INVESTIGAÇÃO DA ESTABILIDADE DE MATERIAIS BIOCOMPATÍVEIS POR ANÁLISE MICROESTRUTURAL


Cláudia E. B. Marino (PG), Romeu C. Rocha-Filho (PQ), Nerilso Bocchi (PQ) e

Sonia R. Biaggio (PQ)

Departamento de Química, Universidade Federal de São Carlos, 13565-905

São Carlos-SP, Brasil. e-mail: biaggio@power.ufscar.br


Palavras-chave: Ti6Al4V, corrosão, análise microestrutural.


Vários tipos de ligas de Ti são utilizadas em aplicações na área médica, como implantes cirúrgicos e odontológicos, sendo o Ti e a liga Ti6Al4V os materiais mais empregados. O sucesso clínico destes materiais é decorrente de suas boas propriedades mecânicas, resistência à corrosão e biocompatibilidade [1]. O Ti e suas ligas estão normalmente recobertos por uma fina camada de óxido protetor (espontâneo), mas no processo eletroquímico de deterioração (corrosão/dissolução) ocorre a liberação de íons metálicos para o meio; no caso de um material implantado, para o corpo humano. Deste modo, a biocompatibilidade e a integridade mecânica dos implantes metálicos poderão ser afetadas. As propriedades de um material dependem da sua estrutura, a qual depende de numerosos fatores como natureza dos elementos, presença e localização de impurezas, precipitados, morfologia, densidade de grãos, tratamentos térmicos, distribuição de elementos, fases, etc [2,3]. Assim, para definir as propriedades de um material, não basta conhecer sua composição, mas também suas condições microestruturais. Para tal, deve-se utilizar a metalografia, uma técnica singular, pois permite identificar as fases presentes nos metais e demais características microestruturais. Sendo assim, este trabalho teve como objetivo, a análise metalográfica dos materiais biocompatíveis Ti e da liga Ti6Al4V para avaliar suas condições microestruturais e, posteriormente, realizar uma análise comparativa com a estabilidade dos óxidos protetores crescidos eletroquimicamente sobre a superfície do Ti (monofásico) e Ti6Al4V (bifásico).

Para a análise do comportamento eletroquímico dos filmes de óxido, foi utilizada a técnica de voltametria de varredura linear de potenciais (VVLP), tendo como potencial inicial -1,0 V e final +7,0 V vs. ECS em solução de PBS - "phosphate buffer saline" (NaCl 8,77 gL-1, Na2HPO4 3,58 gL-1, KH2PO4 1,36 gL-1), que simula um meio fisiológico, a temperatura ambiente. O polimento dos eletrodos de trabalho (ATi: 0,28 cm2 e ATi6Al4V: 1,33 cm2) foi feito com lixas de granulação 500 e 600. Já para a análise metalográfica foi feita a preparação das amostras que inclui a escolha da secção a ser estudada, obtenção de uma superfície plana e polida e, finalmente, ataque com o reativo Kroll (6 mL HNO3, 1 mL HF, 1000 mL H2O), específico para Ti e suas ligas. Para a análise das superfícies foi utilizado um microscópio metalográfico óptico.

O perfil voltamétrico obtido para o Ti, num intervalo de potenciais de -1,0 V a +7,0 V, indica a presença de um óxido protetor que dificilmente sofre redução, ou seja, se mantém estável na superfície do titânio protegendo-o contra os processos corrosivos, em meio de PBS. Já quando se trata da liga biocompatível Ti6Al4V, no mesmo intervalo de potenciais e eletrólito, ocorre um processo de corrosão / dissolução do óxido, caracterizado pela histerese observada no perfil voltamétrico [4]. A princípio, os elementos de liga como Al e V, que são adicionados ao Ti para melhorar sua resistência mecânica, aumentam a velocidade de dissolução anódica do titânio no seu estado passivo e podem ser preferencialmente liberados num processo de dissolução [5,6]. Mas, como já foi mencionado anteriormente, não é possível levantar hipóteses fundamentadas apenas na composição química da liga. Sendo assim, foi necessária a análise microestrutural do Ti e da Ti6Al4V. O Ti é um elemento alotrópico, apresentando a estrutura cristalina hexagonal compacta a temperatura ambiente denominada fase a. Essa estrutura cristalina se transforma em cristais cúbicos de corpo centrado a temperatura de 883oC, denominada fase b.


Figura 2: Fotomicrografias das superfíces do Ti puro (a) e da liga Ti6Al4V (b).

Aumento 200x (a)

Aumento 200x (b)


A Fig. 2a mostra a microestrutura típica de um material monofásico, apresentando fase a, a temperatura ambiente. Observa-se claramente os contornos dos grãos e a homogeneidade dos seus tamanhos. Nota-se também regiões claras e escuras, que indicam orientações diferentes dos planos cristalográficos. A liga Ti6Al4V é constituída microestruturalmente de duas fases denominadas fase a e b. A fase a possui estrutura cristalina hexagonal compacta (hcp) e a fase b estrutura cúbica de corpo centrado (ccc). O Al como elemento de liga no Ti estabiliza a fase a enquanto que adições de V estabilizam a fase b. A microestrutura equiaxial da liga bifásica Ti6Al4V está mostrada na Fig.2b. Nota-se a presença das fases a (clara) e b (escura). Assim, comparando-se a estabilidade do óxido crescido sobre um material monofásico (Ti) e a instabilidade do óxido crescido sobre um material bifásico (Ti6Al4V), pode-se levantar a hipótese de que os elementos de liga estejam conferindo instabilidade ao filme de óxido, tornando-o vulnerável à corrosão. Testes analíticos indicaram a presença de Al, na forma de Al3+ em solução (limite de detecção 0,7 mg) e ausência de V (limite de detecção 2,5 mg) [7]. Deste modo, estaria ocorrendo um processo de dissolução seletiva da fase a, rica em alumínio, alterando assim o potencial crítico de corrosão, em meio contendo íons cloreto numa concentração de 0,13 M [8]. A análise dos resultados mostra que, em solução PBS, o filme de óxido protetor mantém-se estável na superfície do material monofásico Ti (Ef = +7,0 V), enquanto que o óxido formado no mesmo potencial sobre o material bifásico Ti6Al4V sofre corrosão/dissolução, devido aos efeitos microestruturais não favoráveis do Al e V, que aumentam a velocidade de dissolução anódica do Ti.


FAPESP

Referências Bibliográficas:

1.Williams, D., Concise encyclopedia of medical & dental materials. Oxford, Pergamon Press, 1990.

2. Bousfield, B. Surface Preparation and Microscopy of Materials. Wiley, Londres, 1992.

3. Schmidt, H.; Konetschny, C. & Fink, U. Mat. Sci. Technol., 14, 592, 1998.

4. Pourbaix, M. Biomaterials, 5, 122, 1984.

5. Tomashov, N.D.; Chernova, G.P.; Ruscol, Y.S. & Ayuyan, A. Electrochimica Acta, 19, 159, 1974.

6. González, J.E.G. & Mirza-Rosca, J.C. J. Electroanal. Chem., 471, 109, 1999.

7. Frauchiger, L.; Taborelli, M. & Descouts, P. Applied Surface Science, 115, 232, 1997.

8. Zwilling, V.; Aucouturier, M. & Darque-Ceretti, E. Electrochimica Acta, 45, 921, 1999.