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Ideias para os presidenciáveis

Presidente e ex-presidentes da SBQ apresentam propostas para reverter o quadro de penúria das universidades públicas e do ambiente para a pesquisa científica no Brasil

As eleições se aproximam, e os principais candidatos à presidência ainda não apresentaram propostas claras sobre como pretendem recuperar todo o ambiente de educação e pesquisa científica no Brasil. Na Química, diversos programas de pós-graduação pelo país encontram sérias dificuldades para iniciar novas pesquisas, manter equipamentos em funcionamento e mesmo comprar reagente e matéria-prima. A redução no orçamento federal para universidades, as dificuldades enfrentadas pelo CNPq e a PEC do teto de gastos preocupam todos que compreendem a importância do desenvolvimento contínuo da ciência para a prosperidade de uma sociedade.

Nesta edição, pedimos que o presidente da SBQ, Norberto Peporine Lopes (FCFRP-USP) e os ex-presidentes Aldo Zarbin (IQ-UFPR), Adriano D. Andricopulo (IFSC-USP) e Jaílson Bittencourt de Andrade (IQ-UFBA) apresentassem propostas, ou refletissem sobre o que fariam, caso fossem eleitos presidente da república, em relação aos seguintes tópicos: a) financiamento de pesquisa; b) burocracia; c) ensino básico e fundamental; d) infraestrutura de pesquisa; e) observações livres. As respostas são publicadas na íntegra a seguir.

Norberto Peporine Lopes (FFRP-USP), presidente da SBQ

Uma sociedade científica é uma organização apartidária e por essa razão as opiniões que apresento aqui são de cunho pessoal, embora reflitam as preocupações de muitos colegas. Lógico que quaisquer opiniões sobre o que poderia ser feito no futuro próximo, demandam um maior embasamento em dados econômicos, principalmente em termos de macroeconomia, e de conjuntura, principalmente da conjuntura política, para implementar as mudanças necessárias. Seguramente, nossa grande preocupação reside no sistema de ensino e pesquisa no país. 

No caso primeiro aspecto, seguramente, deveria ser visado pelo menos um retorno aos patamares de financiamento que tivemos nas décadas passadas, mas entendo que estamos passando por um momento de releitura da ciência e é preciso apresentar novas propostas e desafios para garantir o suporte das pesquisas, tanto da chamada pesquisa básica como da aplicada, voltadas para a formação de recursos humanos para atender à demanda do setor industrial e do desenvolvimento sustentável nos modelos de Industria 4.0 e da Sociedade 5.0, desafios já apresentados e com os quais seguramente iremos nos deparar. 

Dentro desse contexto de desafios para a nova realidade industrial e social é preciso, urgentemente, uma modificação e atualização de estratégias. O ensino público no Brasil passou por décadas de sucateamento e agora torna-se necessário uma política de estado e não mais de governo, para formar uma sociedade preparada para o novo mercado de trabalho. Na próxima década os empregos terão modificações estruturais e será fundamental preparar nossos jovens para essa nova realidade. Ou seja, parece-me que o modelo atual de ensino público está esgotado! 

Para viabilizar estas transformações serão necessárias severas mudanças nos gastos públicos, com o enxugamento da máquina estatal e o direcionamento dos recursos respondendo prioritariamente às questões: Onde? Quanto? Quando? Por que? Estamos vendo, com frequência, as respostas a estas questões vindas do judiciário, tamanha é a falta de planejamento, desrespeitando as demandas sociais, reais, não restando alternativa ao cidadão ou às associações, a não ser recorrer ao ministério público. 

Por outro lado, a burocracia em que o país está mergulhado aumenta muito o custo Brasil e acredito que, qualquer que seja o nosso próximo governante, este deverá ter em mente além da necessidade de reformas tributárias e fiscais, a drástica redução de cargos comissionados e absolutamente desnecessários no serviço público, em todos os poderes. 

Finalmente, em virtude da diminuição de recursos para a infraestrutura, torna-se urgente realizar chamadas específicas para manutenção do que já existe no país. O incêndio no Museu Nacional foi mais um trágico acidente em uma coleção de tragédias que mostram a ruína do sistema público. O custo para manutenção é muito menor do que o de reconstrução, sem contar que a perda do acervo é irreparável. Sem prédios adequados e sem manutenção, a pesquisa do Brasil passa por um período muito complicado. Mas, isso passa pela manutenção, no mínimo, dos recursos para ensino e pesquisa, algo de deve estar presente nos objetivos do próximo governante do Brasil. 

Aldo Zarbin (IQ-UFPR), ex-presidente da SBQ (2016 a 2018) 

a) Financiamento de pesquisa

Em primeiro lugar, restabeleceria o MCTI, e convidaria um cientista - cientista de verdade, com experiência de gestão, com vários papers publicados, com reconhecimento da sociedade, pesquisador reconhecido no Brasil e no exterior - para ser ministro. 

Também no pacote das primeiras ações, trabalharia junto com a liderança do governo no Congresso Nacional e usaria todas as ferramentas possíveis, incluindo o capital político, para que o congresso revogue a Emenda Constitucional 95/2016, a emenda do teto de gastos que congela investimentos por 20 anos; 

Fortaleceria o CNPq junto ao MCTI e a CAPES junto ao MEC, aumentando os orçamentos dessas duas agências; 

Restabeleceria o papel consultivo do CCT - Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, com reuniões periódicas e agendas propositivas, dando-lhe a responsabilidade de pensar o país pelo viés da C&T; 

Criaria um conselho interministerial para C&T, reunindo diferentes ministérios que têm interesse direto em C&T (além do MCTI e MEC, Min. Saúde, Indústria e Comércio, Agricultura, Fazenda, etc.), para pensar e propor projetos de interesse direto em diferentes áreas, financiados com recursos compartilhados; 

Proporia medidas que garantissem a impossibilidade de contingenciamento dos recursos do FNDCT e dos recursos orçamentários das agências de pesquisa; 

Trabalharia junto dos ministros da área econômica, para a elaboração de um plano de aumento gradual dos investimentos diretos e indiretos em C&T, com a proposição de se atingir 2% do PIB em médio prazo; proporia aumento dos valores das bolsas de pós-graduação; 

Incentivaria via FINEP lançamento de editais de risco, em parceria com setor produtivo; 

Criaria, via agências de fomento, plano especial de incentivo e estímulo a start-ups e empresas encubadas de base tecnológica; proporia EC vinculando royalties do petróleo para Educação e C&T; 

Trabalharia para dar aporte de recursos e fortalecimento nos INCTs; 

Criaria projetos para fixação de novos doutores (inclusive na iniciativa privada), e repatriação de cérebros; 

Criaria programas de divulgação e educação científica em todos os níveis, de forma capilarizada entre estados e municípios; 

Criaria comissão para acompanhamento de projetos de pesquisa, com subsequente consolidação de dados e transparência na divulgação dos resultados, inclusive tornando-os disponíveis para a sociedade, e para fonte de consulta para elaboração de novos editais... 

b) Burocracia

Trabalharia para unificação de processos entre as agências federais - ANVISA, CNPq, CAPES, Receita Federal, Correios, Aduana, para facilitação de trâmites envolvendo importação/exportação de bens e produtos destinados à pesquisa científica ou tecnológica; 

Proporia a eliminação de taxas e impostos de importação de materiais destinados exclusivamente à pesquisa cientifica e tecnológica; 

Trabalharia junto aos órgãos de controle para a facilitação de gastos dos recursos de projetos; 

Proporia comissão para elaboração de projeto de simplificação para abertura de pequenas empresas de base tecnológicas, e de linhas de crédito especiais pelos bancos governamentais para empreendedores de empresas de base tecnológica. 

c) Ensino básico e fundamental

A primeira ação é extinguir a atual proposta da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e retomar a discussão que já estava adiantada baseada nas propostas das sociedades científicas, entre elas a SBQ, que foi extensivamente trabalhada e ignorada na atual versão; 

Reestabelecer as comissões do PNPD; 

Reforçar, fortalecer e integrar ainda mais o ENEM e o projeto de avaliação continuada do ensino médio; 

Fortalecer a estimular a carreira do magistério, via piso salarial e estabelecimento de horas de trabalho remuneradas obrigatórias fora de sala de aula; 

Estimular os programas de capacitação profissional de professores da rede, como o PROFQUI por exemplo. 

d) Infra-estrutura de pesquisa

Tema tratado na primeira resposta. 

e) Observações livres

As eleições de outubro não são só para presidente - a composição do Congresso e das assembleias legislativas é tão ou mais importante que os cargos executivos. É importante que essas casas sejam ocupadas por verdadeiros representantes do povo, que entendam que recursos destinados á educação, ciência e tecnologia não são gastos, e sim investimentos. É importante que se elejam representantes verdadeiramente comprometidos com essas causas - de fato, e não de discurso. 

Há candidatos com esse comprometimento em praticamente todo o espectro político. Com as ferramentas de busca e de acesso de informação existentes hoje, é fácil identificar quem realmente age (e agiu) nesta direção, e quem na hora de votar o faz em direção contrária ao discurso para arregimentar votos. 

Adriano D. Andricopulo (IFSC-USP), ex-presidente da SBQ (2014 a 2016) 

A situação da Ciência, Tecnologia e Inovação é dramática. Se eu fosse o Presidente da República mostraria o meu comprometimento com o futuro e reativaria o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), e colocaria nessa pasta, com autonomia e bases sólidas, um especialista (cientista) com poder de gestão e integração. Se eu fosse o Ministro, meu compromisso seria o estabelecimento de uma meta de investimento de 2,5% do PIB para viabilizar a retomada da Ciência nacional (tão sofrida e pouco valorizada nos últimos tempos). Precisamos reconstruir o país que queremos e investir no futuro, com Educação e Ciência de primeiro mundo. A Ciência tem que estar na "Agenda Nacional". É preciso a criação de um projeto estratégico de longo prazo, com sustentação. 

Alguns pontos de destaque: 

URGENTE: Recompor os Fundos Setoriais e o orçamento de Ciência e Tecnologia para os montantes de 2013, no mínimo. Eliminar o contingenciamento de recursos para a área. 

Emenda constitucional do teto de gastos públicos (PEC 95). Esse é um ponto essencial que merece uma revisão imediata. É um tema complexo, mas estamos com recursos muito reduzidos, da ordem de 30% do que era aplicado alguns anos atrás. Isso traz prejuízos enormes e coloca em risco o futuro de nosso país. Precisamos investir em Ciência Básica e Aplicada e fortalecer os centros e institutos de pesquisa Brasil a fora. É necessário diminuir os desequilíbrios e as assimetrias dos financiamentos nas esferas nacional e estadual, que requer o fortalecimento e mais investimentos na CAPES, CNPq, FINEP e nas FAPs (Fundações de Amparo à Pesquisa). Somente com infraestrutura adequada e recursos públicos seguros e contínuos, poderemos seguir em frente. É preciso evitar tragédias como a que devastou o Museu Nacional no Rio de Janeiro. 

Apoiar efetivamente adequadamente projetos estruturantes: como os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) e os laboratórios nacionais multiusuários

Burocracia: é absurda e engessa a pesquisa científica no Brasil em áreas estratégicas importantes, nas quais os avanços científicos e tecnológicos e o estado-da-arte e a vanguarda não dão espaço para a morosidade/descaso no cenário internacional. Espera-se a aplicação do "Marco legal", Lei 13.243 – aprovada pelo Congresso. 

Criação de mecanismos efetivos de comunicação com a sociedade: a Ciência e a Tecnologia são fundamentais para vários setores estratégicos do país. Educação, saúde, energia, água, alimentos, transporte, lazer, habitação, entre muitos outros. É necessário aproximar o cientista da sociedade melhorado os mecanismos de comunicação. Sem essa interação efetiva dificilmente vamos avançar em importância em nossa comunidade geral. É especialmente importante atrairmos jovens brilhantes para a ciência. Estes são o nosso futuro e a nossa esperança de tempos melhores. 

Jailson Bittencourt de Andrade (IQ-UFBA), ex-presidente da SBQ (1996 a 1998) 

a) Financiamento de pesquisa; 

Acredito fortemente que o Brasil precisa investir pelo menos 2% do Produto Interno Bruto (PIB) em pesquisa, como ocorre em países desenvolvidos. De imediato, acabaria com o contingenciamento dos recursos dos Fundos Setoriais e regulamentaria o uso dos recursos provenientes do Fundo Social (criado pelo artigo 47 da Lei no 12.351/2010, vinculado à Presidência da República) para a área de CT&I. Estas duas ações injetariam recursos, já existentes, no sistema de C,T&I suficiente para mais que dobrar o orçamento do MCTI. 

Adicionalmente, utilizaria o poder de compra do Estado para incentivar o desenvolvimento de novas indústrias com perfil inovador, encorajando a inovação nas empresas, permitindo a instalação de centros de pesquisas empresariais e estimulando a colaboração entre elas e os institutos de pesquisas e as IES. 

b) Burocracia 

A lei que regula o marco legal de C,T&I já melhorou consideravelmente o ambiente. Entretanto, a aplicação dos recursos considerando verbas de custeio e capital ainda é um gargalo para o bom funcionamento do sistema. A forma de atuação do CNPq, seja com editais do tipo "universal" ou os Institutos Nacionais de C&T, já representa um sistema bastante "leve" de gestão, focado no pesquisador. Entretanto, no caso de projetos institucionais, poucas IES conseguem realizar uma gestão com foco nos objetivos do projeto. Seja utilizando o sistema de gestão da IES ou de Fundações de Apoio a Pesquisa a atuação é altamente burocratizada e a utilização dos recursos vai de ineficiente a de baixa eficiência. Nestes casos, daria imediatamente autonomia total às IES e, em contrapartida, cobraria eficiência, eficácia e responsabilidade. 

c) Ensino básico e fundamental 

O Brasil precisa de uma revolução na educação em todos os níveis do ensino infantil ao técnico e as diversas formas de educação superior. Revolução que seja baseada na qualidade do ensino, de amplo alcance populacional e respeitando as diversidades culturais e ambientais. Que valorize a qualificação do professor da educação básica e que promova a atração de jovens talentosos para o ensino. Não basta simplesmente aumentar os recursos, sem valorizar e qualificar melhor o professor, bem como modernizar a forma de educar. Em resumo, iniciaria imediatamente a "revolução na educação". 

d) Infra-estrutura de pesquisa

O Brasil precisa ampliar e integrar a sua infra-estrutura de Pesquisa para que possa atuar na fronteira do conhecimento. A mais importante parte da infra-estrutura é, certamente, o Capital Humano, ou seja a inteligência. Isto requer um robusto programa intercambio no pais e no exterior e um programa "infra-estrutura da inteligência" que apoiaria a instalação e fixação dos jovens doutores em todas as regiões do país. Reforçaria as formas em vigor de apoio à ciência e tecnologia, como os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), o Edital Universal e o Programa de Infraestrutura (PROINFRA) no âmbito federal, e projetos como os Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID), no domínio estadual. Ampliaria e reforçaria as unidades de pesquisa e os projetos nacionais mobilizadores como, por exemplo, o Sirius e o programa espacial brasileiro. Estas ações são fundamentais para o Brasil atuar na fronteira do conhecimento. 

e) Observações livres 

Em resumo, criaria condições efetivas para o Brasil utilizar intensamente ciência, tecnologia e inovação para o desenvolvimento nacional sustentável, como forma de mitigar as diferenças sociais e regionais do país. 

Para tal, realizaria ações urgentes para:

i) a criação de bases nacionais de pesquisa e de experimentação estabelecidas em consonância com as principais necessidades estratégicas do Brasil, formadas por centros e laboratórios nacionais, integrados por equipes interdisciplinares de nível avançado, em áreas emergentes ou em que o Brasil dispõe de reconhecida competência internacional; 

ii) o fortalecimento e a modernização dos laboratórios nacionais de referência, de forma contínua e planejada, mediante sobretudo a ampliação das respectivas capacidades cientificas, de operação e de gestão; 

iii) promover o estreitamento da interação da ciência com os setores empresarial e governamental, por meio da criação de novos institutos/laboratórios, com a função de produzir e transferir tecnologias para o setor empresarial, visando a geração de conhecimento aplicado voltado para a inovação tecnológica de nível internacional. Tais institutos deverão ser capazes de realizar grandes projetos mobilizadores, para induzir o surgimento de setores econômicos novos e de ponta ou expandir e modernizar os existentes. Só assim o Brasil terá um caminhar firme para um futuro próspero!

 

Texto: Mario Henrique Viana (Assessoria de Imprensa da SBQ)