SBQ - BIÊNIO (2000/2002) BOLETIM ELETRÔNICO No 178




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Veja nesta edição:
  1. Reserva Biológica: Sobre o cordo Bioamazonia-Novartis
  2. Congresso adia lei de recursos genéticos - acordo Bioamazonia-Novartis reabre debate
  3. Planificação e continuidade na pesquisa científica, artigo de Roberto A. Salmeron
  4. Conceito de um cientista idoso, artigo de Herman Lent
  5. Universidade e Elite, editorial da "Folha de SP"
  6. SARX 2000 - Apresentação de trabalhos até 10 de julho de 2000.

  1. Reserva Biológica: Sobre o cordo Bioamazonia-Novartis

Se há algum consenso nos meios científico e governamental é o do grande valor que terá, daqui para a frente, a biodiversidade, a variedade de espécies de todos os reinos.

Acredita-se que esses seres vivos, principalmente plantas e microrganismos, possam conter os principios ativos de inúmeros fármacos ainda não descobertos.

Ganha importância inaudita a Amazônia, que, segundo alguns cálculos, responderia por metade da biodiversidade do planeta. Isso é otimo para o Brasil, que é o pais detentor da maior parte da Amazônia.

Ocorre, porém, que, enquanto esse potencial biológico não for explorado, tudo isso não passará de uma reserva, de uma promessa apenas, sem utilidade prática imediata.

Foi oportuna a criação, pelo governo, da BioAmazonia, a Associação Brasileira para o Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia, que teria por finalidade explorar esse enorme potencial. É de estranhar, contudo, que a entidade tenha sido instituida antes mesmo que a legislação que deveria regular sua atuação fosse aprovada pelo Congresso Nacional. Mais estranho ainda é o acordo que a Bioamazonia celebrou com a multinacional farmacêutica Novartis, para a identificação de microrganismos e desenvolvimento de novas drogas. Não vale a pena entrar nos detalhes desse contrato.

Basta dizer que recebeu fortes e consistentes críticas da comunidade científica e do próprio governo federal.

Mais do que um lapso pontual, a iniciativa da Bioamazonia é fruto de uma política viciada, em que o anuncio de um fato e a criação de alguns cargos ganham mais importância do que a viabilidade daquilo que se procura implementar.

E é óbvio que, antes de criar a entidade, é preciso estabelecer o que ela pode ou não fazer, suas atribuições e competências.

Sem isso, o órgão já nasce sob o signo da irracionalidade e do improviso. O patrimônio biológico é extremamente importante não só para o Brasil, mas para a humanidade.

Fonte: Folha de SP, 12junho2000


  1. Congresso adia lei de recursos genéticos - acordo Bioamazonia-Novartis reabre debate

Os quatro projetos de lei que regulam o acesso aos recursos genéticos do país estao parados na Câmara, à espera de uma comissão especial para discutir o assunto.

A falta de uma lei regulando a questão ficou evidente com o recente acordo entre a organização BioAmazonia e a multinacional farmacêutica Novartis.

Setores da comunidade científica reagiram ao acordo para prospecção de microrganismos na Amazônia, que consideraram potencialmente lesivo aos interesses brasileiros. Um dos problemas detectados é a inexistência de legislação sobre o tema.

O vácuo legal foi apontado em reportagem anterior da "Folha de SP" pela presidente da SBPC, Glaci Zancan.

Líderes de todos os partidos já indicaram os 34 membros da comissão, que deveria ter sido instalada no último dia 7. Isso não ocorreu, por falta de quorum. Nova reunião de instalação foi marcada para depois de amanhã.

O líder do governo na Câmara, Arnaldo Madeira (PSDB-SP), afirmou que o governo tem interesse em instalar a comissão, mas que é difícil prever se isso será possível ainda neste semestre.

Segundo Madeira, há duas dificuldades: o número excessivo de comissões especiais (37 instaladas e 15 prontas para instalação) e as convenções partidárias deste mês, que reduziram o número de parlamentares em Brasília.

A senadora Marina Silva (PT-AC), autora do principal projeto em tramitação, teme que o governo baixe medida provisória ou decreto sobre o assunto, em vez de orientar sua bancada a discutir os projetos existentes - entre eles, um do próprio governo.

Madeira disse que não há essa orientação. A intenção também foi negada pelo diretor do Programa Nacional de Conservação da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, Braulio Dias.

Há quatro projetos sobre o assunto, mas o de Marina Silva, de 1995, tem prioridade, por ter sido aprovado pelo Senado e chegado à Câmara antes que os outros fossem apresentados.

Por isso, o Senado terá a palavra final. O projeto do governo foi apresentado em 1998. Os outros dois projetos são de Jacques Wagner (PT-BA) e Silas Camara (PTB-AM).

Além desses quatro projetos de lei, está em tramitação -já em fase mais adiantada- proposta de emenda constitucional do Executivo que inclui entre os bens da Uniao "o patrimônio genético, exceto o humano".

Os projetos tem vários pontos polêmicos, mas Braulio Dias disse que há possibilidade de acordo. "As convergências são maiores que as divergências", disse.

Para ele, há apenas duas divergências importantes: as definições de recurso e patrimônio genético e o regime de proteção do conhecimento tradicional de povos indígenas ou comunidades tradicionais.

Para o advogado André Lima, do Instituto Socioambiental (ISA), que fez um estudo comparativo dos projetos, "o que está em jogo é o interesse do governo em negociar sem restrições o patrimônio genético, para levantar dinheiro".

Segundo Lima, o projeto do governo dá à União todo o poder de decisão sobre o que considera patrimônio genético do país, inclusive conhecimentos de povos indígenas e comunidades tradicionais.

A advogada Gisele Alencar, presidente interina da Comissão de Direito Ambiental da OAB-DF, disse que é crucial na discussão desses projetos estabelecer o que é patrimônio genético. Para ela, o conceito do governo é amplo demais, por incluir a informação de origem genética na definição de patrimônio genético.

Gisele acha mais apropriadas as definições do projeto de Marina Silva, que seguem a Convenção sobre Diversidade Biológica aprovada na conferência Eco-92 e ratificada por 170 paises.

O acordo da organização social BioAmazonia com a multinacional Novartis para pesquisa de recursos genéticos na Amazonia deverá ser contestado na Justiça, se for realmente efetivado. O Ministério Público Federal está estudando os termos do acordo, com a intenção de anulá-lo na Justiça.

O acordo ainda depende de ratificação pelo conselho de administração da BioAmazonia, que deve reunir-se nas próximas semanas.

O diretor do Programa Nacional de Conservação da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, Braulio Dias, afirmou que o acordo é irregular.

"A BioAmazonia tem um contrato de gestão com o governo. Por força desse contrato, não pode assinar acordos sem a participação do Ministério do Meio Ambiente".

A posição da BioAmazonia sobre o documento está no site da organização .

Segundo a entidade, a assinatura do acordo é permitida pelo seu estatuto, elaborado à luz da lei 9.637, de 98, que dispõe sobre as organizações sociais.

"Nem todas as ações da BioAmazonia devem necessariamente restringir-se ao que foi pactuado no referido contrato", diz a entidade.

Uma das metas da associação, segundo o contrato, é buscar recursos para sua auto-sustentaçãao, por meio de parcerias com empresas do setor e instituições financeiras.

Fonte : Folha de SP, 12junho2000


  1. Planificação e continuidade na pesquisa científica, artigo de Roberto A. Salmeron

Em todos os países a pesquisa científica começou com iniciativas individuais, estimuladas pela curiosidade. Atingindo certo nível de desenvolvimento, com a variedade de campos de atividade e aumento do número de pesquisadores, ela necessita de planificação.

A arte de planificar a pesquisa num país moderno consiste em utilizar a competência de seus cientistas de todas as áreas para que eles orientem na definição das prioridades e, uma vez definidas as prioridades, não interferir na iniciativa dos cientistas. Eles sabem o que devem fazer.

Planificação pressupõe continuidade de amparo. E este é o grave problema que o Brasil tem de resolver, se quiser que sua ciência progrida: tornar ininterruptos os processos de financiamento, para manter a continuidade dos projetos e das pessoas de geração para geração.

Não temos política científica. Temos instituições que, em certos aspectos, desempenharam papel importante no desenvolvimento científico do país, como o MCT, o CNPq, a Capes, a Finep e algumas FAPs.

Mas a existência dessas instituições não significa política científica no sentido de planificação nacional com prioridades definidas. A instituição que tem ação mais significativa no amparo à pesquisa é a Fapesp, precisamente por causa da continuidade: governos sucessivos do Estado de SP tem cumprido a lei, simplesmente.

É lamentável o que se passa em outros Estados, cujas FAPs ou tem verbas desviadas, ou são suprimidas. Nas instituições federais, das quais o exemplo mais alarmante é o CNPq, a competência de seus dirigentes não pode compensar as deficiências de infra-estruturas que foram enfraquecidas com o correr do tempo.

O que devemos entender por planificação? Vamos citar sumariamente um exemplo, entre muitos. Governos de paises avançados da Europa, entre eles a Alemanha e a França - nos quais se revê periodicamente a evolução da ciência no mundo -, com assessoria de eminentes pesquisadores estabeleceram prioridades científicas para os próximos anos.

Três ciências serão prioritárias: as Ciências da Vida, isto é, a Biologia e a Medicina, na fase pós-genoma: a Informática, ou, de modo geral, a Ciência da Informação, com prioridade implicita à Matemática: e as Ciências Humanas, devido aos problemas inerentes à evolução da sociedade. Prioridade a essas ciências significa que à elas serão destinados acréscimos de orçamento, sem detrimento do apoio às outras. Este é exemplo de visão longa.

Com o frágil amparo à ciência brasileira, o presidente da República anunciou, em 3 de abril, a criação de fundos com cerca de R$ 1,2 bilhões para pesquisa em certos setores.

Uma verba inesperada para a pesquisa é sempre recebida com satisfação, acrescida com as palavras do presidente que "é preciso que haja também mecanismos que garantam a continuidade desses recursos".

No entanto, a leitura atenta da declaração nos mostra que a satisfação deve ser moderada por grande cautela e boa dose de preocupação, por vários motivos.

O primeiro, grave, é que as medidas anunciadas tem ar de improvisação. Se o governo poderá obter quantia tão vultosa para a ciência e a tecnologia, é surpreendente que não tenha sido feito estudo minucioso, sério, das necessidades reais antes de se decidir em que setores aplicar o dinheiro.

O segundo motivo de preocupação é que cientistas ativos, conhecedores da ciência nacional e internacional, não foram chamados para assessorar na escolha.

O terceiro motivo de preocupação é que somente 20% dos fundos poderão ser utilizados para as Universidades Federais, e um fundo específico irá para o Ministério da Educação.

A maior parte será utilizada por empresas. Mas, será utilizada verdadeiramente em pesquisa tecnológica? Para essas empresas, a palavra « pesquisa » teria o mesmo significado que para os centistas?

O quarto motivo de preocupação, entremeado dos dois ultimos, é que parece estar se considerando que o cientista « puro » nao sabe o que é tecnologia ou não quer dar atenção a ela.

É preciso lembrar que se faz pouca pesquisa tecnológica no Brasil, não por desinteresse dos cientistas, mas porque as indústrias não se interessam: as multinacionais fazem pesquisa nos paises de origem, e as nacionais sofrem de uma deficiência cultural - não tem o hábito.

O quinto motivo é que transparece claramente o erro de pensar que é possível ter boa pesquisa tecnológica sem boa e extensiva pesquisa básica. Este erro, no Brasil, é uma espécie de doença nacional.

Nos paises tecnologicamente desenvolvidos, como os EUA, as indústrias mais importantes solicitam aos governos que deêm apoio maciço à pesquisa fundamental nas Universidades, para que elas possam receber cientistas, engenheiros e técnicos bem formados, capazes de manter a vanguarda.

Essas procupações geram outras questões. Quem vai utilizar as verbas, e como? Que papel terão os cientistas na definição das opções ? Não seria a ocasião de convocar pesquisadores do mais alto nível, que temos em todas as ciências, para que orientem nas opções, fazendo-se assim, pela primeira vez em nossa história, uma planificação nacional ?

Com planificação nacional, não poderíamos estimular pesquisa tecnológica em campos que sabemos serem da maior importância para o futuro, nos quais há pouca ou nenhuma atividade entre nós?

E não poderíamos também começar a equilibrar a grande diferença de amparo à pesquisa existente entre SP e outros Estados ?

Em resumo, não estamos perdendo excelente oportunidade de reorientar a ciência em setores básicos?

A quantia de dinheiro anunciada é colossal. Como comparação, ela é igual a 30% da verba anual do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) da França, para financiar totalmente todas as pesquisas em 47 setores científicos diferentes e o pagamento de salários de 11460 pesquisadores e 12430 engenheiros e técnicos, e trabalhos de tese de 18000 estudantes.

Se eliminarmos os salários nesta comparaçãao, o fundo previsto é superior ao que o CNRS gasta por ano em todas as sua pesquisas.

É difícil prevermos as consequências do projeto, se for realizado. Mas, com a experiência de todo o mundo nestes assuntos, podemos prever pelo menos uma: se não for dada à pesqusia básica a importância que ela deve ter, o projeto dificilmente terá êxito proporcional ao esforço econômico envolvido.

Fonte : Correio Braziliense, 11junho2000

Nota do Editor: Salmeron é diretor de Pesquisa Emerito no Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), e trabalha na Ecole Polytechnique, na Franca.


  1. Conceito de um cientista idoso, artigo de Herman Lent

Uma das obrigações da inteligência é a preservaçào da memória. Por isso é importante relembrar o que aconteceu há exatamente 30 anos, durante um período de nossa história marcado por conflitos, agressões, injustiças e ódio.

É verdade que nada disso pode impedir o crescimento do país, que é visível embora vegetativo, não acompanhando de nenhum modo o que se poderia desejar para uma nação fisicamente tão grande e rica.

O desenvolvimento das ciências no Brasil, nos Anos 70, não podia deixar de acompanhar esse crescimento vegetativo. Surgiram novos cientistas, ampliou-se quantitativamente o quadro em algumas áreas, enquanto em outros setores o número de praticantes se reduziu ou foi quase extinto.

Esse período foi na verdade uma consequência que aconteceu a partir de 64, quando se instituiu no país um governo autoritário que restringiu e até aboliu as liberdades essenciais, implantou diretrizes tecnocráticas, agrediu a cultura, estabeleceu a censura e o medo, e anulou o interesse dos jovens cerceando drasticamente suas atividades.

A perda da liberdade já passou, mas os seus malefícios vão ainda perdurar por vários anos, pois a falta de liberdade impõe severas perdas à pesquisa científica produtiva, que levam décadas para serem repostas.

Uma das coisas que mais caracterizou a falta de liberdade do período foi o dirigismo, isto é, a imposição de temas prioritários com a eliminação direta ou indireta dos demais, agravando o conflito entre a ciência básica e suas aplicações.

Isto leva a uma distorção de conceitos, o carro colocado adiante dos bois. E não é surpresa perceber que essa distorção se estendeu até os dias de hoje!

Já houve tempo em que a figura do cientista representava algo assim de sobrenatural, um indivíduo de alta capacidade cultural e possuidor de soma elevada de conhecimentos e informações, porém de atitudes de certa forma estranhas, desligado de compromissos por assim dizer terrenos, sempre "no ar" ou no "mundo-da-lua", descuidado com suas vestes e de hábitos singulares.

Esta visão unilateral foi substituida pela atual, que não distingue o pesquisador científico de qualquer outro trabalhador dedicado a suas atividades e nelas interessado globalmente.

Cientista é aquele que faz perguntas à natureza e anota as respostas, que formula hipóteses de trabalho e planeja meios de observar os resultados, que coleta essas informações e as sistematiza para construir o maior conjunto de conhecimentos possível.

Dessa forma, a cada noção ou informação obtida soma-se uma outra e mais outra e ainda outra mais, que não provém obrigatoriamente de um mesmo cérebro, do mesmo local geográfico ou de ambientes exatamente iguais.

O caráter universal da ciência se define, assim, por si só e seus resultados e benefícios passam a pertencer à Humanidade. Bem como a responsabilidade pelos malefícios da transferência que, em determinadas ocasiões a utilização desses conhecimentos tem proporcionado.

Fala-se muito, hoje em dia, em tecnologia ou ciência aplicada, contrapondo-a ao que se convencionou chamar de ciência pura, básica ou fundamental, para estabelecer assim como um divisor de águas quando na realidade o problema é um só.

Creio na existência da Ciência e, como resultado, na aplicação da Ciência, a Tecnologia. Mas pensar que é possível dispensar conhecimentos científicos e tratar de aplicá-los sem conhecer seus fundamentos, é desaproveitar ou eliminar todas as possibilidades de construir algo bem estruturado.

Desprezar o trabalho da ciência básica é desconhecer tudo o que já vimos acontecer em épocas anteriores quando temas gerais produziram resultados de utilização insuspeitada.

A equação de Einstein não induziria, à epoca em que ele a estabeleceu, a pensar na explosão da bomba atômica em Hiroxima e em tudo o que daí resultou; o estabelecimento da composição química do diclorodifeniltricloroetano, no determinado momento da descoberta da sua síntese, não faria pensar que se chegasse a utilizar tal composto químico, o DDT, como o primeiro, na era moderna, dos grandes meios de combate e controle dos insetos; a existência de um fungo crescendo num meio de cultura de laboratório e matando bactérias que ai se desenvolviam, não levaria, desde logo, a imaginar sequer o que seria a penicilina e o valor de sua utilização pelo homem.

Mas chegariamos a tudo isso sem a existência prévia dos Einstein, dos Mueller, dos Fleming? Dos que construíram a ciência básica? Chegariamos ou chegaremos a aplicar conhecimentos científicos sem conhecer seus fundamentos?

Vemos que os tecnocratas ou burocratas da tecnologia, desinformados, chegam a destruir ambientes produtivos de trabalho científico, como fizeram no Instituto Oswaldo Cruz, para concentrar esforços e dinheiro, segundo dizem, na produção de ciência aplicada sem ciência básica.

Premidos pela necessidade política de apresentar resultados imediatos, desbaratam e desperdiçam todas as verbas que possuem no afã inatingível de chegar a resultados de que não são capazes, pois não conseguem credibilidade para formar pessoal capacitado, que pensam comprar no estrangeiro através de recém-formados ávidos dos empregos que não encontram em seus próprios países.

Ciência se faz com base em laboratórios especializados, locais em que o cientista executa suas principais atividades, como praticar experiências, observar resultados, estudar amostras várias, ler, escrever, discutir com seus colegas e discípulos, lecionar e selecionar seus alunos e suas equipes de trabalho.

Estes locais existem (ou devem existir) nas Universidades e nos institutos especializados a elas ligados ou não. Os estudantes de hoje tem a noção exata do que representa a ciência em relação ao desenvolvimento da humanidade e quais as relações do ensino com a pesquisa científica.

E também o homem comum, o homem da rua, que se surpreendeu nos últimos anos com as conquistas nucleares e espaciais, tem a compreensão do valor dessas atividades afirmativas da capacidade de cada povo.

Os chamados países desenvolvidos dedicam grande atenção à formação de seus quadros de pesquisadores e técnicos e seus governantes não ignoram que só à custa da multiplicação desses quadros é que foi possível, e continua sendo, o estabelecimento e a manutenção da tecnologia que permitiu o seu desenvolvimento.

Em relação aos países subdesenvolvidos, cujas possibilidades financeiras restringem o estimulo à pesquisa científica, o problema se agrava pela dificuldade ou pela incapacidade em que se encontram de quebrar o círculo vicioso: não se estimula a pesquisa porque não se tem capacidade econômica, e não se obterá essa capacidade porque não se faz ciência própria, a única que poderá levar ao estabelecimento da tecnologia peculiar aos interesses do país.

Poderia dizer-se que o largo campo próprio ao desenvolvimento da pesquisa cientifíca são as Universidades. É essa uma meia verdade. Nos paises de maior desenvolvimento científico há sempre centros extra-universitários de pesquisa.

Acontece, além disso, que poucos são, entre nós, embora da mais elevada categoria, os centros universitários que praticam a ciência experimental e, assim mesmo, vencendo dificuldades que só eles mesmo conhecem, e cobrindo, ainda, limitadas áreas do conhecimento.

A associação da pesquisa ao ensino se vai operando muito mais lentamente do que seria de desejar, e nao há como apressá-la. A ela se opõe um grave obstáculo: o nosso tradicional processo de seleção de professores pela medida da extensão do saber e não, também e principalmente, pela capacidade de criar.

Acresce a circunstância de que o explosivo aumento do número de estudantes, em relação ao de professores, que se vem verificando e que tende a agravar-se, obriga estes últimos a cada vez mais desviarem para o ensino o tempo de que poderiam dispor para as atividades de pesquisa.

Há quem diga que a pesquisa científica só é significativa quando visa a resolver um problema.

Eu não penso assim, pois não sei (e não encontrei quem soubesse) quando ou até que ponto o que imaginamos ser problema possa ser encarado como tal, pelo menos na área biológica onde as generalizações são difíceis de serem estabelecidas ante a diversidade de aspectos que os seres vivos apresentam.

É exatamente esse conceito que leva o pesquisador a mudar frequentemente seus planos de trabalho e seguir uma linha colateral ou até diversa àquela a que se propusera inicialmente.

A enfase do que acabo de dizer se reflete principalmente sobre a liberdade de pesquisa. Se as linhas mestras desse relacionamento se rompem ou se desviam sobrevem o atraso, as distorções, o fracasso.

Se o cientista não tem a liberdade de publicar a pesquisa que projetou fazer, se é impedido de comunicar os resultados que obteve em reunião com seus colegas, se sua instituição lhe nega os meios de trabalho ou lhe impõe uma pesquisa que não deseja ou não se sente capaz de realizar, se obstáculos se lhe antepoem (um auxiliar que se lhe subtrai, um recurso prometido que não chega nunca), tudo isso, repito - e os exemplos poderiam multiplicar-se - constitui motivo de quebra da liberdade que, só ela, propicia ambiente digno e estimulante.

Nestes últimos anos, a ciência, os cientistas e as instituições de pesquisa estão sendo campo de estudos para sociólogos, economistas e historiadores, que vêem nossa vivência nesses assuntos sob seu prisma peculiar, adicionando em alguns casos mais um fator de distorção.

O que acabo de expor faz compreender o tratamento negativo que foi dado à pesquisa científica e que se tornou público, tendo ampla divulgação através de alguns documentos, entre eles o meu depoimento publicado no livro que intitulei "O Massacre de Manguinhos".

No início dos anos 70, já em abril, dez dos mais atuantes cientistas do Instituto Oswaldo Cruz foram vulnerados pelo Ato Institucional no. 5, seus direitos políticos cassados por 10 anos, sumariamente aposentados, tendo sido obrigados a abandonar seus locais de trabalho, seus laboratórios, e impedidos de exercer sua profissão, a de ensinar e a de pesquisar, em qualquer centro científico do país.

Esse tremendo golpe foi acompanhado de outros golpes sobre seu pessoal científico e técnico, vários pesquisadores tendo sido transferidos para outros locais, muitos retirando-se espontaneamente, tudo atingindo profundamente a instituição científica de maior projeção que o país já possuiu.

Acabou o Instituto Oswaldo Cruz entregue à tecnocracia dos planos e projetos, às obras, consertos, reformas, remendos e fachadas, nas garras de uma burocracia feroz numericamente espantosa, enquanto, no dizer de seus próprios dirigentes, o descredito e a desconfiança dos pesquisadores científicos impedia qualquer possibilidade de recuperação.

Daí o significado do termo que usei. O massacre foi do Instituto, não tanto do seu pessoal diretamente atingido. O massacre atingiu o país, como atingiu a toda a comunidade científica.

Tudo foi propiciado pelo clima gerado pelos governos militares que se sucederam a partir de 64, que não tiveram sensibilidade bastante para proporcionar elementos de progresso e estímulo a uma instituicção à época sem rumo certo, pois estava entregue à incompetência, à mediocridade e ao ódio.

Os institutos de pesquisa não-universitários costumam ser dirigidos por um só individuo e, assim, este lhes confere os acertos e os erros de sua formação, de seu caráter, de suas qualidades ou deficiências intelectuais. Ainda não conseguimos admitir a direção colegiada, através de conselhos deliberativos, não meros conselhos consultivos, sem força e sem interesse.

Sofreram nesses anos 70, além de Manguinhos, para dar outros exemplos, os Institutos Butantã e Biológico, em SP, o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, o Instituto de Química Agrícola, o Jardim Botânico no RJ.

Um sentimento de tristeza me assalta todas as vezes que abordo esses temas, que faço a contragosto, embora convicto de que, como disse a princípio, é uma obrigação que visa a preservação da memória a fim de que não se repitam os erros praticados nos anos passados e possam ser repensados e corrigidos os que ainda estão em curso.

Fonte: Jornal do Brasil, 8junho2000.

Nota do Editor: O autor é pesquisador e professor da Fundação Oswaldo Cruz.


  1. Universidade e Elite, editorial da "Folha de SP"

Em todo o Ocidente, onde se cristalizou ao longo de séculos a tradição universitária, houve sempre uma íntima relação entre o ensino nas cátedras e os postos de prestígio e importância na sociedade, seja no setor público, seja no privado.

De um modo geral, pode-se dizer que, pelos bancos das Universidades mais tradicionais, passa um significativo contingente de pessoas que, mais tarde, terão poder de decisão nas maiores empresas, nas mais altas instâncias do Estado.

Vê-se, por aí, quão estratégico é para o destino de uma sociedade nacional o problema do acesso às melhores e mais tradicionais Universidades.

Nesse sentido, é algo mais que pitoresca a descrição da nova elite norte-americana, tracada no livro "Bobos in Paradise", do jornalista David Brooks, assunto discutido hoje no caderno "Mais!". Sob o acrônimo "bobo", de "bohemians" (boemios) e "bourgeois" (burgueses), abriga-se mais que um estilo de vida um tanto eclético. Os "bobos", tão bem personificados pelos altos executivos das grandes empresas ligadas à chamada nova economia, têm, em geral, uma origem universitária comum.

Devem essa formação a uma pequena revolução no sistema universitário norte-americano, que acabou por quebrar certo monopólio que garantia aos filhos da elite aristocrática uma vaga nas mais tradicionais Universidades.

A democratização do recrutamento no ensino superior é um bem em si mesmo, um avanço em termos de cidadania.

Além disso, não se pode negar sua eficácia, haja vista a revolução tecnológica de que os "bobos" foram protagonistas e que foi fundamental para sustentar o mais longo ciclo de crescimento da economia dos EUA na história.

No Brasil, as melhores e mais tradicionais Universidades continuam pouco acessíveis aos jovens de renda mais baixa. É óbvio que houve melhoras ao longo dos anos.

Mas seu ritmo foi muito lento e seus resultados, insuficientes. A má qualidade do ensino público básico e médio, entre outros fatores, transforma-se num imenso abismo competitivo entre os que podem e os que não podem pagar uma boa escola privada.

É inestimável o número de talentos que se perdem com esse sistema. Mas o mais grave é o déficit democrático que essa distorção alimenta.

É preciso propugnar pela igualdade de competição por vagas nas boas faculdades, o que só se fará elevando o nível da escola pública primária e secundária ao das melhores instituições privadas.

Está aí, sem dúvida, uma reforma por que o Brasil necessita passar urgentemente.

Fonte : Folha de SP, 11junho2000


  1. SARX 2000 - Apresentação de trabalhos até 10 de julho de 2000.

SARX 2000 - VII SEMINÁRIO LATINO AMERICANO DE ANÁLISES POR TÉCNICAS DE RAIOS-X

A nova data limite para apresentação de trabalhos é 10 de julho de 2000.

Data: 19 a 24 de novembro de 2000
Local: Hotel Fazenda Colina Verde - Sao Pedro - SP - Brasil
Coordenacao: Profa. Dra. Maria Izabel Maretti Silveira Bueno - IQ - Unicamp e Profa. Dra. Silvana Simabuco - FEC - Unicamp.

Durante o Congresso também acontecerá o I ICDD Workshop on X-ray Powder Diffraction, a ser proferido por renomados cientistas da área.

Temas a serem abordados durante o evento :

Outras informações podem ser obtidas na home-page : sarx.iqm.unicamp.br


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