A QUÍMICA DA PURIFICAÇÃO DO OURO NO BRASIL DO SÉCULO XIX: UMA LEITURA DAS MEMÓRIAS DE DOMINGOS VANDELLI


Robson Fernandes de Farias (PQ)

Departamento de Química, Universidade Federal de Roraima, UFRR

69310-270, Boa Vista, Roraima.


palavras-chave: ouro, purificação, século XIX


Há poucos anos atrás, o uso indiscriminado do mercúrio para a purificação do ouro extraído de garimpos autorizados ou ilegais, em Roraima e outros estados da região norte, constituiu-se em problema ambiental preocupante. No Brasil do século XIX contudo, o uso do mercúrio era limitado em função da sua falta ou do seu alto custo, procurando-se então formas alternativas de purificar-se o ouro encontrado.

Em suas memórias, escritas na segunda metade do século XIX, e publicadas nos Anais da Biblioteca Nacional [1], o naturalista Domingos Vandelli nos fornece um quadro da situação existente com relação aos métodos de ensaio, extração, e purificação do ouro então utilizados no Brasil.

Vandelli inicia suas memórias queixando-se de que a a exploração das minas de ouro do Brasil está entregue às mãos de pessoas ignorantes de mineralogia, e que faz-se necessária a presença de pessoas inteligentes, que instruam os mineiros, mas para isso, diz Vandelli:

“Não é preciso vir estrangeiros, estando já muitos nacionais instruídos na mineralogia e química, aos quais somente falta uma instrução prática em grande, a qual podem adquirir em dois ou três anos, viajando à Alemanha”.








Com relação aos ensaios químicos utilizados para se detectar a presença do ouro nos minerais, Vandelli critica os ensaiadores da casa da moeda do Brasil:

“Os ensaiadores desta casa da moeda desconhecem totalmente a platina, e ignoram o método de a distinguir do ouro, resistindo esta igualmente ao ouro à cupelação, e sendo tão bem solúvel em água régia, de forma que o ouro, que eles chamam preto, e que há mais esbranquiçado, contém bastante porção deste novo metal, e supõem os ditos ensaiadores tê-lo reduzido com as purificações à 24 quilates, quando verdadeiramente pela mistura da dita platina, às vezes não chegam a 18 quilates”.











Com relação aos ensaios químicos, continua ainda:


“Querendo experimentar se um mineral ou uma pirita contém ouro, se deve dissolver a dita pirita com ácido nitro fumante, o qual dissolve tudo, excetuando o ouro, e enxofre, que fica no fundo do vaso; e se a pirita é arsenical, antes da dissolução se deve torrar; deste modo se tira muita mais quantidade de ouro, que com a cupelação”.













No capítulo referente ao processo de purificação do ouro, Vandelli nos traz uma visão panorâmica dos métodos utilizados no Brasil do século XIX, alguns dos quais talvez fossem menos prejudiciais do ponto de vista ambiental, do que os atualmente empregados.


“Para aproveitar todo o ouro, que pelas lavagens não se separa da areia, ou dos fragmentos quartzosos, ou dos cristais, não podendo servir-se do mercúrio, como usam os Castelhanos, é menos dispendioso, e mais útil, fazer-se uso da fusão.

Querendo extrair-se o ouro intimamente unido às partículas de areia ou do quartzo, é necessário por em braza as ditas areias, a apagá-las na água, e fazer isto por três ou quatro vezes. Misturam-se a 16 partes desta areia calcinada, 4 partes de álcali extraído das cinzas de árvores, 3 partes de carvão, e 32 partes de litargirio (PbO). Funde-se esta mistura mechendo algumas vezes com uma vara de ferro. Resfriada esta matéria, e separadas as escórias, se acha no fundo o chumbo que contém o ouro, o qual se deve copelar, e fazer a partiças para separar a prata, com água forte (HNO3), ou água régia”





















Criticando o desperdício decorrente do método então utilizado para purificação do ouro pela casa da moeda do Brasil, Vandelli descreve-o:


“O métdo que usam nesta casa da moeda para purificar o ouro, e com a mistura do cobre reduzido à 22 quilates, é o seguinte: fundem o ouro em cinco cadinhos, cada um em uma forja separada, e lançam por várias vezes salitre (NaNO3), e acabadas as reiteradas detonações, em cem marcos de ouro lançam mais de 20 arrates de sublimado corrosivo. Assim, cem marcos de ouro purificado perde seis, até sete marcos. As escórias, que subministram os cem marcos, raras vezes passam de três ou quatro marcos, e de cem marcos destas escórias ferríneas, o mais que se pode ainda extrair do ouro são três marcos e meio, de modo que o mais que ouro falta, ou foi volatilizado pela grande quantidade de sublimado corrosivo (HgCl2) ou lançado fora dos cadinhos pelas detonações do salitre, ou penetrado nos cadinhos, o que eu verifiquei muitas vezes nesta casa da moeda”.














Vandelli nos descreve ainda, detalhadamente, os métodos que utilizavam bismuto ou antimônio na purificação do ouro.


[1] Vandelli, D., Sobre as minas de ouro do Brasil, Annaes da Bibliotheca Nacional, Volume XX, pág. 266, Rio de Janeiro, 1898.

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