Nos debates sobre o ensino superior brasileiro, estão se
cristalizando juízos cada vez mais catastróficos.
Reitera-se que as instituições públicas são melhores do que as
privadas, não obstante o prolongado e definitivo processo de
degradação e sucateamento a que o poder público -- União e Estado --
as condena.
A reiteração desse juízo embota o debate, obscurecendo o conhecimento
do que se está passando com nosso ensino superior.
Não se trata, simplesmente, de desconhecer os problemas e enormes
desafios que se enfrentam no processo de expansão, qualificação e
consolidação das instituições de ensino superior, para que cumpram
seu papel no desenvolvimento social, científico e tecnológico do país.
Qualquer analista sério e objetivo do desenvolvimento de nosso ensino
superior terá de reconhecer e afirmar as enormes e fortes
transformações por que esse nível de ensino tem passado.
Em primeiro lugar, estamos assistindo, depois de um longo período de
estagnação do número de matrículas, a um acelerado processo de
expansão de vagas.
Em segundo lugar, o processo de qualificação do corpo docente vem
aumentando expressivamente.
Em terceiro, ao lado da multiplicação das oportunidades de formação
profissional, vem se construindo um notável sistema de pós-graduação
e pesquisa nas Universidades, especialmente nas instituições públicas,
que assumem cada vez mais importância no cenário internacional.
Não se pode perder de vista que o fenômeno da pós-graduação e da
institucionalização da pesquisa no novo sistema universitário é ainda
bastante recente.
Em pouco mais de 20 anos, logrou-se implantar mais de 2 mil programas
de pós-graduação, mestrado e doutorado, que cobrem todas as áreas de
conhecimento e hoje formam cerca de 14.500 mestres e quase 5 mil
doutores por ano.
A produção científica indexada do país apresentou crescimento no
período de 92 a 98, que a fez alcançar a marca de 1% da produção
mundial.
A taxa de crescimento da produção científica tem sido muito maior do
que a média mundial. De 81 a 95, a produção brasileira cresceu 112%
enquanto a mundial cresceu 35% no mesmo período.
Mais importante ainda é reconhecer que tem havido desconcentração da
pós-graduação com a emergência de importantes centros universitários
fora da região Sudeste.
A avaliação da Capes, que cada vez mais reflete a qualidade que
acompanha essa descentralização de atividades de pesquisa e de
pós-graduação, tem mostrado a evolução qualitativa da pós-graduação
e ajudado a construir estratégias cada vez mais consistentes para o
avanço desse sistema.
Com grande impacto, os diferentes procedimentos de avaliação da
graduação tem provocado reações institucionais muito positivas,
tanto no segmento público quanto no privado.
É fundamental reconhecer que todos esses avanços e transformações
resultaram na construção de instituições de ensino superior,
sobretudo as públicas, com grande complexidade organizacional,
multiplicidade de interesses, demandas e problemas.
Provocadas pela dinâmica de seus grupos internos e ainda mais pelas
transformações da sociedade, elas se vêem confrontadas com dilemas
de financiamento num patamar inédito e com problemas que vão da
dificuldade de desenvolver projetos institucionais consensuados até
dificuldades de gerenciamento interno racional dos recursos.
A consagração do inimigo externo como raiz de todos os males
simplifica muito toda a problemática e induz ao imobilismo da
comunidade universitária no tocante ao enfrentamento das questões
internas que estão ao seu alcance e que sempre serão sua
responsabilidade.
As instituições públicas federais que não se acomodam e que, em sua
quase totalidade, tem apresentado resultados cada vez mais
positivos em todos os campos, contrariam as profecias do seu
desmantelamento.
Somente a garantia de recursos públicos que, com todas as
dificuldades, não tem faltado, associada à amplição das fontes de
financiamento e à gestão interna de recursos, convergente com
estratégias de desenvolvimento institucionais claras, poderá
garantir a continuidade desse processo de expansão, qualificação e
diferenciação do ensino e fortalecimento da pesquisa científica e
tecnológica nas nossas instituições de ensino superior públicas.
A criação dos fundos setoriais de investimento em C&T do fundo
geral de financiamento de infra-estrutura acadêmica das instituições
de ensino superior públicas, anunciada recentemente, abre
perspectivas inéditas nesse sentido.
Fonte Folha de SP, 20junho2000.
Nota do Editor: O autor é presidente da Fundação Capes. Este artigo
foi publicado no suplemento especial da "Folha de SP", "O impasse
da Academia", de 20junho2000.
A crise da Universidade une-se às fraquezas dos Estados nacionais,
sobretudo nos paises pobres. Façamos uma retrospectiva do problema.
Após a 2a Guerra Mundial, ocorreram duas fortes mudanças científicas
e tecnológicas.
A primeira foi a aplicação de capitais em técnicas inovadoras (energia
nuclear, automação, produtos sintéticos, computadores, eletrônica).
A segunda, nos anos 60, com a segunda geração de computadores,
eletrônicos, sintéticos e novas técnicas de comunicação.
Na primeira, deu-se a passagem do trabalho intensivo na indústria para
o capital intensivo como centro da acumulação, em escala mundial.
Na segunda, passou-se do capital intensivo para a tecnologia e saber
intensivos.
Surgiram novas indústrias baseadas na tecnologia de ponta e com
conteúdos científicos. Esses fatos aconteceram nos paises do Norte.
Os seus efeitos se fazem sentir na quebra das barreiras nacionais.
Esses paises aumentam em escala inusitada o controle da tecnologia,
das informações, dos serviços (sobretudo as finanças), enquanto o
trabalho intensivo domina o Sul, sem que ele passe para a outra fase.
Desse modo, ocorre uma uniformização econômica mundial, orientada
segundo as opções dos Estados que possuem bases para acumular lucros,
a partir de seu privilegiado status técnico e científico.
Esses paises concentram o controle financeiro, técnico e científico
em benefício e sob gerência de elites nacionais, mas com impacto
multinacional.
No último domingo, a "Folha de SP" trouxe uma reportagem muito
instrutiva nesse prisma.
Dadas as péssimas condições salariais nos paises atrasados,
pesquisadores e docentes universitários tendem a migrar rumo aos
"centros de excelência". Os enormes investimentos para definir
instituições superiores de ensino e
pesquisa nos paises pobres acabam "fugindo pelo ralo".
Milhões são gastos na produção de uma infra-estrutura de pesquisa e
docência, mas isso não garante a existência digna da mão-de-obra
intelectual. Forma-se um verdadeiro exército de reserva de
mão-de-obra relativamente barata para os paises ricos, mas difícil de
ser recuperada pelas nações que deram o adestramento aos intelectuais.
O Brasil tem absorvido enorme quantidade de produtos de alta
tecnologia dos EUA (computadores, softwares, instrumentos
hospitalares, semicondutores, aparelhos de comunicação).
Onde, no país, encontra-se produçào científica e tecnológica capaz de
atenuar esse fato em proveito da capacitação para a concorrência em
termos internacionais?
Nas Universidades públicas, em especial no Estado de SP. Existe uma
política séria para formar e reter a mão-de-obra intelectual
especializada no país? A resposta é negativa.
Milhões foram postos na infra-estrutura formidável das três
Universidades oficiais paulistas e nos institutos de pesquisa. Mas,
por falta de visão estratégica, os cientistas e docentes nao recebem
salários capazes de retê-los.
Todos os recursos aplicados pelo governo nas Universidades, que
geram muitas divisas para o Estado e para o Brasil, coexistem com os
salários insuficientes dos pesquisadores e docentes.
Entramos na lógica que inviabiliza os esforços dos paises africanos
e de outras terras empobrecidas, ou seja, a via de integrar o número
dos povos que hoje produzem exércitos acadêmicos de reserva para os
paises desenvolvidos.
Outros traços dificultam a correta remuneração dos professores.
Não se definiu, quando da autonomia outorgada pelo poder executivo
estadual, um instituto de previdência. Resulta um passivo nas contas
das Universidades.
Esse problema só pode ser vencido com muita percepção, por parte dos
governantes e administradores universitários, de quanto vale investir
um pouco mais nos docentes que se aposentam, se forem levados em
conta os riscos do êxodo.
Diferentemente das infamias assacadas contra os pesquisadores que se
aposentam, o respeito pelo seu trabalho seria, além de tudo, prudente
forma de ret6e-los, e os seus sucessores, no país.
As intervenções das autoridades acadêmicas e dos movimentos docentes
tem se pautado pelo empirismo, melhor diríamos, são desorientadas
pela improvisação, o que traz percalços inevitáveis na luta em defesa
da pesquisa nos campi.
Uma instituição que exibe os mais elevados índices de competência
científica opera com sua própria essência de modo diletante.
Esse paradoxo custa muito ao povo brasileiro.
É tempo de partir para atos unificados e bem nutridos de
conhecimentos e técnicas políticas e legislativas, dentre as quais
não é de menor importância a questão tributária.
Fonte : Folha de SP, 20junho2000.
Nota do Editor: O autor é professor de Ética e Filosofia na Unicamp.
Este artigo foi publicado no suplemento especial da "Folha de SP",
"O impasse da Academia", de 20/6.
Elaborado pela BPR Consultoria, Projetos e Comércio Ltda, já está à
disposição no endereço www.uol.com.br/remedios o Guia dos Remédios.
Ele traz informações claras e padronizadas
sobre cerca de 900 substâncias ativas (nomes genéricos) que compõem
os principais medicamentos comercializados no país.
O guia também apresenta orientações básicas sobre a utilização de
medicamentos, servindo como fonte
rápida de consulta a todos que se utilizam de remédios. Mas o serviço
esclarece que pretende cumprir apenas a função de facilitar o
entendimento dos remédios, não pretendendo substituir nenhuma outra
fonte de referência, nem servir como material suficiente para a
prática da medicina.
Fonte: Agência Brasil - Abr - Brasília 23junho2000.
Por uma feliz coincidência, o momento em que se realiza, na
Universidade de Brasília (UnB), a 52ª Reunião Anual da SBPC é o mesmo
em que se comemora o centenário do nascimento de Anisio Teixeira.
Faz-se oportuna, por isso, a refer6encia ao insigne educador, tanto
por sua reconhecida contribuição para a renovação da educação
brasileira, em todos os níveis, quanto por sua ligação com a UnB e
com a SBPC.
Anisio Teixeira que, com Darcy Ribeiro, lideraria, logo a seguir, o
processo de criação da UnB, presidiu a SBPC entre 1955 e 1959, o que
foi fundamental para que se pudesse dar ao processo de criação da
Universidade o sentido de um projeto - de todos, o mais caro - da
intelectualidade brasileira.
A UnB, na verdade, seria a segunda tentativa de renovação
universitária brasileira empreendida por Anisio, pois a primeira
fora a da Universidade do Distrito Federal, em 1935, no RJ,
sepultada logo no nascedouro pela reação católica, que, ao conseguir
afastá-lo da direção da educação
carioca, se encarregou de dar outro rumo à jovem Universidade.
Anisio - que, em 1951, participa do trabalho de organização da Capes,
a cargo de Romulo Almeida - torna-se, a partir de 1952, o primeiro
secretário-geral do órgão, cuja concepção influiu decisivamente na
melhoria da qualidade das Universidades brasileiras.
Permanece no cargo até 64, quando o regime militar o aposenta
compulsoriamente.
Acumula, ainda, no mesmo período, a direção do Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos (Inep), órgão que serviu de base à generalização,
por todo o país, da sua idéia de que a qualidade da educação pública
teria de ter como suporte um contínuo trabalho de pesquisa, a cargo
dos centros regionais do Inep, criados em vários estados brasileiros.
Além dos dois cargos, acumula o de vice-reitor da primeira gestão da
UnB. O golpe militar iria encontrá-lo ocupando a reitoria, em
substituição a Darcy Ribeiro, que fora para o Ministério da Educação
e, depois, para a chefia do Gabinete Civil do governo Goulart.
Sob a direção de Anisio, a SBPC comemorou, em 1958, os seus dez
primeiros anos de existência. A X Reunião Anual, realizada em SP,
teve como diretor, a convite de Anisio, o almirante Alvaro Alberto,
fundador do CNPq, que havia sido demitido do órgão em 1955.
Provavelmente, essa foi a primeira vez em que a comunidade científica
brasileira trouxe a público o seu reconhecimento ao importante papel
do almirante para o desenvolvimento da ciência no Brasil.
Segundo Ana Maria Fernandes ''o papel de Anisio Teixeira talvez
explique a apresentação àquela reunião de mais documentos sobre
psicologia, antropologia e educaçào, com a participação do Inep''.
E mais adiante: ''Pela primeira vez os cientistas encaminharam
documento ao presidente da República e a outras autoridades. Isso se
tornaria prática usual nas reuniões anuais sempre que se julgasse
necessário'.
A compreensão de Anisio a respeito da importância da sociologia, da
psicologia e da antropologia, que ele chamava de ciências auxiliares
da educação, incentivou a edição de textos nessas áreas, por meio de
parceria entre editoras e o Inep, que garantia a compra de metade de
cada edição para distribuição às bibliotecas públicas de todo o país,
colaborando, assim, para a grande difusão de autores dessas áreas.
Essa foi uma iniciativa - entre outras - que contribuiu para que
Antonio Houaiss o considerasse ''o maior homem de cultura que o
Brasil já produziu''.
A Constituição de 88 inclui um dispositivo que permite às unidades da
Federação utilizarem um percentual de sua arrecadação tributária para
o fomento à C&T, na forma de auxílio direto aos pesquisadores.
Diz-se que esse modelo - para cuja generalização muito contribuiu o
esforço da SBPC - baseia-se no que foi utilizado com sucesso pela
Fapesp.
Poucos sabem, no entanto, que a primeira instituiçào desse tipo, em
nosso país, foi instalada na Bahia, em 13 de dezembro de 1950, doze
anos antes da Fapesp: a Fundação para o Desenvolvimento da Ciência na
Bahia, inspirada em mais uma das tantas idéias originais de Anisio
Teixeira, que, então, ocupava o cargo de secretário de Educaçào e
Saúde, na gestão Otávio Mangabeira.
Mas que contribuição Anisio Teixeira teria para inspirar, hoje, o
debate em prol da C&T - em que a educação está implícita -, tendo em
vista a 52ª Reunião Anual da SBPC?
Certamente, a autoridade intelectual de um homem que aliou, como
poucos, pensamento e ação, compondo um raro perfil de estadista, ao
buscar elevar a educação à condicao de principal questão nacional.
A propósito, dizia:
''Há educação e educação. Há educação que é treino, que é
domesticação. E há educação que é formação do homem livre e sadio.
Há educação para alguns, há educação para muitos e há educação para
todos.
A democracia é o regime da mais difícil das educações, a educação
pela qual o homem, todos os homens e todas as mulheres aprendem a
ser livres, bons e capazes. Nesse regime, pois, a educação faz o
processo mesmo de sua realização.
Nascemos desiguais e nascemos ignorantes, isto é, escravos.
A educação faz-nos livres pelo conhecimento e pelo saber e iguais
pela capacidade de desenvolver ao máximo os nossos poderes inatos.
A justiça social, por excelência, da democracia consiste nessa
conquista da igualdade de oportunidades pela educação. Democracia
é, literalmente, educação. Há, entre os dois termos, uma relação
de causa e efeito.
Numa democracia, pois, nenhuma obra supera a de educação. Haverá,
talvez, outras aparentemente mais urgentes ou imediatas, mas estas
mesmas pressupõem, se estivermos numa democracia, a educação.
Com efeito todas as demais funções do Estado democrático pressupõem
a educação. Somente esta não é a consequência da democracia, mas a
sua base, o seu fundamento, a condição mesma para a sua existência.''
Fonte: Correio Braziliense, 25junho2000
Nota do Editor: O autor é professor da Universidade Federal da Bahia
e organizador do livro "Anisio em Movimento, a vida e as lutas de
Anisio Teixeira pela escola pública e pela cultura no Brasil, editado
em 92 pela Fundação Anisio Teixeira.
Era uma vez uma cidade chamada Picolépolis. Ela se chamava
Picolépolis porque nela todos eram loucos por picolé. Era elegante
andar pelas ruas chupando picolé. Nas festas, serviam-se picolés.
As pessoas educadas conversavam sobre os picolés.
Os pais aconselhavam os filhos: "É preciso trabalhar muito para que
nunca faltem picolés para os seus filhos". E, nas campanhas políticas,
o picolé era sempre o tema mais discutido.
Os candidatos faziam promessas de aumentar a produção de picolés, e
os partidos de esquerda prometiam medidas para democratizar o picolé.
Mas havia os pobres, que não tinham dinheiro para comprar picolés,
que eram coisa de gente rica. Em vez de picolés, eles comiam
cachorros-quentes. Comer cachorro-quente era marca de pertencer a uma
classe social inferior.
Os picolés eram fornecidos por um empresário que tinha uma fábrica de
picolés. Ele fabricava picolés brancos, amarelos, vermelhos e verdes.
Os mais procurados e mais caros eram os picolés brancos. Só os ricos
mesmo podiam chupar picolés brancos.
A empresa do dito empresário produzia 50 picolés por dia. Mas, como
havia, diariamente, mais de mil pessoas querendo chupar picolé,
sempre sobravam mais que 950 pessoas insatisfeitas. Queriam chupar
picolé e não podiam.
Um outro empresário percebeu que ali se encontrava um mercado
maravilhoso! Era lucro certo montar uma fábrica de picolés. Montou
uma segunda fábrica de picolés.
Mas ela também só tinha capacidade para produzir 50 picolés. Ficava
uma população de mais de 900 pessoas sem chupar picolé. Um outro
empresário pensou como o segundo e fez também sua fábrica de picolés,
que também produzia 50 picolés.
Vendo o que estava acontecendo, o primeiro empresário teve uma idéia
de gênio: duplicar a produção de picolés. Sua fábrica, em vez de
produzir picolés somente durante o dia, passou a produzir picolés
também durante a noite -no que foi rapidamente imitada pelos outros.
Mas, como a população crescia, crescia também o número de pessoas
frustradas por não haver picolés que chegassem para todos. Esse,
portanto, era um mercado maravilhoso, inesgotável. Investir no
mercado de picolés era lucro certo.
Troque "picolés" por "ensino superior" e você compreenderá a minha
parábola. O sonho de todo pai e de toda mãe, com aspirações de
ascensão social, era que o seu filho "tirasse diploma". Diploma era
garantia de sobrevivência. Emprego certo. Mais do que isso: status.
O orgulho da mãe que proclamava: "Meu filho vai tirar diploma de
médico". Um diploma universitário passou a ser o desejo supremo dos
pais para os seus filhos.
Mas entrar na Universidade não é coisa fácil. Muitos são os que
querem; poucos são os que conseguem. Os que não conseguem ficam
olhando com inveja para seus amigos e companheiros que conseguiram.
Os resultados numéricos dos vestibulares revelam: 1) o tamanho do
mercado, o total dos que se inscreveram: quantos querem chupar picolé;
2) o número dos que entraram: quantos picolés foram produzidos e
consumidos; 3) a população frustrada, que não passou, que deseja um
picolé a qualquer preço.
Essa população de insatisfeitos é um mercado com infinitas
possibilidades. Quem investe nele tem ganho certo. A criação de
faculdades e Universidades se tornou, então, um dos negócios mais
seguros do momento.
Somente isso explica a proliferação de faculdades novas e os
sucessivos vestibulares, até no meio do ano. Se a demanda existe,
nada mais racional, do ponto de vista comercial, do que ampliar
a oferta. Mas as Universidades nao vendem picolés, vendem chaves.
Picolés produzem prazer imediato. Eles são para ser chupados e
gozados. Ao final, joga-se o pauzinho fora e compra-se outro.
Mas "chaves" só tem sentido se abrem portas. As chaves que as
Universidades e faculdades produzem só são boas se abrem as portas do
trabalho.
São milhares de diplomados com suas chaves na mão; mas onde estão as
portas? E, de repente, a dura realidade: muitos são os diplomados com
chaves na mão, mas poucas são as portas.
Os que ficam com chaves na mão sem portas para abrir não tem
alternativa: terão de trabalhar nos supermercados, shoppings,
restaurantes, ou se tornam fabricantes de suco ou ficam desempregados.
Uma noite, na cidade de Nova York, comecei a conversar com o motorista
de táxi, e ele me disse que era doutor em física, pelo MIT.
São milhares os diplomados que anualmente são jogados no mercado com
suas chaves: médicos, engenheiros, fonoaudiólogos, psicólogos,
economistas, pedagogos, advogados, dentistas, jornalistas, biólogos,
físicos, sociólogos, geógrafos.
Nada irá resolver o problema da relação entre chaves e portas. Não se
pode aumentar o número de portas como se aumenta o número de chaves.
Uma vez sugeri que cada estudante cursando um curso universitário
"nobre" deveria, ao mesmo tempo, aprender um ofício que seria
oferecido pela própria Universidade: marceneiro, jardineiro,
serralheiro, mecânico, pedreiro, pintor. Acharam que era gozação.
Não era; continuo com a mesma idéia.
De tudo, restam essas duas verdades: 1) fundar Universidades e
faculdades é uma opção econômica esperta e garantida; 2) muitos serão
os que ficarão com as chaves na mão sem portas para abrir.
Fonte : Folha de SP, 25junho2000
Nota do Editor: O autor é educador, escritor, psicanalista e professor
emérito da Unicamp.
Estudos realizados pela ONU mostram que um fenômeno antigo tem se
intensificado: profissionais especializados formados em paises pobres
estão cada vez mais deixando suas nações para trabalharem em paises
desenvolvidos, onde envelhecimento da população, novas tecnologias e
crescimento geram uma carência de mão-de-obra qualificada.
O exemplo mais significativo é o da India. Entre 40% e 50% dos
profissionais formados em Universidades desse país iniciam suas
carreiras profissionais no exterior, principalmente na área de
informática.
Não se trata, porém, apenas de uma emigração de pesquisadores e
técnicos altamente especializados. Nas Filipinas, cerca de 3 mil
enfermeiras deixam anualmente o país em busca de salários muito
melhores nos paises desenvolvidos.
Esse quadro sugere algumas reflexões. Primeiro, os paises
periféricos conseguem formar mão-de-obra qualificada. Segundo, a
despeito das necessidades de suas populações, muitas vezes esses
paises não conseguem criar as condições econômicas necessárias para
poder aproveitar esses profissionais.
No Brasil, a situação não parece tão grave, mas ainda assim preocupa.
Os profissionais de nível superior que deixam o país são em geral
altamente especializados, deixando de realizar pesquisas e desenvolver
projetos que beneficiem Universidades e empresas brasileiras.
Entidades de apoio à pesquisa não parecem estar preocupadas com a
divulgação de dados precisos sobre o assunto.
Em geral, brasileiros qualificados que vão trabalhar no exterior tem
desejo de regressar ao país, mas nem sempre conseguem condições de
trabalho para isso.
Vale, então, notar que, quando um país gasta recursos para formar
pesquisadores e profissionais qualificados, ele reconhece a
importância de suas atividades.
Assim, é razoável cobrar que esse país crie as condições de
aproveitamento desses profissionais.
Fonte: Folha de SP, 24junho2000.
Secretaria Geral SBQ