC?

Certamente, a autoridade intelectual de um homem que aliou, como poucos, pensamento e ação, compondo um raro perfil de estadista, ao buscar elevar a educação à condicao de principal questão nacional. A propósito, dizia:

''Há educação e educação. Há educação que é treino, que é domesticação. E há educação que é formação do homem livre e sadio. Há educação para alguns, há educação para muitos e há educação para todos.

A democracia é o regime da mais difícil das educações, a educação pela qual o homem, todos os homens e todas as mulheres aprendem a ser livres, bons e capazes. Nesse regime, pois, a educação faz o processo mesmo de sua realização.

Nascemos desiguais e nascemos ignorantes, isto é, escravos. A educação faz-nos livres pelo conhecimento e pelo saber e iguais pela capacidade de desenvolver ao máximo os nossos poderes inatos.

A justiça social, por excelência, da democracia consiste nessa conquista da igualdade de oportunidades pela educação. Democracia é, literalmente, educação. Há, entre os dois termos, uma relação de causa e efeito.

Numa democracia, pois, nenhuma obra supera a de educação. Haverá, talvez, outras aparentemente mais urgentes ou imediatas, mas estas mesmas pressupõem, se estivermos numa democracia, a educação.

Com efeito todas as demais funções do Estado democrático pressupõem a educação. Somente esta não é a consequência da democracia, mas a sua base, o seu fundamento, a condição mesma para a sua existência.''

Fonte: Correio Braziliense, 25junho2000

Nota do Editor: O autor é professor da Universidade Federal da Bahia e organizador do livro "Anisio em Movimento, a vida e as lutas de Anisio Teixeira pela escola pública e pela cultura no Brasil, editado em 92 pela Fundação Anisio Teixeira.


  1. Picolépolis, artigo de Rubem Alves, sobre a criação de universidades como um dos negócios mais seguros hoje

Era uma vez uma cidade chamada Picolépolis. Ela se chamava Picolépolis porque nela todos eram loucos por picolé. Era elegante andar pelas ruas chupando picolé. Nas festas, serviam-se picolés. As pessoas educadas conversavam sobre os picolés.

Os pais aconselhavam os filhos: "É preciso trabalhar muito para que nunca faltem picolés para os seus filhos". E, nas campanhas políticas, o picolé era sempre o tema mais discutido.

Os candidatos faziam promessas de aumentar a produção de picolés, e os partidos de esquerda prometiam medidas para democratizar o picolé.

Mas havia os pobres, que não tinham dinheiro para comprar picolés, que eram coisa de gente rica. Em vez de picolés, eles comiam cachorros-quentes. Comer cachorro-quente era marca de pertencer a uma classe social inferior.

Os picolés eram fornecidos por um empresário que tinha uma fábrica de picolés. Ele fabricava picolés brancos, amarelos, vermelhos e verdes. Os mais procurados e mais caros eram os picolés brancos. Só os ricos mesmo podiam chupar picolés brancos.

A empresa do dito empresário produzia 50 picolés por dia. Mas, como havia, diariamente, mais de mil pessoas querendo chupar picolé, sempre sobravam mais que 950 pessoas insatisfeitas. Queriam chupar picolé e não podiam.

Um outro empresário percebeu que ali se encontrava um mercado maravilhoso! Era lucro certo montar uma fábrica de picolés. Montou uma segunda fábrica de picolés.

Mas ela também só tinha capacidade para produzir 50 picolés. Ficava uma população de mais de 900 pessoas sem chupar picolé. Um outro empresário pensou como o segundo e fez também sua fábrica de picolés, que também produzia 50 picolés.

Vendo o que estava acontecendo, o primeiro empresário teve uma idéia de gênio: duplicar a produção de picolés. Sua fábrica, em vez de produzir picolés somente durante o dia, passou a produzir picolés também durante a noite -no que foi rapidamente imitada pelos outros.

Mas, como a população crescia, crescia também o número de pessoas frustradas por não haver picolés que chegassem para todos. Esse, portanto, era um mercado maravilhoso, inesgotável. Investir no mercado de picolés era lucro certo.

Troque "picolés" por "ensino superior" e você compreenderá a minha parábola. O sonho de todo pai e de toda mãe, com aspirações de ascensão social, era que o seu filho "tirasse diploma". Diploma era garantia de sobrevivência. Emprego certo. Mais do que isso: status.

O orgulho da mãe que proclamava: "Meu filho vai tirar diploma de médico". Um diploma universitário passou a ser o desejo supremo dos pais para os seus filhos.

Mas entrar na Universidade não é coisa fácil. Muitos são os que querem; poucos são os que conseguem. Os que não conseguem ficam olhando com inveja para seus amigos e companheiros que conseguiram.

Os resultados numéricos dos vestibulares revelam: 1) o tamanho do mercado, o total dos que se inscreveram: quantos querem chupar picolé; 2) o número dos que entraram: quantos picolés foram produzidos e consumidos; 3) a população frustrada, que não passou, que deseja um picolé a qualquer preço.

Essa população de insatisfeitos é um mercado com infinitas possibilidades. Quem investe nele tem ganho certo. A criação de faculdades e Universidades se tornou, então, um dos negócios mais seguros do momento.

Somente isso explica a proliferação de faculdades novas e os sucessivos vestibulares, até no meio do ano. Se a demanda existe, nada mais racional, do ponto de vista comercial, do que ampliar a oferta. Mas as Universidades nao vendem picolés, vendem chaves. Picolés produzem prazer imediato. Eles são para ser chupados e gozados. Ao final, joga-se o pauzinho fora e compra-se outro.

Mas "chaves" só tem sentido se abrem portas. As chaves que as Universidades e faculdades produzem só são boas se abrem as portas do trabalho.

São milhares de diplomados com suas chaves na mão; mas onde estão as portas? E, de repente, a dura realidade: muitos são os diplomados com chaves na mão, mas poucas são as portas.

Os que ficam com chaves na mão sem portas para abrir não tem alternativa: terão de trabalhar nos supermercados, shoppings, restaurantes, ou se tornam fabricantes de suco ou ficam desempregados.

Uma noite, na cidade de Nova York, comecei a conversar com o motorista de táxi, e ele me disse que era doutor em física, pelo MIT.

São milhares os diplomados que anualmente são jogados no mercado com suas chaves: médicos, engenheiros, fonoaudiólogos, psicólogos, economistas, pedagogos, advogados, dentistas, jornalistas, biólogos, físicos, sociólogos, geógrafos.

Nada irá resolver o problema da relação entre chaves e portas. Não se pode aumentar o número de portas como se aumenta o número de chaves.

Uma vez sugeri que cada estudante cursando um curso universitário "nobre" deveria, ao mesmo tempo, aprender um ofício que seria oferecido pela própria Universidade: marceneiro, jardineiro, serralheiro, mecânico, pedreiro, pintor. Acharam que era gozação. Não era; continuo com a mesma idéia.

De tudo, restam essas duas verdades: 1) fundar Universidades e faculdades é uma opção econômica esperta e garantida; 2) muitos serão os que ficarão com as chaves na mão sem portas para abrir.

Fonte : Folha de SP, 25junho2000

Nota do Editor: O autor é educador, escritor, psicanalista e professor emérito da Unicamp.


  1. Derrame de cérebros, editorial da "Folha de SP" sobre a perda de pesquisadores

Estudos realizados pela ONU mostram que um fenômeno antigo tem se intensificado: profissionais especializados formados em paises pobres estão cada vez mais deixando suas nações para trabalharem em paises desenvolvidos, onde envelhecimento da população, novas tecnologias e crescimento geram uma carência de mão-de-obra qualificada.

O exemplo mais significativo é o da India. Entre 40% e 50% dos profissionais formados em Universidades desse país iniciam suas carreiras profissionais no exterior, principalmente na área de informática.

Não se trata, porém, apenas de uma emigração de pesquisadores e técnicos altamente especializados. Nas Filipinas, cerca de 3 mil enfermeiras deixam anualmente o país em busca de salários muito melhores nos paises desenvolvidos.

Esse quadro sugere algumas reflexões. Primeiro, os paises periféricos conseguem formar mão-de-obra qualificada. Segundo, a despeito das necessidades de suas populações, muitas vezes esses paises não conseguem criar as condições econômicas necessárias para poder aproveitar esses profissionais.

No Brasil, a situação não parece tão grave, mas ainda assim preocupa. Os profissionais de nível superior que deixam o país são em geral altamente especializados, deixando de realizar pesquisas e desenvolver projetos que beneficiem Universidades e empresas brasileiras.

Entidades de apoio à pesquisa não parecem estar preocupadas com a divulgação de dados precisos sobre o assunto.

Em geral, brasileiros qualificados que vão trabalhar no exterior tem desejo de regressar ao país, mas nem sempre conseguem condições de trabalho para isso.

Vale, então, notar que, quando um país gasta recursos para formar pesquisadores e profissionais qualificados, ele reconhece a importância de suas atividades.

Assim, é razoável cobrar que esse país crie as condições de aproveitamento desses profissionais.

Fonte: Folha de SP, 24junho2000.


Secretaria Geral SBQ


Contribuições devem ser enviadas para: Luizsbq@iqm.unicamp.br
http://www.sbq.org.br