Se há algum consenso nos meios científico e governamental é o do
grande valor que terá, daqui para a frente, a biodiversidade, a
variedade de espécies de todos os reinos.
Acredita-se que esses seres vivos, principalmente plantas e
microrganismos, possam conter os principios ativos de inúmeros
fármacos ainda não descobertos.
Ganha importância inaudita a Amazônia, que, segundo alguns
cálculos, responderia por metade da biodiversidade do planeta.
Isso é otimo para o Brasil, que é o pais detentor da maior parte
da Amazônia.
Ocorre, porém, que, enquanto esse potencial biológico não for
explorado, tudo isso não passará de uma reserva, de uma promessa
apenas, sem utilidade prática imediata.
Foi oportuna a criação, pelo governo, da BioAmazonia, a Associação
Brasileira para o Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia,
que teria por finalidade explorar esse enorme potencial. É de
estranhar, contudo, que a entidade tenha sido instituida antes
mesmo que a legislação que deveria regular sua atuação fosse
aprovada pelo Congresso Nacional.
Mais estranho ainda é o acordo que a Bioamazonia celebrou com a
multinacional farmacêutica Novartis, para a identificação de
microrganismos e desenvolvimento de novas drogas. Não vale a pena
entrar nos detalhes desse contrato.
Basta dizer que recebeu fortes e consistentes críticas da
comunidade científica e do próprio governo federal.
Mais do que um lapso pontual, a iniciativa da Bioamazonia é fruto
de uma política viciada, em que o anuncio de um fato e a criação
de alguns cargos ganham mais importância do que a viabilidade
daquilo que se procura implementar.
E é óbvio que, antes de criar a entidade, é preciso estabelecer o
que ela pode ou não fazer, suas atribuições e competências.
Sem isso, o órgão já nasce sob o signo da irracionalidade e do
improviso. O patrimônio biológico é extremamente importante não só
para o Brasil, mas para a humanidade.
Fonte: Folha de SP, 12junho2000
Os quatro projetos de lei que regulam o acesso aos recursos
genéticos do país estao parados na Câmara, à espera de uma
comissão especial para discutir o assunto.
A falta de uma lei regulando a questão ficou evidente com o
recente acordo entre a organização BioAmazonia e a multinacional
farmacêutica Novartis.
Setores da comunidade científica reagiram ao acordo para
prospecção de microrganismos na Amazônia, que consideraram
potencialmente lesivo aos interesses brasileiros. Um dos
problemas detectados é a inexistência de legislação sobre o tema.
O vácuo legal foi apontado em reportagem anterior da "Folha de SP"
pela presidente da SBPC, Glaci Zancan.
Líderes de todos os partidos já indicaram os 34 membros da
comissão, que deveria ter sido instalada no último dia 7.
Isso não ocorreu, por falta de quorum. Nova reunião de
instalação foi marcada para depois de amanhã.
O líder do governo na Câmara, Arnaldo Madeira (PSDB-SP), afirmou
que o governo tem interesse em instalar a comissão, mas que é
difícil prever se isso será possível ainda neste semestre.
Segundo Madeira, há duas dificuldades: o número excessivo de
comissões especiais (37 instaladas e 15 prontas para instalação)
e as convenções partidárias deste mês, que reduziram o número de
parlamentares em Brasília.
A senadora Marina Silva (PT-AC), autora do principal projeto em
tramitação, teme que o governo baixe medida provisória ou decreto
sobre o assunto, em
vez de orientar sua bancada a discutir os projetos existentes
- entre eles, um do próprio governo.
Madeira disse que não há essa orientação. A intenção também foi
negada pelo diretor do Programa Nacional de Conservação da
Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, Braulio Dias.
Há quatro projetos sobre o assunto, mas o de Marina Silva, de
1995, tem prioridade, por ter sido aprovado pelo Senado e
chegado à Câmara antes que os outros fossem apresentados.
Por isso, o Senado terá a palavra final. O projeto do governo
foi apresentado em 1998. Os outros dois projetos são de
Jacques Wagner (PT-BA) e Silas Camara (PTB-AM).
Além desses quatro projetos de lei, está em tramitação -já em fase
mais adiantada- proposta de emenda constitucional do Executivo que
inclui entre os bens da Uniao "o patrimônio genético, exceto o
humano".
Os projetos tem vários pontos polêmicos, mas Braulio Dias disse
que há possibilidade de acordo. "As convergências são maiores que
as divergências", disse.
Para ele, há apenas duas divergências importantes: as definições
de recurso e patrimônio genético e o regime de proteção do
conhecimento tradicional de povos indígenas ou comunidades
tradicionais.
Para o advogado André Lima, do Instituto Socioambiental (ISA),
que fez um estudo comparativo dos projetos, "o que está em jogo é
o interesse do governo em negociar sem restrições o patrimônio
genético, para levantar dinheiro".
Segundo Lima, o projeto do governo dá à União todo o poder de
decisão sobre o que considera patrimônio genético do país,
inclusive conhecimentos de povos indígenas e comunidades
tradicionais.
A advogada Gisele Alencar, presidente interina da Comissão de
Direito Ambiental da OAB-DF, disse que é crucial na discussão
desses projetos estabelecer o que é patrimônio genético.
Para ela, o conceito do governo é amplo demais, por incluir a
informação de origem genética na definição de patrimônio genético.
Gisele acha mais apropriadas as definições do projeto de Marina
Silva, que seguem a Convenção sobre Diversidade Biológica aprovada
na conferência Eco-92 e ratificada por 170 paises.
O acordo da organização social BioAmazonia com a multinacional
Novartis para pesquisa de recursos genéticos na Amazonia deverá
ser contestado na Justiça, se for realmente efetivado.
O Ministério Público Federal está estudando os termos do acordo,
com a intenção de anulá-lo na Justiça.
O acordo ainda depende de ratificação pelo conselho de
administração da BioAmazonia, que deve reunir-se nas próximas
semanas.
O diretor do Programa Nacional de Conservação da Biodiversidade
do Ministério do Meio Ambiente, Braulio Dias, afirmou que o acordo
é irregular.
"A BioAmazonia tem um contrato de gestão com o governo. Por força
desse contrato, não pode assinar acordos sem a participação do
Ministério do Meio Ambiente".
A posição da BioAmazonia sobre o documento está no site da
organização Segundo a entidade, a assinatura do acordo é permitida pelo seu
estatuto, elaborado à luz da lei 9.637, de 98, que dispõe sobre
as organizações sociais.
"Nem todas as ações da BioAmazonia devem necessariamente
restringir-se ao que foi pactuado no referido contrato", diz a
entidade.
Uma das metas da associação, segundo o contrato, é buscar
recursos para sua auto-sustentaçãao, por meio de parcerias com
empresas do setor e instituições financeiras.
Fonte : Folha de SP, 12junho2000
Em todos os países a pesquisa científica começou com iniciativas
individuais, estimuladas pela curiosidade. Atingindo certo nível
de desenvolvimento, com a variedade de campos de atividade e
aumento do número de pesquisadores, ela necessita de
planificação.
A arte de planificar a pesquisa num país moderno consiste em
utilizar a competência de seus cientistas de todas as áreas para
que eles orientem na definição das prioridades e, uma vez
definidas as prioridades, não interferir na iniciativa dos
cientistas. Eles sabem o que devem fazer.
Planificação pressupõe continuidade de amparo. E este é o grave
problema que o Brasil tem de resolver, se quiser que sua ciência
progrida: tornar ininterruptos os processos de financiamento,
para manter a continuidade dos projetos e das pessoas de geração
para geração.
Não temos política científica. Temos instituições que, em certos
aspectos, desempenharam papel importante no desenvolvimento
científico do país, como o MCT, o CNPq, a Capes, a Finep e
algumas FAPs.
Mas a existência dessas instituições não significa política
científica no sentido de planificação nacional com prioridades
definidas. A instituição que tem ação mais significativa no
amparo à pesquisa é a Fapesp, precisamente por causa da
continuidade: governos sucessivos do Estado de SP tem cumprido
a lei, simplesmente.
É lamentável o que se passa em outros Estados, cujas FAPs ou tem
verbas desviadas, ou são suprimidas. Nas instituições federais,
das quais o exemplo mais alarmante é o CNPq, a competência de
seus dirigentes não pode compensar as deficiências de
infra-estruturas que foram enfraquecidas com o correr do tempo.
O que devemos entender por planificação? Vamos citar sumariamente
um exemplo, entre muitos. Governos de paises avançados da Europa,
entre eles a Alemanha e a França - nos quais se revê
periodicamente a evolução da ciência no mundo -, com assessoria
de eminentes pesquisadores estabeleceram prioridades científicas
para os próximos anos.
Três ciências serão prioritárias: as Ciências da Vida, isto é,
a Biologia e a Medicina, na fase pós-genoma: a Informática, ou,
de modo geral, a Ciência da Informação, com prioridade implicita
à Matemática: e as Ciências Humanas, devido aos problemas
inerentes à evolução da sociedade. Prioridade a essas ciências
significa que à elas serão destinados acréscimos de orçamento,
sem detrimento do apoio às outras. Este é exemplo de visão longa.
Com o frágil amparo à ciência brasileira, o presidente da
República anunciou, em 3 de abril, a criação de fundos com cerca
de R$ 1,2 bilhões para pesquisa em certos setores.
Uma verba inesperada para a pesquisa é sempre recebida com
satisfação, acrescida com as palavras do presidente que "é preciso
que haja também mecanismos que garantam a continuidade desses
recursos".
No entanto, a leitura atenta da declaração nos mostra que a
satisfação deve ser moderada por grande cautela e boa dose de
preocupação, por vários motivos.
O primeiro, grave, é que as medidas anunciadas tem ar de
improvisação. Se o governo poderá obter quantia tão vultosa para
a ciência e a tecnologia, é surpreendente que não tenha sido feito
estudo minucioso, sério, das necessidades reais antes de se
decidir em que setores aplicar o dinheiro.
O segundo motivo de preocupação é que cientistas ativos,
conhecedores da ciência nacional e internacional, não foram
chamados para assessorar na escolha.
O terceiro motivo de preocupação é que somente 20% dos fundos
poderão ser utilizados para as Universidades Federais, e um
fundo específico irá para o Ministério da Educação.
A maior parte será utilizada por empresas. Mas, será utilizada
verdadeiramente em pesquisa tecnológica? Para essas empresas, a
palavra « pesquisa » teria o mesmo significado que para os
centistas?
O quarto motivo de preocupação, entremeado dos dois ultimos, é
que parece estar se considerando que o cientista « puro » nao
sabe o que é tecnologia ou não quer dar atenção a ela.
É preciso lembrar que se faz pouca pesquisa tecnológica no
Brasil, não por desinteresse dos cientistas, mas porque as
indústrias não se interessam: as multinacionais fazem pesquisa
nos paises de origem, e as nacionais sofrem de uma deficiência
cultural - não tem o hábito.
O quinto motivo é que transparece claramente o erro de pensar
que é possível ter boa pesquisa tecnológica sem boa e extensiva
pesquisa básica. Este erro, no Brasil, é uma espécie de doença
nacional.
Nos paises tecnologicamente desenvolvidos, como os EUA, as
indústrias mais importantes solicitam aos governos que deêm
apoio maciço à pesquisa fundamental nas Universidades, para que
elas possam receber cientistas, engenheiros e técnicos bem
formados, capazes de manter a vanguarda.
Essas procupações geram outras questões. Quem vai utilizar as
verbas, e como? Que papel terão os cientistas na definição das
opções ? Não seria a ocasião de convocar pesquisadores do mais
alto nível, que temos em todas as ciências, para que orientem
nas opções, fazendo-se assim, pela primeira vez em nossa
história, uma planificação nacional ?
Com planificação nacional, não poderíamos estimular pesquisa
tecnológica em campos que sabemos serem da maior importância
para o futuro, nos quais há pouca ou nenhuma atividade entre nós?
E não poderíamos também começar a equilibrar a grande diferença
de amparo à pesquisa existente entre SP e outros Estados ?
Em resumo, não estamos perdendo excelente oportunidade de
reorientar a ciência em setores básicos?
A quantia de dinheiro anunciada é colossal. Como comparação, ela
é igual a 30% da verba anual do Centre National de la Recherche
Scientifique (CNRS) da França, para financiar totalmente todas
as pesquisas em 47 setores científicos diferentes e o pagamento
de salários de 11460 pesquisadores e 12430 engenheiros e
técnicos, e trabalhos de tese de 18000 estudantes.
Se eliminarmos os salários nesta comparaçãao, o fundo previsto
é superior ao que o CNRS gasta por ano em todas as sua pesquisas.
É difícil prevermos as consequências do projeto, se for realizado.
Mas, com a experiência de todo o mundo nestes assuntos, podemos
prever pelo menos uma: se não for dada à pesqusia básica a
importância que ela deve ter, o projeto dificilmente terá êxito
proporcional ao esforço econômico envolvido.
Fonte : Correio Braziliense, 11junho2000
Nota do Editor: Salmeron é diretor de Pesquisa Emerito no Centre
National de la Recherche Scientifique (CNRS), e trabalha na Ecole
Polytechnique, na Franca.
Uma das obrigações da inteligência é a preservaçào da memória.
Por isso é importante relembrar o que aconteceu há exatamente
30 anos, durante um período de nossa história marcado por
conflitos, agressões, injustiças e ódio.
É verdade que nada disso pode impedir o crescimento do país,
que é visível embora vegetativo, não acompanhando de nenhum
modo o que se poderia desejar para uma nação fisicamente tão
grande e rica.
O desenvolvimento das ciências no Brasil, nos Anos 70, não podia
deixar de acompanhar esse crescimento vegetativo. Surgiram novos
cientistas, ampliou-se quantitativamente o quadro em algumas
áreas, enquanto em outros setores o número de praticantes se
reduziu ou foi quase extinto.
Esse período foi na verdade uma consequência que aconteceu a
partir de 64, quando se instituiu no país um governo autoritário
que restringiu e até aboliu as liberdades essenciais, implantou
diretrizes tecnocráticas, agrediu a cultura, estabeleceu a
censura e o medo, e anulou o interesse dos jovens cerceando
drasticamente suas atividades.
A perda da liberdade já passou, mas os seus malefícios vão ainda
perdurar por vários anos, pois a falta de liberdade impõe severas
perdas à pesquisa científica produtiva, que levam décadas para
serem repostas.
Uma das coisas que mais caracterizou a falta de liberdade do
período foi o dirigismo, isto é, a imposição de temas
prioritários com a eliminação direta ou indireta dos demais,
agravando o conflito entre a ciência básica e suas aplicações.
Isto leva a uma distorção de conceitos, o carro colocado adiante
dos bois. E não é surpresa perceber que essa distorção se
estendeu até os dias de hoje!
Já houve tempo em que a figura do cientista representava algo
assim de sobrenatural, um indivíduo de alta capacidade cultural
e possuidor de soma elevada de conhecimentos e informações, porém
de atitudes de certa forma estranhas, desligado de compromissos
por assim dizer terrenos, sempre "no ar" ou no "mundo-da-lua",
descuidado com suas vestes e de hábitos singulares.
Esta visão unilateral foi substituida pela atual, que não
distingue o pesquisador científico de qualquer outro trabalhador
dedicado a suas atividades e nelas interessado globalmente.
Cientista é aquele que faz perguntas à natureza e anota as
respostas, que formula hipóteses de trabalho e planeja meios de
observar os resultados, que coleta essas informações e as
sistematiza para construir o maior conjunto de conhecimentos
possível.
Dessa forma, a cada noção ou informação obtida soma-se uma outra
e mais outra e ainda outra mais, que não provém obrigatoriamente
de um mesmo cérebro, do mesmo local geográfico ou de ambientes
exatamente iguais.
O caráter universal da ciência se define, assim, por si só e seus
resultados e benefícios passam a pertencer à Humanidade. Bem como
a responsabilidade pelos malefícios da transferência que, em
determinadas ocasiões a utilização desses conhecimentos tem
proporcionado.
Fala-se muito, hoje em dia, em tecnologia ou ciência aplicada,
contrapondo-a ao que se convencionou chamar de ciência pura,
básica ou fundamental, para estabelecer assim como um divisor
de águas quando na realidade o problema é um só.
Creio na existência da Ciência e, como resultado, na aplicação da
Ciência, a Tecnologia. Mas pensar que é possível dispensar
conhecimentos científicos e tratar de aplicá-los sem conhecer
seus fundamentos, é desaproveitar ou eliminar todas as
possibilidades de construir algo bem estruturado.
Desprezar o trabalho da ciência básica é desconhecer tudo o que
já vimos acontecer em épocas anteriores quando temas gerais
produziram resultados de utilização insuspeitada.
A equação de Einstein não induziria, à epoca em que ele a
estabeleceu, a pensar na explosão da bomba atômica em Hiroxima
e em tudo o que daí resultou; o estabelecimento da composição
química do diclorodifeniltricloroetano, no determinado momento
da descoberta da sua síntese, não faria pensar que se chegasse
a utilizar tal composto químico, o DDT, como o primeiro, na era
moderna, dos grandes meios de combate e controle dos insetos; a
existência de um fungo crescendo num meio de cultura de
laboratório e matando bactérias que ai se desenvolviam, não
levaria, desde logo, a imaginar sequer o que seria a penicilina
e o valor de sua utilização pelo homem.
Mas chegariamos a tudo isso sem a existência prévia dos Einstein,
dos Mueller, dos Fleming? Dos que construíram a ciência básica?
Chegariamos ou chegaremos a aplicar conhecimentos científicos sem
conhecer seus fundamentos?
Vemos que os tecnocratas ou burocratas da tecnologia,
desinformados, chegam a destruir ambientes produtivos de
trabalho científico, como fizeram no Instituto Oswaldo Cruz,
para concentrar esforços e dinheiro, segundo dizem, na produção
de ciência aplicada sem ciência básica.
Premidos pela necessidade política de apresentar resultados
imediatos, desbaratam e desperdiçam todas as verbas que possuem
no afã inatingível de chegar a resultados de que não são capazes,
pois não conseguem credibilidade para formar pessoal capacitado,
que pensam comprar no estrangeiro através de recém-formados
ávidos dos empregos que não encontram em seus próprios países.
Ciência se faz com base em laboratórios especializados, locais em
que o cientista executa suas principais atividades, como praticar
experiências, observar resultados, estudar amostras várias, ler,
escrever, discutir com seus colegas e discípulos, lecionar e
selecionar seus alunos e suas equipes de trabalho.
Estes locais existem (ou devem existir) nas Universidades e nos
institutos especializados a elas ligados ou não. Os estudantes
de hoje tem a noção exata do que representa a ciência em relação
ao desenvolvimento da humanidade e quais as relações do ensino
com a pesquisa científica.
E também o homem comum, o homem da rua, que se surpreendeu nos
últimos anos com as conquistas nucleares e espaciais, tem a
compreensão do valor dessas atividades afirmativas da capacidade
de cada povo.
Os chamados países desenvolvidos dedicam grande atenção à
formação de seus quadros de pesquisadores e técnicos e seus
governantes não ignoram que só à custa da multiplicação desses
quadros é que foi possível, e continua sendo, o estabelecimento
e a manutenção da tecnologia que permitiu o seu desenvolvimento.
Em relação aos países subdesenvolvidos, cujas possibilidades
financeiras restringem o estimulo à pesquisa científica, o
problema se agrava pela dificuldade ou pela incapacidade em que
se encontram de quebrar o círculo vicioso: não se estimula a
pesquisa porque não se tem capacidade econômica, e não se obterá
essa capacidade porque não se faz ciência própria, a única que
poderá levar ao estabelecimento da tecnologia peculiar aos
interesses do país.
Poderia dizer-se que o largo campo próprio ao desenvolvimento da
pesquisa cientifíca são as Universidades. É essa uma meia verdade.
Nos paises de maior desenvolvimento científico há sempre centros
extra-universitários de pesquisa.
Acontece, além disso, que poucos são, entre nós, embora da mais
elevada categoria, os centros universitários que praticam a
ciência experimental e, assim mesmo, vencendo dificuldades que
só eles mesmo conhecem, e cobrindo, ainda, limitadas áreas do
conhecimento.
A associação da pesquisa ao ensino se vai operando muito mais
lentamente do que seria de desejar, e nao há como apressá-la.
A ela se opõe um grave obstáculo: o nosso tradicional processo
de seleção de professores pela medida da extensão do saber e não,
também e principalmente, pela capacidade de criar.
Acresce a circunstância de que o explosivo aumento do número de
estudantes, em relação ao de professores, que se vem verificando
e que tende a agravar-se, obriga estes últimos a cada vez mais
desviarem para o ensino o tempo de que poderiam dispor para as
atividades de pesquisa.
Há quem diga que a pesquisa científica só é significativa quando
visa a resolver um problema.
Eu não penso assim, pois não sei (e não encontrei quem soubesse)
quando ou até que ponto o que imaginamos ser problema possa ser
encarado como tal, pelo menos na área biológica onde as
generalizações são difíceis de serem estabelecidas ante a
diversidade de aspectos que os seres vivos apresentam.
É exatamente esse conceito que leva o pesquisador a mudar
frequentemente seus planos de trabalho e seguir uma linha
colateral ou até diversa àquela a que se propusera inicialmente.
A enfase do que acabo de dizer se reflete principalmente sobre a
liberdade de pesquisa. Se as linhas mestras desse relacionamento
se rompem ou se desviam sobrevem o atraso, as distorções,
o fracasso.
Se o cientista não tem a liberdade de publicar a pesquisa que
projetou fazer, se é impedido de comunicar os resultados que
obteve em reunião com seus colegas, se sua instituição lhe nega
os meios de trabalho ou lhe impõe uma pesquisa que não deseja ou
não se sente capaz de realizar, se obstáculos se lhe antepoem
(um auxiliar que se lhe subtrai, um recurso prometido que não
chega nunca), tudo isso, repito - e os exemplos poderiam
multiplicar-se - constitui motivo de quebra da liberdade que,
só ela, propicia ambiente digno e estimulante.
Nestes últimos anos, a ciência, os cientistas e as instituições
de pesquisa estão sendo campo de estudos para sociólogos,
economistas e historiadores, que vêem nossa vivência nesses
assuntos sob seu prisma peculiar, adicionando em alguns casos
mais um fator de distorção.
O que acabo de expor faz compreender o tratamento negativo que
foi dado à pesquisa científica e que se tornou público, tendo
ampla divulgação através de alguns documentos, entre eles o meu
depoimento publicado no livro que intitulei "O Massacre de
Manguinhos".
No início dos anos 70, já em abril, dez dos mais atuantes
cientistas do Instituto Oswaldo Cruz foram vulnerados pelo Ato
Institucional no. 5, seus direitos políticos cassados por 10 anos,
sumariamente aposentados, tendo sido obrigados a abandonar seus
locais de trabalho, seus laboratórios, e impedidos de exercer sua
profissão, a de ensinar e a de pesquisar, em qualquer centro
científico do país.
Esse tremendo golpe foi acompanhado de outros golpes sobre seu
pessoal científico e técnico, vários pesquisadores tendo sido
transferidos para outros locais, muitos retirando-se
espontaneamente, tudo atingindo profundamente a instituição
científica de maior projeção que o país já possuiu.
Acabou o Instituto Oswaldo Cruz entregue à tecnocracia dos planos
e projetos, às obras, consertos, reformas, remendos e fachadas,
nas garras de uma burocracia feroz numericamente espantosa,
enquanto, no dizer de seus próprios dirigentes, o descredito e
a desconfiança dos pesquisadores científicos impedia qualquer
possibilidade de recuperação.
Daí o significado do termo que usei. O massacre foi do Instituto,
não tanto do seu pessoal diretamente atingido. O massacre atingiu
o país, como atingiu a toda a comunidade científica.
Tudo foi propiciado pelo clima gerado pelos governos militares que
se sucederam a partir de 64, que não tiveram sensibilidade
bastante para proporcionar elementos de progresso e estímulo a
uma instituicção à época sem rumo certo, pois estava entregue à
incompetência, à mediocridade e ao ódio.
Os institutos de pesquisa não-universitários costumam ser
dirigidos por um só individuo e, assim, este lhes confere os
acertos e os erros de sua formação, de seu caráter, de suas
qualidades ou deficiências intelectuais. Ainda não conseguimos
admitir a direção colegiada, através de conselhos deliberativos,
não meros conselhos consultivos, sem força e sem interesse.
Sofreram nesses anos 70, além de Manguinhos, para dar outros
exemplos, os Institutos Butantã e Biológico, em SP, o Centro
Brasileiro de Pesquisas Físicas, o Instituto de Química Agrícola,
o Jardim Botânico no RJ.
Um sentimento de tristeza me assalta todas as vezes que abordo
esses temas, que faço a contragosto, embora convicto de que,
como disse a princípio, é uma obrigação que visa a preservação
da memória a fim de que não se repitam os erros praticados nos
anos passados e possam ser repensados e corrigidos os que ainda
estão em curso.
Fonte: Jornal do Brasil, 8junho2000.
Nota do Editor: O autor é pesquisador e professor da Fundação
Oswaldo Cruz.
Em todo o Ocidente, onde se cristalizou ao longo de séculos a
tradição universitária, houve sempre uma íntima relação entre o
ensino nas cátedras e os postos de prestígio e importância na
sociedade, seja no setor público, seja no privado.
De um modo geral, pode-se dizer que, pelos bancos das
Universidades mais tradicionais, passa um significativo
contingente de pessoas que, mais tarde, terão poder de decisão
nas maiores empresas, nas mais altas instâncias do Estado.
Vê-se, por aí, quão estratégico é para o destino de uma sociedade
nacional o problema do acesso às melhores e mais tradicionais
Universidades.
Nesse sentido, é algo mais que pitoresca a descrição da nova
elite norte-americana, tracada no livro "Bobos in Paradise", do
jornalista David Brooks, assunto discutido hoje no caderno
"Mais!". Sob o acrônimo "bobo", de "bohemians" (boemios) e
"bourgeois" (burgueses), abriga-se mais que um estilo de vida
um tanto eclético. Os "bobos", tão bem personificados pelos
altos executivos das grandes empresas ligadas à chamada nova
economia, têm, em geral, uma origem universitária comum.
Devem essa formação a uma pequena revolução no sistema
universitário norte-americano, que acabou por quebrar certo
monopólio que garantia aos filhos da elite aristocrática uma
vaga nas mais tradicionais Universidades.
A democratização do recrutamento no ensino superior é um bem
em si mesmo, um avanço em termos de cidadania.
Além disso, não se pode negar sua eficácia, haja vista a
revolução tecnológica de que os "bobos" foram protagonistas e
que foi fundamental para sustentar o mais longo ciclo de
crescimento da economia dos EUA na história.
No Brasil, as melhores e mais tradicionais Universidades
continuam pouco acessíveis aos jovens de renda mais baixa.
É óbvio que houve melhoras ao longo dos anos.
Mas seu ritmo foi muito lento e seus resultados, insuficientes.
A má qualidade do ensino público básico e médio, entre outros
fatores, transforma-se num imenso abismo competitivo entre os
que podem e os que não podem pagar uma boa escola privada.
É inestimável o número de talentos que se perdem com esse
sistema. Mas o mais grave é o déficit democrático que essa
distorção alimenta.
É preciso propugnar pela igualdade de competição por vagas nas
boas faculdades, o que só se fará elevando o nível da escola
pública primária e secundária ao das melhores instituições
privadas.
Está aí, sem dúvida, uma reforma por que o Brasil necessita
passar urgentemente.
Fonte : Folha de SP, 11junho2000
SARX 2000 - VII SEMINÁRIO LATINO AMERICANO DE ANÁLISES
POR TÉCNICAS DE RAIOS-X
A nova data limite para apresentação de trabalhos é 10 de julho
de 2000.
Data: 19 a 24 de novembro de 2000
Durante o Congresso também acontecerá o I ICDD Workshop on
X-ray Powder Diffraction, a ser proferido por renomados
cientistas
da área.
Temas a serem abordados durante o evento :
Outras informações podem ser obtidas na home-page :
sarx.iqm.unicamp.br
Secretaria Geral SBQ
Local: Hotel Fazenda Colina Verde - Sao Pedro - SP - Brasil
Coordenacao: Profa. Dra. Maria Izabel Maretti Silveira Bueno - IQ - Unicamp e Profa. Dra. Silvana Simabuco - FEC - Unicamp.
Contribuições devem ser enviadas para: Luizsbq@iqm.unicamp.br
http://www.sbq.org.br