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Artigo de Aldo José Gorgatti Zarbin, professor da UFPR e presidente da Sociedade Brasileira de Química (SBQ), sobre as atividades no Congresso do dia 10 de outubro: "um dia histórico em que cientistas, professores, estudantes de pós-graduação, dirigentes de instituições de ensino e pesquisa, dirigentes de fundações e de institutos de pesquisa e representantes do setor empresarial se uniram no calor de Brasília para se fazerem ouvir" 

"Essa casa funciona sob pressão. É importante que vocês estejam aqui hoje, para fazer pressão pelo orçamento da Ciência e Tecnologia".

A frase ao estilo mais-direto-impossível foi dita pelo deputado e ex-ministro Celso Pansera, no dia 10 de outubro de 2017, ao abrir os trabalhos da audiência pública da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicações e Informática da Câmara dos Deputados, para discutir a crise na ciência brasileira. A audiência foi uma das várias atividades organizadas em Brasília nos dias 9 e 10/10/2017 pela SBPC e pelo movimento Conhecimento sem Cortes, visando sensibilizar a população e principalmente os membros do Poder Legislativo sobre a importância da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) para o desenvolvimento do Brasil enquanto nação soberana, e fundamentalmente visando uma reversão no horizonte sombrio que se desenha para a CT&I no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2018. Nessas atividades, um total de 70 entidades, entre sociedades científicas e instituições ligadas à área de CT&I no Brasil, se fizeram representar, uniram forças e gritaram em uníssono contra o desmanche da estrutura brasileira de CT&I que está sendo proposta no PLOA de 2018, reivindicando que os valores sejam minimamente compatíveis com a grandeza e importância da CT&I no cenário nacional, além do descontingenciamento dos recursos de 2017. Os números (cujo detalhamento pode ser consultado em vários textos divulgados pela SBPC, ABC, etc.) são trágicos em si, e ainda mais devastadores quando se leva em conta que a partir de 2018 estaremos vivendo sob a égide da Emenda Constitucional 95, uma excrescência que foi batizada como a emenda do fim do mundo, que congelará os investimentos (incluindo CT&I, saúde e educação) por 20 anos aos valores adotados em 2018.

A audiência pública começou com brilhantes exposições da incansável Helena Nader, ali representando a Academia Brasileira de Ciências, e do também incansável presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, e seguiu com outras exposições de representantes de entidades (como a Andifes, por exemplo), intercaladas com manifestações de parlamentares presentes na sessão. Falaram, na sua grande maioria, deputados que durante sua carreira têm demonstrado simpatia à causa da CT&I. Declarações contundentes de que há recursos, mas não há priorização pelo governo, foram marcantes nos discursos da maioria dos deputados presentes na audiência. 

A seguir foi realizado um ato em defesa da CT&I no salão verde da Câmara, onde o documento com 83.000 assinaturas populares recolhidas pelo movimento Conhecimento sem Cortes foi entregue ao presidente em exercício do Senado, senador Cassio Cunha Lima. Seguiu-se a manifestação de vários deputados e senadores, em um debate que se acalorou em determinado momento. As assinaturas foram entregues, e o presidente em exercício do Senado fez um discurso protocolar, dizendo-se simpático à causa, mas sem demonstrar nenhum comprometimento de fato.

Na sequência saímos em passeata pelos corredores do Congresso até o gabinete do presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia, que nos recebeu, juntamente com outros deputados, e recebeu das mãos de Tatiana Roque, coordenadora do movimento Conhecimento sem Cortes, as 83.000 assinaturas populares coletadas. O deputado se disse também comprometido com a causa, mas também não acenou com nenhuma ação concreta. 

Durante todo o dia, várias cópias da "Carta aos Parlamentares Brasileiros", subscrita pelas entidades científicas, foram entregues pelos membros da comitiva científica a diferentes deputados e senadores. Entre todas as ações, tivemos a participação efetiva de 52 parlamentares, e muitos outros indiretamente atingidos através dessa carta. 

Quis o destino que todas essas atividades em defesa da CT&I do Brasil coincidissem em local e horário com a leitura do parecer do deputado Bonifácio Andrada, relator na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, sobre as graves denúncias de corrupção envolvendo Michel Temer; quis o destino que os números envolvendo a liberação de recursos em emendas parlamentares e acordos para impedir que o congresso autorizasse a denúncia contra Michel Temer fossem divulgados, e na comparação com o que se pede para o desenvolvimento da CT&I do Brasil, deixassem a nítida sensação de que, como já se preconizava anteriormente, os recursos existem, mas as prioridades são outras; quis o destino que o relator deputado Bonifácio Andrada, que divulgava seu parecer pela rejeição da denúncia e da continuidade da investigação contra Michel Temer no mesmo momento em que cientistas tentavam se fazer ouvir no Congresso, fosse descendente direto de um grande cientista brasileiro, José Bonifácio de Andrada e Silva, o "Patriarca da Independência", que dentre outros feitos descobriu quatro diferentes minerais, dentre eles a Petalita, que permitiria logo depois a descoberta do elemento lítio; quis o destino que o "Patriarca da Independência" no Brasil fosse um renomado cientista, pois se sabe, há muito tempo, que não há soberania e independência de fato de uma nação sem uma soberania tecnológica, que é oriunda de um forte desenvolvimento científico, que jamais se alcança sem recursos; quis o destino que todos esses fatos estivessem entrelaçados em um dia histórico em que cientistas, professores, estudantes de pós-graduação, dirigentes de instituições de ensino e pesquisa, dirigentes de fundações, dirigentes de institutos de pesquisa e representantes do setor empresarial se uniram no calor de Brasília para se fazerem ouvir. Para finalmente demonstrarem força. Para fazerem pressão, não por fisiologismo, não por corporativismo, não por salários ou ganhos pessoais, mas pelo futuro e soberania do Brasil, que se dá inequivocamente através do fortalecimento da educação, da ciência e da tecnologia. 

As atividades de 9 e 10/10/2017 ecoaram. Houve divulgação da mídia e os parlamentares foram atingidos. A população começa a descobrir (tardiamente, façamos o mea-culpa), através de diferentes ações como as Marchas pela Ciência, que recursos em CT&I são investimentos, e não gastos. Os cientistas começam a perceber (tardiamente, façamos novamente o mea-culpa) a gravidade da situação, e estão saindo de seus laboratórios. Sob a coordenação da SBPC, criamos o Fórum Permanente das Sociedades Científicas, onde ações de resistência estão sendo planejadas e executadas. 

A Sociedade Brasileira de Química (SBQ) está na linha de frente da resistência, e tem se manifestado categoricamente em absolutamente todas as ações que vêm sendo realizadas contra o sistema nacional de educação, ciência, tecnologia e inovação. É preciso, mais do que nunca, ouvir as palavras do deputado Pansera, e pressionar. Demos um passo importante nessa direção. Não temos o direito de esmorecer agora. 

*O Jornal da Ciência publica esta semana manifestações das Associações Afiliadas da SBPC sobre as atividades em defesa da CT&I e educação realizadas no Congresso no dia 10 de outubro.

Fonte: Jornal da Ciência