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A importância da Química Inorgânica para a Medicina

Especialista em metalofármacos, Heloisa Beraldo, da UFMG, fará a conferência de abertura da 39ª Reunião Anual da SBQ

A professora Heloisa Beraldo, da UFMG, é especialista em Química Medicinal Inorgânica. Ela tem se dedicado ao estudo de ligantes orgânicos e complexos metálicos como candidatos a fármacos. Ela fará a conferência de abertura "O Papel da Química Inorgânica na Descoberta de Fármacos", da 39ª. Reunião Anual da SBQ, em 30 de maio, em Goiânia.

Pesquisadora associada ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Fármacos e Medicamentos (INCT-INOFAR), e membro titular da Academia Brasileira de Ciências, a professora Heloisa realizou importantes contribuições para a Química Medicinal Inorgânica, por meio de estudos de complexos metálicos bioativos, seus mecanismos de ação e suas interações com alvos biológicos tais como o DNA e enzimas. A professora também se interessa pelo planejamento de novos ligantes orgânicos para metalofármacos e para a remoção de metais tóxicos. 

Heloisa formou-se Química pela UFMG em 1974 e obteve o título de mestre em Química pela mesma instituição em 1979. Obteve o título de doutor pela Universidade Paris VI, em 1984, e realizou um estágio de pós-doutorado na Illinois State University (EUA) em 1996. Tem 130 trabalhos publicados (web of Science), com mais de 2.600 citações e fator h 28. É membro do conselho editorial da SBQ e revisora de uma diversidade de periódicos. 

Leia íntegra da entrevista concedida pela professora Heloisa Beraldo ao Boletim da SBQ: 

Qual importância dos metalofármacos nos diversos tratamentos e diagnósticos? 
A grande maioria dos medicamentos em uso clínico é constituída por compostos orgânicos. No entanto, medicamento à base de metais têm sido usados desde a Antiguidade. Hoje em dia compostos de platina tais como "cisplatina" e "carboplatina" são empregados diariamente no mundo todo para o tratamento de tumores. Compostos de ouro como aurotiomalato foram utilizados contra a artrite reumatoide, compostos de bismuto são usados para tratar úlcera gástrica, e o nitroprussiato de sódio – um complexo de ferro – é empregado nas emergências hipertensivas. Radiofármacos contendo metais como tecnécio (99Tc) são amplamente utilizados em diagnósticos por imagem. Desse modo, os metalofármacos desempenham um papel muito importante na Medicina atualmente. 

Quais as conquistas recentes do seu grupo de pesquisa e os próximos desafios? 
Nosso grupo tem se dedicado ao estudo de complexos metálicos como candidatos a fármacos antimicrobianos, antitumorais e antiparasitários. Investigamos as interações entre esses compostos e biomoléculas-alvo, e seus mecanismos de ação. 
A descoberta das propriedades antitumorais da cisplatina, em 1965, e sua utilização na clínica médica a partir de 1978, representaram um grande estímulo para a busca de metalofármacos antitumorais. A cisplatina e seu derivado de segunda geração carboplatina apresentam limitações tais como os sérios efeitos colaterais e o aparecimento de resistência celular. Desse modo, vários grupos de pesquisa têm procurado desenvolver novos complexos metálicos que pudessem substituir ou serem administrados em combinação com os complexos de platina. Nos últimos anos mostramos que complexos de ouro(I), ouro(III), antimônio(III) e gálio(III) podem exibir potente efeito antineoplásico contra células de tumores sólidos e leucemias. Em alguns casos os complexos por nós estudados mostraram bom índice de seletividade, sendo mais citotóxicos frente a células tumorais do que frente a células sadias. Esses complexos agem por mecanismos distintos e diferentes daqueles dos medicamentos à base de platina. 
A Química Inorgânica pode também contribuir para a Química Medicinal por meio do planejamento de ligantes orgânicos que se unam a metais tóxicos para removê-los. Nosso grupo tem feito algumas contribuições recentes no planejamento desses ligantes para complexar cobre(II), um íon metálico que poderia, segundo algumas teorias, estar envolvido na agregação do peptídeo b-amilóide, um dos marcadores da Doença de Alzheimer. 

O que é preciso para diminuir o tempo de acesso da população às inovações em desenvolvimento de fármacos? 
O Brasil precisaria deixar de ser apenas mercado consumidor de medicamentos (um dos maiores mercados consumidores do mundo) e passar a ser também produtor de inovações farmacêuticas. Temos pesquisadores com excelente formação em sínteses orgânicas e inorgânicas, em biologia molecular e em bioquímica, e estamos investindo na formação de pessoal qualificado com perfil multidisciplinar que possa atuar no planejamento e no desenvolvimento de novos fármacos. O desenvolvimento de um novo fármaco é um processo caro, lento e que traz riscos que a indústria farmacêutica brasileira não está disposta a correr. O número de doutores contratados para fazer pesquisa nas indústrias é ainda muito pequeno no país. As indústrias brasileiras dedicam-se basicamente à fabricação de genéricos, a partir de princípios ativos importados, sendo grandes produtores mundiais desses medicamentos. Atualmente indústrias multinacionais passaram a se interessar pelo mercado de genéricos no Brasil. No entanto, para conseguirmos fazer inovações radicais que levassem à descoberta de novos fármacos desenvolvidos no país, e que viessem a beneficiar a população, seria preciso haver avanços na indústria farmacêutica nacional com o empenho e articulação por parte do governo. 

Em sua opinião, quais os obstáculos à evolução da pesquisa científica no Brasil? 
A pesquisa científica no Brasil teve grande expansão no país nos últimos 50 anos e atualmente a produção científica brasileira corresponde a cerca de 3% da produção mundial, sendo a maior entre os países da América Latina. Isto ocorreu em parte em razão da consolidação da política de pós-graduação ocorrida a partir dos anos 1960 e em razão do financiamento à pesquisa, que, no entanto, tem sido muito aquém do que seria necessário e tem ocorrido em geral de forma descontinuada. Estamos atualmente na 13ª posição mundial em termos de publicações em periódicos indexados. No entanto, o país investe apenas 1,1% do PIB em Ciência e Tecnologia, o que representa muito pouco. O setor empresarial também teria que investir mais. 
Mas a continuidade no financiamento e um maior investimento em Ciência e Tecnologia não serão suficientes sem que o Brasil tenha educação e ciência obrigatórias e universais desde o ensino fundamental, para que a população acredite que o bem estar social depende do seu nível de educação, e da ciência e da tecnologia que são feitas no país. É um processo muito lento, uma cultura que terá que ser criada, mas que será necessária para que os gestores e o país possam se empenhar em desenvolver as ciências e as tecnologias que são as bases de uma economia sustentável e moderna. 

Em 2017 teremos o Congresso Mundial da Química no Brasil. Como isso pode impulsionar a comunidade química no Brasil? 
A realização do Congresso Mundial de Química da IUPAC no Brasil em 2017 representa um grande marco para a Química no país. O congresso, que ocorrerá pela primeira vez em cem anos na América do Sul, tem como tema "sustentabilidade e diversidade através da Química", e um programa que abrange as várias áreas da Química e áreas de interface. Será uma excelente oportunidade de encontro de cientistas e representantes de indústrias do mundo todo, que terá um forte impacto na Química brasileira, uma das áreas de maior importância na economia nacional. A realização do congresso no Brasil, desde o início de sua organização, dá maior visibilidade internacional para a Química brasileira em seus mais diferentes aspectos, desde a ciência feita na academia até a Química desenvolvida na indústria. 

Na semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, o que a senhora diria sobre o papel da mulher na ciência? 
Fazer a conferência de abertura da 39ª Reunião Anual da SBQ é para mim uma grande honra, mas também uma grande responsabilidade como mulher cientista. As mulheres têm se dedicado às Ciências desde há muitos anos. Talvez sejam mais conhecidas mulheres cientistas que nasceram a partir do final do século XIX, mas achei interessante citar aqui três exemplos de mulheres que viveram antes do século XIX, e que tiveram grande importância na Ciência. Preferi falar sobre essas mulheres do que dar estatísticas da participação feminina nas Ciências, nas Academias e nos órgãos de fomento e gestão da pesquisa científica. 
Christine de Pizan viveu na França entre 1364 e 1430, e participou de uma polêmica conhecida como Querelle des Femmes (Querela das Mulheres), na qual defendia o direito à educação para as mulheres. Essa polêmica duraria quatro séculos. Em sua obra "La Cité des Dames" (A cidade das Mulheres), um tratado sobre a contribuição das mulheres ao saber técnico e científico, publicado em 1405, Christine de Pizan aborda a questão do direito à educação das mulheres e afirma que as Ciências deveriam ser ensinadas metodicamente tanto aos meninos quanto às meninas. 
Cito também a figura feminina mais marcante na Ciência do século XVIII, Gabrielle Emilie Le Tonnelier de Bréteuil (1706-1749) a Madame du Châtelet, que tinha sólidos conhecimentos de Física e Matemática e cujo trabalho de maior envergadura foi a tradução, para o francês, da principal obra de Newton, a Philosophiae Naturalis Principia Mathematica (Princípios Matemáticos da Filosofia Natural). Esta é ainda hoje a única tradução do trabalho para o francês. 
Finalmente gostaria de mencionar a química francesa Marie Meurdrac, autora do livro "La Chimie charitable et facile en faveur des dames" (A Química caridosa e fácil em favor das mulheres), publicado pela primeira vez em 1666. Marie Meurdrac teria sido a primeira química na História da Ciência. A partir da análise do texto, historiadores inferiram que Marie Meurdrac possuía um laboratório, e que ensinava Química prática a um público feminino. É interessante que nessa obra Marie Meurdrac menciona o uso de medicamentos à base de metais. 
Mais informações sobre a história das contribuições científicas das mulheres podem ser encontradas nos trabalhos da professora Lucia Tosi, química e historiadora da ciência, sobre quem eu escrevi um artigo que foi publicado na Revista Virtual de Química

Artigos sugeridos

“8-Hydroxyquinoline Schiff-base Compounds as Antioxidants and Modulators of Copper-Mediated Aβ Peptide Aggregation”, L.M.F. Gomes, R.P. Vieira, M.R. Jones, M.C.P. Wang, C. Dyrager, E.M. Souza-Fagundes, J.G. Da Silva, T. Storr, H. Beraldo,J. Inorg. Biochem. 2014119, 106-116.

“2-Acetylpyridine- and 2-benzoylpyridine-derived hydrazones and their gallium(III) complexes are highly cytotoxic to glioma cells”, A.A.R. Despaigne, G.L. Parrilha, J.B. Izidoro, P.R. da Costa, R.G. Dos Santos, O.E. Piro, E.E. Castellano, W.R. Rocha, H. Beraldo, Eur. J. Med. Chem. 201250, 163-172.

“Gold(I) complexes with thiosemicarbazones: Cytotoxicity against human tumor cell lines and inhibition of thioredoxin reductase activity”, J.A. Lessa, J.C. Guerra, L.F. De Miranda, C.F.D. Romeiro, J.G. Da Silva, I.C. Mendes, N.L. Speziali, E.M. Souza-Fagundes, H. Beraldo, J. Inorg. Biochem2011105, 1729-1739.

“Antimony(III) complexes with 2-benzoylpyridine-derived thiosemicarbazones: Cytotoxicity against human leukemia cell lines”, D.C. Reis, M.C.X. Pinto, E.M. Souza-Fagundes, S.M.S.V. Wardell, J.L. Wardell, H. Beraldo, Eur. J. Med. Chem201045,3904-3910.

“Coordination of nitro-thiosemicarbazones to ruthenium(II) as a strategy for anti-trypanosomal activity improvement”, C. Rodrigues, A.A. Batista, J. Ellena, E. Castellano, D. Benitez, H. Cerecetto, M. González, L. Teixeira, H. Beraldo, Eur. J. Med. Chem. 201045, 2847–2853.

Para saber mais:

Palestra da Professora Heloisa sobre Planejamento de Ligantes para Química Medicinal Inorgânica, na UFRJ, 2014.

 

A 39ª Reunião Anual da SBQ será no Centro de Convenções de Goiânia, de 30 de maio a 2 de junho de 2016.

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Texto: Mario Henrique Viana, assessor de imprensa da SBQ