1. Novo modelo da indústria
farmacêutica amplia espaço para
P&D
Entrevista
com Ogari Pacheco, presidente do laboratório
Cristália
A produção de fármacos é uma das áreas
onde a relação entre universidade e indústria vem evoluindo e
criando novos espaços para a atividade de pesquisa e
desenvolvimento. O relacionamento se intensificou nos últimos
anos em razão da política industrial que utiliza o poder de
compra do Ministério da Saúde, visando atender as demandas por
medicamentos e reduzir o grande déficit comercial do setor. Um
novo modelo, que reúne laboratórios públicos e privados, tenta
superar os gargalos tanto na produção de medicamentos finais
quanto dos farmoquímicos. Para isso, os laboratórios precisam
investir em pesquisa, contratar pessoal especializado ou
adquirir serviços das universidades e centros de pesquisa.
Entre os que têm seguido essa trajetória está o laboratório
Cristália, apontado como uma das empresas mais inovadoras do
país e detentor de um catálogo de 180 medicamentos. Criado em
1972, hoje com um faturamento de R$ 600 milhões, relaciona
cerca de 100 pedidos de patentes, dos quais 17 já aprovados,
com foco em anestésicos, disfunção erétil e Aids. Essa atuação
se dá em um mercado no qual o lançamento de um produto, no
caso da inovação radical, isto é, um medicamento totalmente
novo, leva cerca de sete anos entre o início do
desenvolvimento e a aprovação da Anvisa. Na chamada inovação
incremental, que aperfeiçoa medicamentos já existentes, o
tempo varia, mas em geral demora de três a quatro anos. Nesta
entrevista, o presidente do Cristália, Ogari Pacheco, fala
sobre política industrial e sobre o relacionamento da empresa
com a universidade.
BES - Qual a avaliação que o
senhor faz da atual política industrial para a área de
fármacos? Ogari Pacheco - Essa política vem ao
encontro de idéias que nós defendemos há muito tempo. É do
conhecimento de todos que a produção de princípios ativos
farmacêuticos no país é muito pequena. Eu diria que é pífia. A
balança comercial brasileira do setor é muito desfavorável.
Importa-se quase tudo que se consome. Uma saída para que esse
quadro se modifique passa pela produção local desses insumos.
A produção não se fará sem que haja absorção da tecnologia. A
política que agora se desenha objetiva exatamente isso.
Incentivar as empresas a desenvolverem conhecimento e
tecnologia e internalizar a capacidade produtiva de insumos
farmacêuticos. Isso me parece extremamente importante.
BES - O atual modelo é diferente do que já se fez
no país? Não havia algo semelhante? OP - Com
esta formatação, não. Existiram tentativas frustradas para se
estimular essa produção local de insumos farmacêuticos. Nunca
houve uma ação correspondente por parte da iniciativa privada,
de tal maneira que ao final das contas o Brasil tivesse uma
produção efetiva. Agora, as coisas parecem tomar outro rumo.
Através das PPPs, parcerias público-privadas, estimuladas pelo
governo, colocam-se, de um lado, um laboratório público, e, de
outro, um laboratório privado para juntos produzirem insumos e
medicamentos que serão fornecidos ao Ministério da Saúde. A
fórmula me parece simples e eficiente.
BES - Que
reparos o senhor faria a essa política? OP -
Não faria reparos, propriamente. Eu vejo limitações. Como a
indústria farmoquímica do país é pouco desenvolvida,
inicialmente nós vamos ter uma repercussão relativamente
restrita. Vai demorar algum tempo para a coisa deslanchar. As
próprias farmoquímicas vão ter que se desenvolver, se
capacitar para criar conhecimento, desenvolver tecnologias ou
importar tecnologias para produção local. Isso demora um certo
tempo. Algumas indústrias são mais preparadas porque vêm se
preparando há tempo, mas são poucas, e a Cristália é uma
delas.
BES - Em que áreas a indústria está mais
qualificada e onde estão as maiores carências?
OP - Falando do nosso caso, evidentemente nós
desenvolvemos fármacos voltados para o nosso portfólio. Somos
fortes na produção de antiretrovirais, anestésicos e
narcoanalgésicos, que têm papel importante na nossa linha de
medicamentos. Existem, por exemplo, empresas, como a Libbs,
que produz hormônios, outras como a ABL que produz
antibióticos. Certamente existe uma gama enorme de insumos
ativos ainda não suficientemente atendidos pela estrutura
brasileira que ainda é pobre. Entre essas carências estão as
áreas de insulina e hormônio de crescimento, assim como as que
dependem de moléculas obtidas por biotecnologia. Isto está
evoluindo, porém, de forma um tanto ou quanto lenta. Acredito
que com a implantação dessas bases da política industrial as
coisas vão mudar. E deve haver um avanço significativo em um
prazo relativamente curto.
BES - Como se dá essa
definição de áreas, por parte das empresas? OP
- Eu diria que tem mais a ver com a cultura e com a filosofia
de trabalho de determinados grupos que resolveram investir na
produção de princípios ativos. Por quê? Se a agente for
analisar friamente, como negócio, meramente como negócio, as
margens são muito mais vantajosas nos produtos finais, nos
medicamentos, do que nos princípios ativos, razão pela qual a
imensa maioria dos laboratórios se volta para a produção de
medicamentos. Eu tenho brincado e feito uma comparação. Você
encontra muito mais padaria do que moinho. A margem que você
tem no pãozinho é muito maior do que você tem na produção de
farinha. E precisa muito menos dinheiro, muito menos
tecnologia para fazer pãozinho do que para fazer farinha.
BES - Qual é o papel da universidade nesse cenário?
OP - Eu falo do nosso caso. Nós, do Cristália,
estamos nos preparando há mais de vinte anos para criar as
condições de produção de ingredientes ativos farmacêuticos.
Para isto, nós materializamos o que durante muito tempo não
passou de um discurso, que é a integração entre universidade e
empresa. Nós temos convênios, parcerias com mais de 20
instituições, aí incluídos universidades e centros de pesquisa
não universitários. Entre eles a UNICAMP, USP, UFRJ, Instituto
Butantan e Fiocruz. Isso tem nos sido de alta valia, tanto
para formação de pessoal quanto para geração de conhecimento.
No nosso caso, a ação vai além de desenvolver tecnologia.
Trabalhamos com pesquisa, com desenvolvimento, tanto de
moléculas inéditas quanto de rotas alternativas para produção
de moléculas conhecidas. Tem havido uma fertilização
recíproca. Nós desenvolvemos conhecimentos apoiados pela
universidade que, por sua vez, conhecendo as nossas
necessidades também tem avançado na sua ação criadora do
saber.
BES - A indústria, de forma geral, tem
conhecimento da pesquisa feita pela universidade?
OP - Ninguém conhece a lista telefônica
inteira. Mas sabe que se quiser um número de telefone vai
procurar. As universidades produzem pesquisa, desenvolvem
tecnologia. Isto tem uma aplicação mais restrita para quem faz
remédio, é mais aplicável para quem quer fazer princípio
ativo, para quem quer desenvolver drogas novas. Nem todos
estão interessados nesse tipo de conhecimento. E por que não
vai buscar? É muito mais fácil, é muito mais simples fabricar
remédio do que fabricar princípio ativo.
BES -
Existe uma opinião de que os pesquisadores não vão para a
indústria em parte por que os salários não são compensadores.
É verdade? OP - Eu me permito discordar.
Recentemente eu me interessei por um profissional que havia
feito concurso e conseguiu uma vaga na universidade. E ele não
quis vir trabalhar conosco. Por que nós pagamos menos? Não.
Nós pagamos mais. Mas a segurança de um cargo concursado às
vezes leva as pessoas a essa escolha. Mas na indústria ele
ganha mais. Agora, a indústria tem um outro tipo de exigência,
é um trabalho continuado é como se você tivesse...digamos
assim... numa fila de metrô, se você não andar alguém te
atropela. Eu acho que o que falta são indústrias oferecendo
vagas para esses profissionais para esses jovens mestres,
doutores, professores. Falta oferta. Por quê? São poucas as
indústrias que se dedicam a isso. O Cristália paga bem, paga
melhor do que a universidade. Mas evidentemente eu tenho um
número limitado de vagas a oferecer. Mas nós empregamos muita
gente. Trabalhando conosco, nos nossos projetos, há mais de
duas centenas de mestres, doutores, pós-doutores. Uma parte
disso com vínculo direto. Outra parte trabalha em projetos
através da universidade. Se uma universidade está trabalhando
conosco em um projeto “x”, em última análise estamos gerando
emprego, tanto direto, como indireto, em uma unidade de
pesquisa, por exemplo.
Fonte: Carlos Martins
(Assessoria de Imprensa da SBQ)
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