Menu principal

Mais lições de Aaron Ciechanover

O Nobel de Química de 2004, nas respostas à plateia de sua conferência na 38ª. RASBQ, contou uma história de gratidão, falou sobre qualidade da ciência e fator de impacto, sobre o que é preciso para obter sucesso na carreira e aspectos culturais que influenciam a ciência, e lembrou como sua pesquisa, no início, não animava a comunidade científica.

 

Sobre a felicidade de ser um Nobel

Um prêmio é sempre um prêmio, e eles desempenham um papel importante na sociedade, uma maneira de se reconhecer conquistas. Sejamos francos: vocês me convidaram para este evento porque ganhei um Nobel, correto? 

Mas obviamente ajudar as pessoas me faz mais feliz. Vou contar uma história: Quando eu estava em Estocolmo, em dezembro de 2004, para receber o Nobel, a embaixada israelense fez uma festa para nós. O esquema de segurança era forte, muito cuidado com quem entraria e tudo o mais. Então o embaixador tinha um presente para mim. Pensei "ótimo!" e esperei por um embrulho. Mas o presente era um ser humano. Este homem, muito persistente, levou duas semanas para convencer a segurança de que era um bom homem, não era um terrorista e não tinha intenção de explodir a festa. E ele finalmente foi liberado para entrar. Essa é uma parte da história. 

A outra parte é que até dois meses antes dessa festa este homem estava morrendo. Ele tinha mieloma múltiplo, um câncer de medula. Em 2004, o primeiro medicamento decorrente da nossa pesquisa era recém-aprovada pela FDA para venda nos Estados Unidos. Ainda não era liberada para a Europa ou nenhum outro lugar. Este homem estava tão doente que já recebera a extrema unção de um padre, no hospital em Estocolmo. Foi quando seus médicos ouviram falar desse novo medicamento e fizeram um pedido especial às autoridades. O homem recebeu a permissão de usar o remédio e em um mês já estava em pé novamente. Ele veio a mim, me deu a mão e disse que vira para me agradecer por ter-lhe salvo a vida. De início achei um certo exagero. Eu não sabia seu nome, não o conhecia, não sou mais médico, nem mesmo desenvolvi o medicamento. Ele disse que sabia disso tudo, e que eu havia descoberto o alvo do medicamento sem o qual o remédio não teria sido criado. "Você iniciou uma série de acontecimentos que levaram à minha cura", ele me disse. Foi um momento muito inspirador e gratificante, porque 25 anos antes eu decidira, com minha esposa, que abandonaria a medicina e iria para a Ciência. Nesse instante eu acabara de descobrir que agora tinha a capacidade de ajudar mais pessoas, sem nem conhecê-las. Histórias assim têm se repetido desde então – semana passada em Israel foi parecido. 

Então obviamente que fico feliz com o Prêmio Nobel, não nego. Você comemora um dia, dois, três e depois o que faz? Vai trabalhar. Tenho um laboratório, estudantes, bolsistas, tenho muito a fazer. 

Sobre suas pesquisas, do início ao Nobel

Não me tornei um cientista para ganhar um Nobel. Eu era jovem, curioso, apaixonado e interessado nos segredos da natureza. Quando descobrimos o sistema da ubiquitina, não tínhamos ideia de que ele existia, tínhamos dúvidas, perguntas que a Biologia não respondia. E de repente a ubiquitina 'caiu no nosso colo'. Nossa pesquisa progrediu lentamente. No começo apenas nosso grupo estava nessa. Foram uns sete a oito anos. No início dos anos 80 quase não há artigos sobre o tema. Alguém chegou a me dizer: "Aaron, você está cavando sua própria sepultura." Lá por 1985 alguns poucos cientistas entraram no assunto, mas não éramos convidados para conferências, não havia bolsas, ninguém ligava para o que estávamos fazendo. Sabíamos que tínhamos algo interessante e novo, mas não sabíamos se era mesmo algo importante. Mas estávamos animados – quando você é curioso e sabe que tem nas mãos algo novo, vá fundo nisso. Eu sempre fui um tipo de aventureiro. 

Nos anos 90 a coisa começou a ficar importante porque outras pessoas começaram a perceber, usar e citar nosso trabalho. Indústrias farmacêuticas passaram a investigar, o número de citações disparou, começamos a ganhar prêmios, a ser convidados para conferências. A partir de um certo ponto, percebemos que poderíamos um dia ganhar um Nobel – achávamos que seria o de Medicina. Lá se iam quase 20 anos de trabalho. 

Sobre a boa ciência e o fator de impacto

Essa questão do fator de impacto é uma cultura nova, que veio com os computadores, e que pode destruir a ciência. No passado estávamos nas bibliotecas retirando jornais e revistas das estantes e lendo o conteúdo. Não havia grandes dados sobre os artigos, quantas citações e tudo o mais. Quando eu comecei era assim. Hoje essa cultura cresceu e se aprofundou tanto, que as pessoas não ligam para o que os outros estão pesquisando. Estão todos tão ocupados que precisam de um número mágico que os diga se você é bom ou não. Este número é atualmente chamado o "Índice h", que leva em conta uma série de variáveis. Se você está acima de um certo número você é bom. Se não está, vá para casa, reclame com sua mãe, mas não nos incomode. Mas essa é a atitude errada. Existem excelentes cientistas que começam devagar, que falham, falham de novo e depois obterão sucesso. Penso que precisamos mudar essa situação e voltar a olhar para o conteúdo. Nas melhores instituições como MIT e Harvard eles nunca olham para este fator de impacto. Eles entrevistam o candidato, conversam, perguntam sobre seus planos futuros, observam sua inteligência, seu conhecimento, mas acreditem em mim, jamais mencionam o Índice h. 

Sobre ciência e filosofia na renovação molecular do corpo humano

Quando acordamos de manhã e olhamos no espelho, imaginamos que estamos vendo o mesmo rosto que sempre tivemos. Mas todo dia mudamos um pouco. Em semanas mudamos ainda mais, embora pareçamos a mesma pessoa. O espelho tem resolução baixa. Se olharmos nossos rostos em alta resolução, num nível molecular é diferente. Tudo depende do nível químico que usamos para nos ver. Filosoficamente isso não interessa – a natureza não liga para a filosofia, ela se preocupa com fatos. Ela não liga nem para seres humanos. Podemos ser extintos um dia e a natureza seguirá sua história. A questão científica é: Como é possível que as moléculas que nos formam estão sempre mudando e nossas funções permanecem? Existem várias teorias, mas nenhuma ainda é derradeira. Este fato é fascinante. A cada três meses, do ponto de vista molecular somos pessoas totalmente diferentes. Tem que haver um mecanismo de propagação, manutenção e sustentação das funções mesmo com todo 'maquinário físico' em constante mudança. 

Sobre o que é preciso para obter sucesso na Ciência

Não existe uma receita para isso. Eu sou ambicioso e queria mito ser bem sucedido. A primeira coisa que fiz foi procurar bons mentores. Conversei com vários, pesquisei, procurei e escolhi um orientador excelente (desde a época da escola procurava me cercar dos melhores). Quando resolvi largar a medicina e ir para a Ciência, decidi que seria em uma das melhores instituições do mundo. Existem várias, e eu fui para MIT. E foi fascinante! Quando você está numa instituição das melhores o ar é tão fresco, o oxigênio te deixa inebriado. Estar entre os melhores é um ponto crucial. 

Outro ponto importante é o trabalho árduo. Tem que haver paixão. Eu sempre digo que a ciência é meu hobby. Quando você se dedica a uma atividade que realmente ama, isso não pode ser visto como um trabalho ou um emprego. Isso é a vida. E tem a sorte. Mas até para ter sorte você precise ser proativo. Eu não decidi ser cientista para ganhar um prêmio Nobel. Fiz essa decisão em busca da minha felicidade pelos 50 anos seguintes. E amo o que faço, Cada dia é diferente e parece o primeiro dia na minha carreira. 

Sobre Israel

Quando você vive em um lugar que tem problemas, você está alerta o tempo todo, você nunca descansa. Esta é força motriz de Israel. Nós vivemos em uma região instável e explosiva. As pessoas me perguntam como eu posso concentrar nos meus estudos com essas coisas acontecendo logo ao lado. Você tem que estar concentrado, priorizar seu tempo, não ouvir o barulho das bombas e fazer o que você acredita ser o correto. Não é fácil, mas Israel tem tido sucesso, penso eu. Nos últimos anos tivemos quatro prêmios Nobel em Química. Temos também em economia, literatura... 

Sobre por que o Brasil não tem um prêmio Nobel

Eu me faço essa pergunta sempre, mas com relação à China, que tem 1.5 bilhão de habitantes. Israel, que tem 8 milhões, 60 anos e vive em guerra já tem 12. Como é possível? Israel, como já disse, é um país pequeno, cercado por uma vizinhança hostil, com poucos recursos naturais, o que nos torna alertas o tempo todo – é uma questão de vida ou morte. E isso nos faz acelerar as coisas. O governo investe muito dinheiro nas universidades e em pesquisa e desenvolvimento. Nas universidades israelenses estimulamos a independência, e tem alguma rebeldia no nosso DNA. Minha sala fica dentro do laboratório e nunca fecho a porta. Alunos entram lá quando bem entendem, mesmo quando estou no telefone, para falar comigo. E se há alguma discordância com relação ao nosso trabalho, eles não vão dizer "Aaron, desculpe-me, mas creio que seu ponto de vista está equivocado nessa questão...". Eles dirão "Aaron, isso é uma estupidez." E eu não os censuro. É nosso jeito de falar, de questionar a autoridade. 

Em Cingapura, país que tenho visitado bastante, reparo que a sociedade é muito estratificada, e não há lá esse elemento de rebeldia, de questionar as autoridades. Quando dou palestras lá, os alunos ficam petrificados, como se um Nobel fosse um Deus vindo dos céus. Quando eu pergunto se eles entenderam o que eu digo, eles têm medo de dizer 'sim' ou 'não', e jamais perguntam qualquer coisa. Então, acreditem: o comitê do Nobel não privilegia ou descrimina nenhum país. Os países têm culturas diferentes e isso se relaciona com o progresso da Ciência. 

Veja também na Revista Eletrônica da 38ª Reunião Anual da SBQ: As lições e o legado de Ciechanover 

Texto: Mario Henrique Viana, assessor de imprensa da SBQ