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Tania leva arte e criatividade à formação de professores e cientistas

Médica especialista em divulgação científica falará na 38ª. RASBQ sobre a importância da pós-graduação em Ensino para melhorar a educação básica

"Arteciência significa incluir e praticar na formação do cientista algumas habilidades artísticas, como música, teatro, desenho, cinema, escultura, modelagem, dança, e permitir que as ideias surjam em contextos prazerosos, lúdicos, que são muito ricos como promotores de criatividade... É trazer a paixão e o encantamento que movem o cientista no seu processo de fazer ciência, para todas as atividades de ensino e pesquisa... É preciso formar pessoas que aprendam a aprender continuamente."

Ela trabalha com inovação, mas uma inovação diferente daquela a que cientistas estão acostumados. Para além dos laboratórios químicos, a professora Tania Cremonini de Araujo-Jorge se preocupa com um aspecto específico na formação do cientista: a arte, como componente da inovação e da criatividade. Há mais de 40 anos ela trabalha com divulgação científica, articulando ciência e arte. Em 2011, descobriu o manifesto Artscience, que traduziu para o Português e adotou em suas práticas e pesquisas. "Arteciência significa incluir e praticar na formação do cientista algumas habilidades artísticas, como música, teatro, desenho, cinema, escultura, modelagem, dança, e permitir que as ideias surjam em contextos prazerosos, lúdicos, que são muito ricos como promotores de criatividade. E vice-versa, inserir habilidades científicas, como a categorização, a identificação e organização de padrões, o trabalho com analogias, a modelização, nas atividades artísticas. É trazer a paixão e o encantamento que movem o cientista no seu processo de fazer ciência, para todas as atividades de ensino e pesquisa. É focar mais no processo e nas habilidades do que no produto final, seja artístico ou científico. Arteciência me permite fazer de fato uma formação de qualidade com o aluno com que eu esteja trabalhando, seja ele um estudante do ensino médio, um agente de saúde, ou um doutorando", explica a professora Tania. 

Formou-se médica em 1980 (UFRJ), tem mestrado e doutorado em biofísica e pós-doutorado na Université Libre de Bruxelles, em Protozoologia Parasitária Animal. Entre diversas atribuições (Fiocruz e CNPq), ela é coordenadora da área de Ensino da CAPES. Sua conferência na 38ª. RASBQ, a ser realizada em maio, em Águas de Lindóia, abordará aspectos da formação de professores, especificamente a pós-graduação na área de ensino, com vistas a melhorias no ensino básico. 

Tania Cremonini de Araujo-Jorge falou com o Boletim da SBQ

Como avalia o interesse das pessoas pela pós-graduação em ensino no Brasil?
É crescente. Tanto pela perspectiva de melhorias salariais quando os planos de carreira prevem melhor remuneração em razão da titulação, como simplesmente pelo prazer de galgar mais uma etapa no processo continuado de formação dos educadores. Os diversos programas de pós-graduação tanto na área de Ensino como na área de Educação, tem tido demanda crescente em seus processos seletivos, sempre superando o numero de vagas disponibilizadas (às vezes em 100 vezes, como os vestibulares). Por outro lado nesses processos também se revela a grande fragilidade da formação na graduação, que vem deixando muito a desejar. As reprovações nos processos seletivos têm a ver com a limitação no número de vagas, que torna o processo muito competitivo, mas também com a baixa qualidade da formação nas licenciaturas e bacharelados. Para ampliar as vagas precisamos de mais doutores na função de docente de pós-graduação, e de mais programas, o que vem sendo conseguido. Mas para melhorar a graduação temos que ter um esforço muito articulado, reestruturando currículos, práticas, inserindo a vivencia em pesquisa no processo de formação de graduação e, sobretudo, temos que melhorar também o ensino médio. 

E a educação básica? 
É como um copo d´água meio cheio e meio vazio. É inegável que os avanços na última década impulsionaram demais o País. Nunca tivemos uma aceleração tão forte nos investimentos, na abertura de novas universidades e campi, na interiorização do ensino, nas oportunidades de bolsas para professores e estudantes. Se o índice de desenvolvimento humano (IDH) do Brasil aumentou de 0,612 para 0,727 em 10 anos, ou seja, quase 20%, isso se deve ao aumento de seus componentes, renda, longevidade e educação, mas, sobretudo, a este ultimo: na educação passamos de 0,456 em 1991 para 0,637 em 2010, ou seja 40%. E há municípios em que o IDH é similar ao de países desenvolvidos como a França e a Suécia. 

A educação básica se enfrenta é no município, na escola, e as políticas públicas devem ter esse foco, de fortalecimento dessas unidades, em todas as suas dimensões, a física, com melhorias de infra-estrutura, e a humana, com valorização e qualificação dos professores. Sem isso, o copo não enche mais do que já está. Nosso desafio hoje é a qualidade, e por isso a pós-graduação é mais importante do que nunca. Ela possibilita mudar o patamar de qualidade dos professores. 

Quais os desafios do ensino de ciências – e química – no Brasil? 
Primeiro, melhorar o ensino médio, revendo o currículo conteudista que precisa ser modificado, inserindo a reflexão e as práticas do método científico nas aulas, de modo a formar pessoas que aprendam a aprender continuamente. O ensino de química segue com os mesmos problemas do ensino de ciências: poucos professores, licenciaturas que não têm numero suficiente de ingressos, professores formados que desistem da educação e buscam outros empregos que remuneram melhor. Mas por outro lado, o ensino de química é dos que mais podem motivar os jovens na educação básica, e vemos que há muitas iniciativas inovadoras sendo apresentadas nos congressos e encontros, publicadas nos veículos que atingem os químicos e os estudantes e professores de química. A SBQ tem tido um papel muito importante nesse movimento de manter o ensino de química questionador e inovador, contribuindo para a melhoria geral do ensino no País. 

Você foi a primeira mulher eleita e reeleita na direção do Instituto Oswaldo Cruz em 105 anos. Como foi essa experiência? 
Foi muito boa. Passei oito anos na gestão do mais antigo instituto biomédico do País, complexo, organizando o trabalho de cerca de três mil pessoas, em 71 laboratórios de pesquisa e seis programas de pós-graduação. Isso me ensinou muito, me instigou a entender como fazer uma gestão transparente e integradora, experiência que está me ajudando agora na coordenação da área de Ensino na CAPES. Para mim não foi um carregamento de piano, mas uma oportunidade maravilhosa, em que a confiança das pessoas e seu entusiasmo fez toda a diferença. 

Existe discriminação de gênero no ambiente científico? 
Eu nunca vivi essa discriminação, pois sempre trabalhei no serviço público com plano de carreira e remuneração igual para homens e mulheres. Mas se verificarmos os números de cientistas mulheres que atingem os cargos mais elevados de gestão, a discriminação é uma realidade. Também no período em que a mulher se dedica à maternidade, e eu tive três filhos, sei do que estou falando, a mulher cientista tem que se esforçar dobrado para conseguir imprimir o mesmo ritmo à sua carreira que um homem. 

Como surgiu seu interesse pela Educação? 
Ainda quando eu era estudante de graduação em medicina, fui professora de ensino médio, de laboratório de biologia, com base na pratica que eu já tinha de pesquisa, pois fiz pesquisa desde meu primeiro ano na faculdade, na década de 70, como bolsista de iniciação cientifica no Instituto de Biofísica da UFRJ. Ministrava cursos de férias para os alunos de graduação e era sindicalizada como professora da rede privada. Depois me afastei um pouco, me dedicando ao mestrado e ao doutorado, mas sempre me mantive ativa na divulgação cientifica, ensino não formal. Depois que meu laboratório já estava consolidado, havia uma demanda grande de professores que queriam conhecer e estudar na Fiocruz e não havia nenhum curso para professores. Montamos então uma Especialização em Ensino de Ciências e Saúde para professores, o equivalente hoje a um Mestrado Profissional, que depois virou Biociências e Saúde, e em 2004 montamos o mestrado e o doutorado. Passamos a receber ainda mais professores, de diversos níveis e modalidades de ensino, e assim meu reencontro com a educação, via ciência e saúde, foi muito natural.

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Documento de Área CAPES: Ensino
http://www.avaliacaotrienal2013.capes.gov.br/documento-de-area-e-comissao

“Dialogia do riso: um novo conceito que introduz alegria para a promoção da saúde apoiando-se no diálogo, no riso, na alegria e na arte da palhaçaria”, M. V. C. Matraca, G. Wimmer, T. C. Araújo-Jorge, Ciência e Saúde Coletiva 201116, 4127−4138.

“A música pode ser uma estratégia para o ensino de Ciências Naturais? Analisando concepções de professores da educação básica”, M. D. M. Barros, P. G. Zanella, T. C. Araújo-Jorge, Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências 201315, 81.

“Construção de espaços de escuta, diagnóstico e análise coletiva de problemas de saúde pública com a linguagem teatral: o caso das oficinas de jogos teatrais sobre a dengue”, D. F. Oliveira, C. C. R. Mendonça, R. M. S. Meirelles, C. M. L. M. Coutinho, T. C. Araújo-Jorge, M. R. M. P. Luz, Interface (Botucatu)201216, 929−942.

Texto: Mario Henrique Viana (Assessoria de Imprensa da SBQ)

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