A QUINTESSÊNCIA DE IRVING LANGMUIR


Marcos Gugliotti (PG)

Departamento de Físico-Química, Instituto de Química, USP-São Paulo


palavras-chave: Irving Langmuir, físico-química de superfície, ciência na indústria


Irving Langmuir foi o primeiro químico não-acadêmico (e o segundo americano) a receber o Prêmio Nobel, em 1932, "por suas excepcionais descobertas e invenções no campo da Química de Superfície". Suas contibuições à Físico-Química de Superfície, sem a menor dúvida, justificam o prêmio recebido. No entanto, o que infelizmente é pouco notado (principalmente pelos químicos), o trabalho de Langmuir atingiu diversos campos da ciência, com importância fundamental, passando pelo estudo do átomo1 e chegando até a ciência atmosférica2. Nascido em 31 de Janeiro de 1881, no Brooklyn, NY, Irving foi encorajado desde cedo por seus pais, Charles Langmuir e Sadie Comings Langmuir, a observar cuidadosamente a natureza e a manter um registro detalhado destas observações. A curiosidade de Langmuir por questões básicas da ciência como "por que a água ferve?" ou "por que a chuva cai?" era sanada em parte pelo químico Arthur Langmuir, que muito o influenciou, e que pacientemente respondia todas as perguntas de seu irmão mais jovem. O interesse multidisciplinar de Langmuir já mostrava sinais quando ele optou por se graduar em Engenharia Metalúrgica pela Columbia University, em 1903, escolhendo este curso porque "ele era forte em Química, continha mais Física que o curso de Química, e mais Matemática que o curso de Física", como ele declarou mais tarde. Como todo estudante americano daquela época, Langmuir foi para a Alemanha obter o grau de Doutor, escolhendo (o que o fututro revelaria ter sido a decisão certa) a Universidade de Göttingen, sob a orientação de Wather Nerst (que receberia o Prêmio Nobel em 1920). Seu doutorado envolveu o estudo da dissociação de gases em filamentos incandescentes. Após receber o título de Doutor em 1906, Langmuir assumiu o cargo de Professor no Departamento de Química do “Stevens Institute of Technology”, em New Jersey, com aparentemente pouca oportunidade para pesquisa, publicando no intervalo de 3 anos apenas um artigo sem resultados experimentais. Em 1909, Dr. Willis R. Whitney, Diretor do Laboratório de Pesquisas da General Electric (GE) em Schenectady, NY, ofereceu à Langmuir um trabalho durante o verão. Langmuir, desapontado com a Universidade, aceitou a proposta. Seu trabalho impressionou Whitney, e então, no outono de 1909, Langmuir mudou-se para Schenectady para trabalhar no laboratório de pesquisas da GE, iniciando assim o que viria a se tornar o mais espetacular exemplo do trabalho de um cientista na indústria.

O primeiro trabalho de Langmuir na GE foi motivado pela sua pesquisa no doutorado, enfocando o problema da perda de luminosidade de uma lâmpada pelo escurecimento da parede interna do bulbo. O segundo foi relativo ao fato de que o vácuo dentro do bulbo tornava-se mais eficiente com o tempo. Os estudos nesta área, objetivando a compreensão dos fenômenos envolvidos, levaram ao seu primeiro (e um dos mais importantes) invento: a lâmpada elétrica incandescente3.






Ao mesmo tempo, os estudos na área de transferência de calor em vários gases em contato com filamentos quentes mostrou que o hidrogênio molecular se dissociava. Langmuir descobriu então o hidrogênio atômico4, e inventou também o maçarico de hidrogênio, o qual atinge uma temperatura altíssima, e é usado para soldar metais não afetados pelo maçarico de oxiacetileno. Os primeiros anos de trabalho na GE, sem dúvida, mostraram-se extremamente produtivos. Além dos inventos com enormes aplicações práticas, Langmuir também contribuiu para o aperfeiçoamento de outros produtos da GE. Os estudos que resultaram na lâmpada incandescente, uma descoberta que gerou a economia de milhões de dólares em eletricidade, levaram à teoria de adsorção de gás e catálise heterogênea5, estabelecendo Langmuir como o pioneiro na Química de Superfície Moderna. Neste estudo, Langmuir descreve a importância de reações em camadas monomoleculares, contrariando a idéia geral até então adotada. Deste trabalho também surgiu a expressão matemática que relaciona a concentração superficial em função da pressão na fase gasosa, hoje conhecida como "Isoterma de Adsorção de Langmuir". Em 1916 e 1917, Langmuir publicou dois artigos monumentais sobre as propriedades fundamentais dos sólidos e líquidos6, estabelecendo com isso a base de seu Prêmio Nobel. Langmuir também contribuiu significativamente para o entendimento do fenômeno da transferência de calor, tanto em gases como em equipamentos7. Entre 1919 e 1921, Langmuir se preocupou com a estrutura atômica, publicando alguns artigos na área. Ele formulou matematicamente a Teoria do Octeto1, cujo nome foi dado por ele também, definiu e explicou o termo “valência”, introduziu os nomes “dupla-ligação” (Langmuir era um artífice em dar nomes), “ligação polar”, e “plasma”. Langmuir ainda explicou os termos “isoeletrônico”, “isômeros”, e “isóbaros”. Pouquíssimos livros-texto reconhecem a importância do trabalho de Langmuir em relação ao átomo. Ele trabalhou para o governo americano durante as Guerras Mundiais, ajudando no desenvolvimento de radares, cortinas de proteção de fumaça, degelo das asas de aeronaves, etc.. Não satisfeito, aos 65 anos de idade, Langmuir resolveu deliberadamente modificar o tempo, pulverizando núvens com gelo seco e cristais de iodeto de prata2.

O presente trabalho tem o objetivo de “apresentar aos químicos” uma visão geral da pesquisa de Langmuir, destacando suas invenções práticas e suas contribuições à teoria atômica. Tomando como exemplo o seu trabalho na GE, é também discutida brevemente a importância de um cientista na indústria.


Referências: 1) William B. Jensen, "Adegg, Lewis, Langmuir, and the Octet Rule", Journal of Chemical Education, 61, 191 (1984); 2) M. L. Kastens, "Weather to Order", Chemical and Engineering News, 29, 1090 (1951); 3) I. Langmuir, U.S. Patent no 1,180,159, April 16, 1916; 4) I. Langmur, "The Dissociation of Hydrogen into Atoms", J.A.C.S., 34, 860 (1912); 5) I. Langmuir, "Chemical Reactions at Low Pressures", J.A.C.S., 37, 1139 (1915); 6) I. Langmuir, “The Constitution and Fundamental Properties of Solids and Liquids: I. Solids”, J.A.C.S, 38, 2221 (1916); e “II. Liquids”, ibid, 39, 1848 (1917); 7) I. Langmuir et al., “Flow of Heat thru Furnace Walls: the Shape Factor”, Transactions of the American Electrochemical Society, 24, 53 (1913).

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